O que há de mudanças climáticas na onda de frio na Europa?




                                                                                                 Alliance/Photoshot
Roma coberta de neve: há anos a capital italiana não via sua paisagem tão branca

Enquanto o ar gelado varre o continente europeu, o Ártico vê uma onda de calor sem precedentes. O que está acontecendo e como isso se relaciona com o aquecimento global?

A Alemanha viveu na madrugada desta quarta-feira (28/02) a noite mais fria do inverno: ao nível do mar, os termômetros chegaram a -20 graus em Lübeck, no norte do país; nas montanhas, passaram da marca dos - 40 graus, nos Alpes bávaros.

A onda de frio chamada de “beste do leste” levou temperaturas árticas a várias partes da Europa e gerou raras nevascas em regiões não tão acostumadas a paisagens brancas, como Roma, Côte d'Azur e o sul da Espanha.

Já na região polar, onde realmente deveria estar frio, a situação é outra: a parte mais ao norte da Groenlândia registrou 6 graus no último domingo. E esteve sempre acima de zero ao longo da última quinzena. O gelo marinho do Ártico também recuou a taxas recordes.

"É realmente marcante para fevereiro, quando está escuro permanentemente", diz Ruth Mottram, cientista climática do Instituto Meteorológico Dinamarquês, que vem registrando as temperaturas médias no extremo norte do Ártico. "Nunca foi tão alta nesta época do ano. Nunca foi tão quente. É realmente sem precedentes."

Sobrevoando a região polar, nota-se que um terço do gelo que cobre o Mar de Bering ao oeste do Alasca também desapareceu. Mas esse não foi um processo gradual: o gelo recuou durante impressionantes oito dias em meados de fevereiro, de acordo com uma reportagem do site de notícias sobre o clima InsideClimate News.

Numa época em que o oceano deveria, supostamente, registrar o pico do crescimento do gelo de inverno, a cobertura no Mar de Bering está agora 60% abaixo de sua média entre 1981 a 2010.

Especialistas expressaram consternação diante do nível do aquecimento do Ártico. Robert Rohde, cientista-chefe da Berkeley Earth, uma consultoria em ciência do clima na Califórnia, ilustrou graficamente o aumento da temperatura do extremo Norte nas redes sociais.

"O tempo maluco continua com força e persistência assustadoras", escreveu no Twitter Wright Kaleschke, professor de detecção remota de gelo marinho na Universidade de Hamburgo. Ele diz que não nunca havia visto tais temperaturas em seus 25 anos de pesquisa.

Mas o que está causando o calor bizarro do Ártico? E como isso se relaciona com o frio europeu?

A teoria predominante gira em torno de um enfraquecimento do chamado vórtice polar – ou seja, a massa de ar congelante confinada acima do Ártico durante o inverno. Isso também é regulado pelos jatos polares (correntes de ar formadas na atmosfera), que se tornaram irregulares provavelmente devido – ao menos parcialmente – às mudanças climáticas.

"Os sistemas de alta pressão sobre a Groenlândia e o continente europeu estão canalizando o ar mais quente e de baixa pressão para o norte, em direção ao Polo Norte", explica Kathryn Adamson, professora titular em Geografia Física, na Universidade Metropolitana de Manchester.

Isso faz com que o vórtice polar se rompa e se divida, resultando numa massa de ar frio movendo-se para o Sul, em direção à Europa e à América do Norte. Mas tais eventos estão ocorrendo com frequência crescente, diz Adamson. E eles estão, segundo a especialista, ligados ao aumento das temperaturas e à redução da cobertura do gelo marinho.

"Existe agora um forte e amplo conjunto de provas de que as principais transformações que estamos observando estão ligadas às mudanças climáticas", explica Adamson. "Mudanças em uma parte do sistema oceano-atmosfera podem ter impactos importantes em outra."

Mottram é da mesma opinião. Segundo a cientista climática do Instituto Meteorológico Dinamarquês, enquanto a divisão do vórtice polar é, até certo ponto, um evento meteorológico normal, as recentes tempestades que trazem ar quente para o leste e o oeste da costa da Groenlândia estão sendo bombeadas, provavelmente, pelas mudanças climáticas.

A atmosfera mais quente está contribuindo para o aumento da frequência dessas tempestades e para o enfraquecimento consistente do vórtice polar.

Impactos de grande alcance

Devido ao calor extraordinário, a cobertura atual do gelo marinho no Ártico está no nível mais baixo já registrado para esta época do ano. Além disso, há áreas de águas abertas ao norte da Groenlândia, onde antes havia uma cobertura antiga e espessa de gelo. "Isso é extraordinário e acontece muito, muito raramente", aponta Mottran.

Em agosto último, Adamson escreveu sobre o maior incêndio registrado na Groenlândia, um evento que ela atribuiu em parte às mudanças climáticas. Como 80% da Groenlândia é coberta de gelo, isso também ajuda a moderar as temperaturas globais ao refletir a radiação do Sol.

Enquanto o Ártico se aquece duas vezes mais que o resto do planeta, o permafrost (solo congelado) está se descongelando – o que poderia desencadear um circuito de feedback.

Recém-expostas e secas, a turfa e a biomassa do permafrost descongelado liberam uma grande quantidade de carbono indutor das mudanças climáticas, especialmente quando entra em combustão.

Esta é uma das inúmeras consequências em torno de um aquecimento do Ártico. A redução do gelo marinho também resulta na perda de habitat e presas para animais, como ursos polares e focas.

Muitos também temem que menos gelo deixe o Polo Norte vulnerável ao crescimento do transporte marítimo e, por consequência, ao aumento da mineração e da pesca.

Com a circulação e os padrões climáticos no Ártico "indo quase na direção contrária", de acordo com Mottram, é um momento premente – embora preocupante – para pesquisadores na linha de frente das mudanças climáticas.

"É muito interessante ser uma cientista do Ártico no momento", diz Mottram. "Mas, às vezes, deseja-se realmente um pouco mais de monotonia".

(Com a DW)

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