Como se fabrica um golpe de Estado
Lidia Falcón
A declaração do MNE português de que «não está em curso um golpe de Estado na Venezuela», para além da cínica hipocrisia que exprime, é um sinal do vergonhoso e efectivo alinhamento do governo PS nesta conspiração. Bastaria registar os intervenientes que os EUA nela colocaram - como o delinquente Elliot Abrams, com um longo historial criminoso e golpista - para desmentir Santos Silva.
Diz-se que na guerra a primeira vítima é a verdade, e na guerra do império americano e da direita global contra o governo bolivariano da Venezuela a verdade foi traiçoeiramente assassinada na propaganda de todos os meios de comunicação fascistas e reacionários.
Eu estou vendo na Televisão manifestações de milhares de pessoas contra Maduro e a favor do presidente autoproclamado Guaidó, enquanto este organiza uma conferência de imprensa para dezenas de meios de comunicação internacionais em plena rua.
E os porta-vozes da direita, incluindo alguns esquerdistas reconvertidos, não param de qualificar a Venezuela como uma ditadura. Como cada vez que devemos ser menos os sobreviventes da ditadura de Franco, quase ninguém dá testemunho do que é uma ditadura.
Na Venezuela, as eleições são convocadas periodicamente desde há vinte anos e concorreram a elas todas as formações políticas que desejam; os meios de comunicação da oposição difundem todas as críticas ao governo que querem; incluindo um monte de falsidades, como pude verificar pessoalmente nas minhas viagens à Venezuela; a ninguém é recusado nem ninguém é preso por criar um partido político contrário ao governo ou para organizar um evento público, na rua ou num local coberto para criticar o regime.
E o megafone ocidental continua a dizer que a Venezuela é uma ditadura.
Houve três golpes de Estado contra o governo bolivariano desde que Hugo Chávez ganhou as eleições em 1998. Desde 2002, na Venezuela, quando foi organizado o primeiro golpe contra o comandante Hugo Chávez, o governo bolivariano tem sido vítima de todo os tipos de conspirações para o derrubar.
E a partir da eleição de Maduro a oposição montou as guarimbas, grupos de rufias e assassinos que se dedicaram a assaltar e assassinar manifestantes chavistas, atentados que também causaram vítimas entre a população civil. Os EUA impuseram-lhe o boicote econômico, incluindo ao petróleo, da mesma forma que fazem com Cuba, o que está a levar o país à escassez de alimentos e remédios.
Os golpes de Estado organizados pelos EUA na América Latina tiveram origens diferentes. Desde os que foram rapidamente impostos pela invasão militar do país: República Dominicana pela primeira vez em 1916-1924, a segunda em 1965, em que o corpo de fuzileiros navais entrou na ilha e mudou os governos que naquela altura actuavam no país
O golpe de Estado que abalou a Guatemala em 1954 foi o resultado da operação secreta chamada PBSUCCESS (Criptónimo CIA). Esta foi organizada pela CIA para derrubar Jacobo Arbenz Guzmán, o Presidente democraticamente eleito da Guatemala, por se opor aos interesses da United Fruit Company e por permitir que membros do minoritário Partido Comunista da Guatemala - Partido Guatemalteco del Trabajo - influenciassem nas decisões mais importantes do seu governo.
Nicarágua, Granada, Panamá, Cuba, sofreram invasões directas e ocupação do país pelo Exército dos EUA, para mudar governos e regimes. Salvador Allende, presidente democraticamente eleito no Chile por seu povo foi assassinado em 11 de Setembro de 1973 pelo golpe de estado do general Pinochet, financiado e organizado por Kissinger, secretário de Estado dos EUA.
Em 28 de Junho de 2009, o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi sequestrado em sua casa pelo exército do seu país, no meio da noite e enviado, em pijama, num avião para a Costa Rica, em operação organizada e financiada pelos EUA. Ele pretendia mudar a Constituição do seu país através de um referendo popular.
Outros foram concebidos através da pressão econômica e mediática, ou organizando uma oposição armada no interior ou nas fronteiras do país, como aconteceu na Nicarágua. A intervenção do Departamento de Estado dos EUA e da CIA nos países da América Latina, desde a Guerra de Cuba em 1898, é uma constante na história de ambos os continentes. O governo da América do Norte não quer permitir que regimes socialistas sejam criados em seu “quintal”.
E menos ainda na Venezuela, que tem as reservas de petróleo mais importantes do mundo, e coltan, ferro, diamantes.
O personagem que acaba de ser nomeado novo enviado dos EUA para a Venezuela como representante especial do Governo do Trump, a fim de encabeçar a “restauração da democracia” na Venezuela, é Elliott Abrams, que foi o arquitecto do golpe contra Chávez em 2002. Espera-se que Abrams coordene todos os esforços diplomáticos dos EUA para substituir o presidente Nicolás Maduro pelo autoproclamado presidente Juan Guaidó, que foi reconhecido por Trump meia hora depois da sua autoproclamação.
