Cultura e resistência: os comunistas caem no samba
“samba, negro, forte, destemido
foi duramente perseguido
nas esquinas, nos botequins, nos terreiros.”
Agoniza, mas não morre – Nelson Sargento
“enquanto se luta, se samba também.”
Viver – Candeia
“o fim de toda opressão, o cantar com emoção
raiou a liberdade”
Por um dia de graça – Luiz Carlos da Vila
Nathália Mozer – historiadora apaixonada pela história do samba e militante do PCB de Nova Friburgo-RJ
O samba é uma expressão de resistência. Essa expressão cultural é criação daqueles que sofreram na pele os piores momentos vividos por seres humanos ao longo de quatro séculos no Brasil colonial: a escravidão imposta aos povos de África. Surge com influência dos ritmos de lá, do batuque dos negros, das festas do candomblé…
Não é possível estabelecer um endereço certo para explicar a origem do samba, e pouco importa se foi no morro carioca ou no terreiro de candomblé baiano… O samba é um fenômeno cultural, produto das relações entre as diversas camadas sociais, é um lugar de mistura de hábitos e comportamentos da sociedade, por meio das relações que o samba promove. Tornou-se, além de um meio de comunicação, um espaço também de disputa política.
A origem do ritmo está associada à mistura dos estilos musicais vindos da África. No século XIX, a cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, passou a receber negros vindos de outras regiões do país, sobretudo da Bahia. Nesse contexto, se constituíram os aglomerados urbanos que se formaram pelos praticantes das religiões iorubás na região central da cidade, principalmente na Praça Onze. Foi ali que surgiram as primeiras rodas de samba.
A partir da década de 1930, o samba começa a ganhar espaço na indústria musical. Noel Rosa foi um dos responsáveis por trazer o gênero – até então profundamente marginalizado – dos morros para o asfalto. Getúlio Vargas, no período do Estado Novo, utilizou o samba para construção do chamado orgulho nacional, que também tinha como projeto a incorporação do negro no projeto de unidade nacional. O Ministério da Educação e Saúde da época elaborou uma série de atividades no intuito de valorizar o que chamavam de “raízes do Brasil”, começando a projetar o samba e as escolas de samba como constitutivas da identidade nacional.
Os comunistas compreenderam na valorização dos sambistas um elemento de resistência e de diálogo com o trabalhador das comunidades e do subúrbio do Rio de Janeiro, fator que deveria também contribuir para a educação política daquela massa de trabalhadores e trabalhadoras. Veem ser possível construir, através do samba, das artes e da cultura, um diálogo permanente com os setores populares, para a incorporação de grandes contingentes da população ao projeto de transformação radical no processo histórico brasileiro.
A volta do PCB à legalidade na década de 1940 possibilita uma nova forma de inserção do Partido junto às camadas populares, fazendo com que a agitação e a propaganda dos comunistas tomassem novos contornos. Com o boom da imprensa comunista entre 1945 e 1947 (em todo o país passam a ser produzidos jornais com circulação diária ou semanal, sob controle direto e orientação política do PCB), surge a Tribuna Popular, jornal de circulação diária no Rio de Janeiro, então capital do país. O jornal rapidamente adquire grande importância na política de aproximação do Partido com as camadas populares.
O PCB procurava abraçar uma ampla variedade de ações na esfera das artes e da cultura e, obviamente, não deixou para trás o mundo do samba, que tinha na Tribuna Popular duas colunas mais constantes: “O povo se diverte” e “O samba na cidade”. Ainda que publicadas de forma mais espaçada ao longo do ano, entre dezembro e fevereiro se tornavam bem mais constantes.
O carnaval de 1946 teve especial destaque: ficou conhecido como Carnaval da Vitória, após a Segunda Guerra Mundial. Havia grande expectativa em relação a esse carnaval, pelo valor simbólico que trazia. Os sambas-enredo para esse carnaval receberam espaço exclusivo para divulgação na Tribuna Popular. Os temas das músicas publicadas eram, centralmente, a vitória das forças democráticas e a participação dos brasileiros na guerra.
A Portela foi campeã desse carnaval com o enredo “Alvorada do Novo Mundo”.
Ao considerar que as comunidades que produzem o samba podiam se transformar em fortes elementos de resistência à exploração capitalista, o PCB abriu um canal diferente de participação dos artistas proletários e promotores da cultura popular, garantindo uma inserção do Partido nos assuntos do samba. Constantemente eram publicadas cartas das escolas de samba simpáticas à Tribuna Popular. A abertura deste espaço conquistou o mundo do samba de tal modo, que, em 15 de novembro de 1946, no campo do São Cristóvão, aconteceu um dos maiores eventos político-culturais da história do PCB: um concurso de samba em homenagem a Luiz Carlos Prestes e à Proclamação da República. Participaram deste evento 22 escolas de samba, comprovando o sucesso dos comunistas no trabalho com as agremiações e as comunidades de origem popular.
Durante toda a sua história o PCB buscou aproximação com a cultura popular como canal de diálogo com a classe trabalhadora. Não é à toa que é possível encontrar, nos arquivos da repressão política, uma grande preocupação das autoridades de plantão, agindo como cães de guarda dos interesses da classe dominante, com a relação estabelecida entre os comunistas e as escolas de samba. Mesmo com toda a vigilância do Estado burguês, o Partido conseguiu em um curto espaço de tempo um sólida relação com as comunidades populares, através do samba.
Bibliografia:
Tribuna Popular, jornal carioca diário, criado em 22 de maio de 1945 e fechado em dezembro de 1947, vinculado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
GUIMARÃES, Valéria Lima – O PCB cai no samba: os comunistas e a cultura popular(1945 – 1950). 1° edição. Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2009.
Roxo, Marco e Sacramento, Igor (orgs.) – Intelectuais Partidos: os comunistas e as mídias no Brasil. 1° edição, Rio de Janeiro, FAPERJ, 2012.
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