A MARCA DA MALDADE
Todos ficam em silêncio, de cabeça baixa ou olhar perdido no horizonte, naquele mar que os poupou mesmo que eles não tenham ideia de quando e onde eles irão tocar a terra. Os únicos a fazer um pouco de barulho são Louis e Adel, eles correm na ponte ou sentam-se e disputam aqueles brinquedos "inventados" que há quatro dias os estão mantendo ocupados. Eles têm 3 e 4 anos e, junto com os outros dois pequenos a bordo, são as mascotes do navio, onde agora, após quatro operações de resgate em 72 horas, se tornaram 356.
Estranho grupo este dos migrantes do Ocean Viking, o navio do Sos Mediterranée e MSF (Médicos Sem Fronteira), em sua primeira missão. Apenas quatro mulheres, as mães das crianças, os outros 348 são todos homens, um terço dos quais menores que viajam sozinhos. O navio dos cem garotos, porque um grande percentual deles tem entre 13 e 15 anos de idade. E não acontecia há muitos meses ver tantos menores juntos sozinhos.
Basta olhar para um número: desde o início do ano até hoje apenas 555 menores desacompanhados desembarcados na Itália (em comparação com cerca de 3.000 no mesmo período de 2018), apenas no Ocean Viking já são 103. Os últimos 29 foram "repescados" ontem à tarde, caídos no mar de um bote em que viajavam em 105, cuja câmara tubular se esvaziou fazendo dezenas de pessoas caírem na água. A tripulação do navio já havia terminado de equipar todos com coletes salva-vidas e todos foram salvos.
A reportagem é de Alessandra Ziniti, publicada por La Repubblica, 13-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Também nesse bote, o quarto resgatado pelo navio na zona SAR da Líbia eram todos homens, assim como no segundo e no terceiro. Todos da África Subsaariana, principalmente Sudão, Guiné, Mali. "Como se os traficantes líbios tivessem aberto as portas de um campo de concentração onde estavam detidos garotos e crianças. "Não podemos dizer, mas o que é certo é que eles carregam sinais de tortura - diz Luca Pigozzi, coordenador médico de MSF no navio. - Eles não gostam de falar, mal respondem às perguntas que eu sou obrigado a fazer a eles. Certamente passaram muito tempo em cativeiro, algemados, mãos e pés. Os sinais que vi ao redor de seus pulsos e tornozelos não deixam dúvidas".
Alguns têm queimaduras graves de plástico deixado derreter no peito, marcas de chicote e cicatrizes de todos os tipos nos ombros e nas pernas. "Muitas dessas crianças tinham dificuldade em ficar de pé, caminhar e manter o equilíbrio". Como acontece àqueles que são forçados durante meses a ficar sentados ombro-a-ombro, amontoados junto com centenas de outras pessoas em salas tão pequenas que não há espaço para se mover.
"Eles não bebiam há dois ou três dias, também não comiam, estavam muito fracos - relata o médico – mas, depois, os primeiros que trouxemos a bordo se recuperaram e começaram a ajudar os outros chegados que estavam nas mesmas condições nos botes que foram resgatados sucessivamente" .
O que impressiona em um navio com tantas pessoas é o silêncio. "As crianças estão brincando na ponte, mas há um silêncio irreal ao meu redor. Um sinal de que essas cicatrizes não estão apenas em seus corpos, mas também em suas almas. Não pedem nada e não sabemos o que dizer-lhes sobre quanto terão que esperar para descer a terra. Claro, inclusive para nós ter que cuidar de tantos menores juntos é muito complicado”.
Quanto mais navios das ONGs ficam lotados no Mediterrâneo, mais difícil será encontrar uma solução para o desembarque. Entre aqueles do Ocean Viking e os do Open Arms (que chegou ao décimo terceiro dia no mar), são agora mais de 500.
Tantos para encontrar rapidamente aquela solução compartilhada que a comissão da UE se dispôs a tomar, mas não está coordenando simplesmente porque até agora ninguém lhe solicitou nada. Ontem, os migrantes da Open Arms lançaram um apelo à Europa usando cartazes. Mas Salvini naturalmente insiste: "Os portos estão fechados. Que eles sigam para a Espanha, França ou Noruega”.
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(Com o IHU)
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