Esse Elliot Abrams foi secretário de Estado adjunto para os direitos humanos do governo Reagan na década de 1980. Abrams apoiou os ditadores sustentados pelos EUA na Guatemala, El Salvador e Honduras. Participou também no escândalo Irão-Contras: altos funcionários da administração Reagan, apesar da proibição do Senado, autorizaram a venda de armas ao Governo iraniano durante a guerra Irão-Iraque. Em seguida, usaram os rendimentos dessas vendas para financiar o movimento armado Contra nicaraguense, criado pelos EUA para atacar o governo sandinista.
Abrams foi finalmente declarado culpado de mentir ao Congresso sobre o caso Irão-Contra, mas foi imediatamente indultado pelo presidente George H. W. Bush Na década de 1990, tornou-se membro fundador do Projeto para o Novo Século Americano, um grupo de especialistas neoconservadores com ideias belicistas.
Em 2001, regressou ao governo dos EUA e foi nomeado director do Conselho de Segurança Nacional do presidente George W. Bush. Abrams exercia na altura uma influência fundamental na política dos EUA no Oriente Médio, e foi um dos arquitectos da guerra do Iraque em 2003. Além disso, desempenhou também um papel-chave na tentativa de golpe de 2002 na Venezuela contra o presidente Hugo Chávez, afectando negativamente o relacionamento entre Washington e Caracas após a conspiração ter finalmente falhado.
É esta e nenhuma outra a radiografia do papel que o Departamento de Estado dos EUA está a desempenhar contra os governos bolivarianos na Venezuela desde 1998. Os planos do governo dos EUA nada têm que ver com defesa dos direitos humanos, implementação da liberdade, luta contra a pobreza, e outros falsos argumentos que tanto Trump como os seus aliados de direita nos Estados Unidos e na Europa proclamam. Entre outros, os líderes ilustres do PP e Ciudadanos, que nada dizem dos governos tirânicos da Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, do genocídio palestino por parte de Israel, dos continuados massacres no Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, da guerra do Iémen.
Como se fabricam as condições para justificar o golpe de Estado na Venezuela.
Desde o fracasso do golpe de 2002, os EUA e seus aliados, confrontados com as óbvias dificuldades de proceder a uma invasão militar, decidiram bloquear a economia do país. A primeira medida foi baixar repentinamente o preço do petróleo, com o que prejudicavam também o Irão e a Rússia. Procedeu-se ao boicote da produção e importação dos produtos de primeira necessidade.
Tendo em conta a permissividade do governo bolivariano para com os seus inimigos, os cinco principais sectores de produção fundamentais para a sobrevivência do país permanecem em mãos privadas sem que tenham sido objecto de intervenção e socializado, e entre os quais estão grandes corporações norte-americanas.
A comida que produz, importa, processa e distribui a empresa venezuelana La Polar, mantendo o monopólio que sempre teve, permite-lhe ocultar e retirar do mercado os fornecimentos de alimentos, causando escassez e mal-estar na população.
Roupa, calçado, tecidos, que são fabricados ou importados por várias multinacionais, são também objecto de sequestro por parte dessas corporações. Os produtos farmacêuticos, cosméticos, de higiene e limpeza. Os telefones fixos e móveis. E o petróleo, que apesar de ter sido nacionalizado, só pode ser comercializado quando extraído, refinado e transportado. Operações que estão nas mãos das empresas dos EUA.
Dependente, portanto, o governo venezuelano do fornecimento e distribuição de produtos essenciais de subsistência por parte das empresas privadas, a continuada sabotagem e ocultação de insumos tem causado pobreza a mal-estar na população venezuelana, da mesma forma que no governo de Allende, os alimentos foram sequestrados, o cobre foi apreendido e certos sectores, como os transportes, foram mobilizados contra o seu governo, antes de proceder ao golpe militar e assassiná-lo.
Ao mesmo tempo, há uma continuada campanha contra o governo de Maduro em todos os meios de comunicação da oposição, imprensa escrita e digital, televisão, rádio, que ele nunca impediu, apesar do que transmite a informação da direita.
A CIA organizou uma guerra de baixa intensidade na fronteira com a Colômbia com guerrilheiros sem ocupação, narcotraficantes e contrabandistas de moeda, o que levou o governo a deslocar muitas forças armadas ao longo dos milhares de quilómetros da fronteira com o país vizinho, provocando o desgosto das populações, da mesma forma que organizou uma guerra na fronteira entre Honduras e Nicarágua que arruinou o governo sandinista.
Esta é uma breve e incompleta revisão do papel do Departamento de Estado dos EUA e da CIA no golpe de Estado que está sendo perpetrado na Venezuela. Verificando-o, torna-se ainda mais infame o apoio que vários países europeus estão a prestar ao usurpador Guaidó, e o ultimato formulado por Pedro Sanchez, absolutamente ridículo em termos de imposição à soberania de outro país e que apenas favorece a direita do nosso país e a imposição imperialista.
Fonte: https://blogs.publico.es/lidia-falcon/2019/01/28/como-se-fabrica-un-golpe-de-estado/
(Com odiario.info)
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