Quem Matou Rosa Luxemburg?

                                                                   
 Josefina L. Martinez    

Passaram em 15 de Janeiro 100 anos sobre o assassínio de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. Publicamos em sua memória dois textos que recordam o contexto histórico desse crime. E também quanto desse crime se projectou na história futura da Alemanha.

A história política alemã do século passado pode ser lida como o relato de um crime. Um assassínio político que antecipou um genocídio. Mas para isso foi necessário em primeiro lugar esmagar a esperança de uma revolução,.

Em 15 de Janeiro de 1919, Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht foram presos no apartamento onde estavam escondidos e levados para a sede da Cavalaria de Guarda dos Freikorps (forças paramilitares) no aristocrático hotel Éden. 

Conta uma testemunha que Luxemburg colocou alguns livros numa maleta, pensando que a esperava uma nova temporada na cadeia. Poucas horas depois, o capitão Waldemar Pabst comunicava por telefone com o ministro do Exército do Reich, o social-democrata Gustav Noske, para pedir instruções sobre como proceder com tão importantes prisioneiros. 

Havia dias que a imprensa lançava ameaças e insultos contra “Rosa, a sanguinária”, líder da Liga Spartacus e do recém-fundado Partido Comunista Alemão (KPD).

Os social-democratas estavam no poder desde a demissão do Kaiser. O levantamento dos marinheiros e trabalhadores de Kiel tinha sido o impulso inicial de uma série de insurreições locais que culminaram com uma greve geral em Berlim em 9 de Novembro. 

Nesse dia, o social-democrata Phillipp Scheidemann proclamava a República alemã de uma janela do Reichstag. Poucas horas mais tarde, Karl Liebknecht – prematuramente - anunciou da varanda do Palácio a criação da República Socialista Livre da Alemanha. 

Vivia-se uma situação de poder dual, com a formação de conselhos de operários e soldados, seguindo o exemplo russo. Para evitar que fora esse o caminho, em 10 de Novembro, o governo chegou a um acordo com o Estado-Maior alemão: o objetivo era conter a revolução e liquidar os spartaquistas, a sua ala mais radical. “Odeio a revolução tanto como a peste!” havia declarado Friedrich Ebert.
                                                               
Após sua conversa com Gustav Noske, o capitão Pabst deu ordens e o tenente Vogel comandou a execução. Rosa Luxemburgo foi arrastada pelas escadas abaixo, com pontapés e socos no estômago. Quando cruzou a porta, o soldado Otto Runge quebrou-lhe o crânio com a coronha da espingarda. 

Agonizante, meteram-na num carro onde o oficial Hermann Souchon lhe deu um tiro final na têmpora. O seu corpo foi lançado no Landwehrkanal onde quatro meses depois apareceu a flutuar. 

Karl Liebknecht havia sido fuzilado algumas horas antes num parque das proximidades. A primeira versão “oficial” foi que tinham sido assassinados por uma “multidão” furiosa quando tentavam escapar. Mas o logro não resistiu a uma investigação mínima. 

Leo Jogiches, que tinha sido companheiro de Rosa Luxemburgo durante muitos anos e dirigente da Liga Spartaquista, investigou e denunciou os responsáveis pelo assassínio. 

Em 19 de Março de 1919 Leo Jogiches foi morto na prisão “tentando escapar”; milhares de spartaquistas e de operários revolucionários foram mortos nos meses seguintes. 

O cineasta alemão teste Klaus Gietinger prova todos esses factos num rigoroso trabalho de investigação que é pela primeira vez publicado em Inglês este ano pela editorial Verso.

Em 1962, o capitão Pabst fez alarde da sua responsabilidade no assassínio dos dirigentes revolucionários: “Eu participei, naquela altura (Janeiro de 1919), numa reunião do KPD, durante a qual falaram Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg. Fiquei com a impressão de que os dois eram os líderes espirituais da revolução, e decidi fazer com que fossem mortos. 

Foram capturados por minha ordem. Alguém tinha que tomar a decisão de ir para além da perspectiva legal … Não foi fácil tomar a decisão de fazer desaparecer os dois … Ainda defendo a ideia de que esta decisão é também totalmente justificável do ponto de vista teológico e moral”.

Pabst contou apenas o que a cobarde social-democracia não se atreveu a confessar. O capitão voltou a assumir um papel preponderante durante o golpe de Estado de Kapp (Kapp-Putsch) em 1920. Mais tarde, colaborou na organização de grupos paramilitares da ultradireita na Áustria. Embora nunca se tenha inscrito no partido nazi, fez parte de grupos de extrema-direita até sua morte em 1970. Nunca foi julgado pelos seus crimes.

Sabemos já que matou Rosa Luxemburg. A questão mais importante agora é o porquê. Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht tinham-se oposto à traição da social-democracia que apoiou no Reichstag os créditos de guerra, em 4 de Agosto de 1914. 

O Partido Social-Democrata alemão tinha-se tornado a mais poderosa organização da Segunda Internacional: um bloco de 110 parlamentares, mais de 4 milhões de votos, 90 jornais próprios, numerosas associações juvenis e de mulheres. 

Mas este monumental dispositivo foi colocado à disposição do Império Alemão quando a guerra começou, justificando com a ideia de “defesa nacional” que os trabalhadores alemães se matassem nas trincheiras com os franceses.

Luxemburg e Liebknecht representavam a luta contra a guerra imperialista, o combate contra o militarismo alemão, a denuncia das capitulações da social-democracia, a defesa da revolução russa e a ala mais resoluta da revolução alemã. Como Karl Liebknecht escreveu em 15 de Janeiro de 1919, poucas horas antes de morrer:

“Spartacus” significa fogo e espírito, significa alma e coração, significa vontade e acção a favor da revolução proletária. “Spartacus” significa toda a necessidade e desejo de felicidade, significa toda a determinação de luta do proletariado com consciência de classe. «Spartacus» significa socialismo e revolução mundial.

Esse desejo de felicidade ressurgiu na Alemanha em 1921 e em 1923. A história dessas tentativas revolucionárias foi tornada invisível pela historiografia, mas a esperança de um mundo novo renasceu das cinzas uma e outra vez no coração da Europa Ocidental. Só depois de sucessivas derrotas, em grande parte devido ao papel conservador desempenhado pelas grandes organizações operárias como a social-democracia poderia impor-se o nazismo.

Quando Rosa Luxemburgo escreveu em 1916 a Brochura de Junius sobre o dilema “socialismo ou barbárie”, a barbárie fazia-se carne nos dramáticos cartões postais da Primeira Guerra Mundial. Ela não podia imaginar o horror que estava por vir.

Fonte: https://ctxt.es/es/20190109/Politica/23896/Josefina-L-Martinez-Rosa-Luxemburg-politica-Alemania-Karl-Liebknecht-Otto-Runge.htm?fbclid=IwAR0ZgG9ng2mS42I_Eo8KCIYX5vsxBkIyDAQV2wCNPlQ_AZ99ywktnn-Xddc

(Com odiario.info)

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