Premiar "Touch me not" é decisão corajosa da Berlinale
Elizabeth Grenier (*)
Filme vencedor do Festival de Berlim é obra controversa que aborda sexualidade e limites da intimidade. Premiá-lo é muito mais do que uma decisão politicamente correta em tempos de #MeToo, afirma Elizabeth Grenier.
No início da noite, o presidente do júri, Tom Tykwer, já havia dado um sinal. À pergunta "haverá surpresas?", ele respondeu: "Metade-metade". A metade sem surpresa foi o Urso de Prata para Wes Anderson pela direção da animação Ilha de cachorros. Mais uma vez – ou até mais do que em vezes anteriores –, o diretor cult comprovou seu senso infalível por detalhes com esse filme.
A metade com surpresa veio com a entrega do Urso de Ouro para Touch me not. O filme de estreia da artista e diretora romena Adina Pintilie (foto) não se preocupa em agradar nem é um queridinho do público. Ele mostra cenas de nudez explícita, corpos fora do padrão, fetiches. A narrativa é muito experimental e exige paciência do espectador.
O filme chocou não apenas parte do público do festival: três dos seis integrantes do júri da revista Screen International, que avaliam todos os filmes em competição nos grandes festivais, deram apenas uma de quatro estrelas ao filme.
Entre os quatro concorrentes alemães, dois foram cotados para ganhar Ursos. In den Gängen, de Thomas Stuber, tornou-se o favorito dos críticos no último dia da competição, depois da exibição – eu também gostei muito dele. Se ganhasse o Urso de Ouro, certamente não causaria tanta surpresa entre o público.
Outros críticos alemães ficaram empolgados com Transit, uma adaptação do romance de exílio da escritora teuto-judia Anna Seghers, de 1944, cuja ação foi transportada para a Marselha atual pelo diretor Christian Petzold. Mas quem achava que os filmes alemães levavam vantagem por causa do presidente alemão do júri se deu mal. Tykwer não pode ser acusado de parcialidade patriótica, o que é digno de respeito.
Touch me not aborda o medo de ser tocado. Entre outras histórias, ele conta a de Laura (Laura Benson), uma mulher nos seus 50 que prefere contemplar prostitutos se masturbando à intimidade sexual física. Ela tenta resolver seu bloqueio com a ajuda de diversos terapeutas sexuais, incluindo uma trabalhadora do sexo transexual chamada Hanna (Hanna Hoffmann) e Seani Love, um acompanhante masculino real de Londres.
Ao combinar atores com pessoas reais da cena sado-masoquista, Pintilie funde as fronteiras entre ficção e realidade. Também ela participa do filme e toma parte da narrativa. Ainda assim, todos os participantes soam absolutamente convincentes. Os personagens emanam uma profunda tranquilidade e criam, assim, um espaço seguro para a exploração de assuntos íntimos.
Um exemplo é o workshop de autoconhecimento no qual duas pessoas se encontram: Tomas (interpretado pelo ator islandês Tomas Lemarquis, que também participou de Blade Runner 2049) deve tocar Christian para superar as próprias inibições. Christian é Christian Bayerlein, um desenvolvedor web que vive em Koblenz e interpreta a si mesmo. Apesar de suas limitações, causadas por uma atrofia muscular espinhal, Christian tem uma relação incrivelmente positiva com o próprio corpo e tematiza abertamente seu interesse por experiências sexuais, por exemplo num blog.
Muitos dirão que a Berlinale – conhecida por seu viés sociopolítico e seus elevados padrões cinematográficos – tomou, mais uma vez, uma decisão na linha do politicamente correto. Não creio que essa tenha sido a motivação do júri. Claro que, em meio ao debate gerado pelo #MeToo, é uma declaração forte premiar um filme como Touch me not. Mas é, também, uma obra muito forte do ponto de visto estético, com sua oferta narrativa experimental que me convenceu tanto quanto ao júri.
Não era o meu filme favorito: ele é purista e cabeça demais para ser um filme "para se amar" – o que é engraçado para um filme que trata sobretudo do corpo e da intimidade física. Mas esse foi também o filme que eu mais debati com outras pessoas. E era isso o que a diretora queria. Ao receber o prêmio, Pintilie disse esperar que o diálogo que ela propõe no filme leve espectadores de todo o mundo ao debate.
"Não queremos premiar apenas aquilo que o cinema pode, mas também aquilo que ele ainda pode alcançar", disse Tykwer depois da premiação. A decisão do júri pode não receber os aplausos da crítica, mas ela é corajosa e aponta para o futuro. O prêmio vai para um filme artístico que todo adulto deveria ver.
(*) Elizabeth Grenier é jornalista da redação de cultura
(Com a Deutsche Welle)
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