As memórias revolucionárias de Anita Prestes

                                                                        

Daniela Mussi (*)

“Viver é tomar partido”, expressão do poeta e dramaturgo alemão Christian Friedrich Hebbel popularizada por um artigo de Antonio Gramsci, é escolha perfeita para o título deste livro. Combinando memórias a uma extensa pesquisa documental, Anita Prestes reconstrói sua trajetória comunista, no sentido pleno da palavra: uma vida marcada por sacrifícios pessoais, por perseguições políticas e pelo cuidado aguerrido do espólio político que herdou dos pais. A história pessoal da autora, aliás, entrecruza-se, em muitos pontos, com aquela das lutas revolucionárias brasileiras e da solidariedade democrática internacional que protegeu exilados e marginalizados políticos durante todo o século XX.


Testemunho de uma vida extraordinária, este texto está investido da sensibilidade por vezes ausente dos livros de memórias das esquerdas. Comparecem aqui, no centro da narrativa, mulheres sem as quais – sabemos – nada na política radical seria possível. Não existiria Anita sem Olga, Leocadia e Lygia. 

Tampouco existiria Luiz Carlos Prestes sem todas essas mulheres. A historiografia contemporânea crítica finalmente tem voltado os olhos para o que até então considerava “cozinha” das lutas políticas, jogando luz sobre o cotidiano de trabalho árduo e contínuo de muitas mulheres, a grande maioria anônima, nas associações políticas. 

Quem percorrer as lembranças documentadas de Anita Prestes poderá deparar com muitas mães, irmãs, tias, esposas, camaradas. As histórias dessas mulheres quase nunca aparecem nos documentos políticos oficiais e, quando se fazem presentes, exibem contornos romantizados, passivos, subalternos.

Este, ao contrário, é um livro de memórias de uma mulher que nasceu em uma prisão nazista, perdeu sua mãe assassinada em um campo de concentração sob a anuência do governo de Getúlio Vargas e foi salva pelas mulheres de sua família. 

São lembranças de quem teve de passar boa parte da infância sem encontrar o pai e que, durante toda a vida, precisou enfrentar a perseguição política sofrida pelas pessoas que amava. Um volume que reconstrói a trajetória de uma militante radicalmente dedicada a salvar do esquecimento o legado do comunismo revolucionário que, sob muitos percalços, se desenvolveu Brasil. Leitura imprescindível, portanto, para quem hoje segue resistindo ao triunfo da lógica e da violência capitalistas.

(*) Daniela Mussi é pós-doutoranda em ciência política na USP, com projeto na área de história do pensamento político brasileiro. Ela traduziu e apresentou o artigo de Guido Liguori sobre “Gramsci, fascismo e hegemonia”, que publicado Revista da Boitempo, a Margem Esquerda, em número dedicado integralmente ao centenário da Revolução Russa. Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente. Leia também “Gramsci e a Revolução Russa“, escrito por ela em conjunto com Alvaro Bianchi.


(Com o blog da Boitemppo/Prestes a Ressurgir)

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