Crime da Vale e do Estado cresce em Brumadinho: um ano de impunidade

                                                                           
                                                                            

Gilvander Moreira (*)

Dia 25 de ja­neiro de 2020, às 12h28, com­pleta exa­ta­mente um ano do crime-tra­gédia da mi­ne­ra­dora Vale, com au­to­ri­zação do Es­tado, em Bru­ma­dinho (MG). Em luto e luta, re­a­li­za­remos a 1ª Ro­maria da Ar­qui­di­o­cese de Belo Ho­ri­zonte pela Eco­logia In­te­gral a Bru­ma­dinho, ro­maria de so­li­da­ri­e­dade e luta por jus­tiça, em sin­tonia com as ori­en­ta­ções do papa Fran­cisco, com a En­cí­clica Lau­dato Si e com o Sí­nodo da Igreja para a Amazônia, que con­clama para a ne­ces­si­dade de vá­rios tipos de con­versão, entre as quais, con­versão eco­ló­gica.

“Tudo está in­ter­li­gado. Por isso, exige-se uma pre­o­cu­pação pelo meio am­bi­ente, unida ao amor sin­cero pelos seres hu­manos e um com­pro­misso cons­tante pelos pro­blemas da so­ci­e­dade”, afirma o Papa Fran­cisco, na Lau­dato Si, n. 91.

Dia 25 de ja­neiro de 2020, um sá­bado, das 8 horas às 21 horas, na ci­dade de Bru­ma­dinho, re­gião me­tro­po­li­tana de Belo Ho­ri­zonte, será um dia muito mar­cante para quem es­tiver lá, pois com­ple­tará um ano do crime/tra­gédia que foi o rom­pi­mento da bar­ragem da mi­ne­ra­dora Vale com re­jeitos mi­ne­rá­rios – lama tó­xica -, em Cór­rego do Feijão, se­pul­tando vivas 272 pes­soas e ma­tando o rio Pa­ra­o­peba. Os corpos de 11 ‘jóias’, como são ca­ri­nho­sa­mente cha­madas estas pes­soas mar­ti­ri­zadas, ainda con­ti­nuam de­sa­pa­re­cidos de­baixo da lama tó­xica.

Além da Ro­maria or­ga­ni­zada pela Ar­qui­di­o­cese de Belo Ho­ri­zonte, Cá­ritas, CPT, CEBs e ou­tras pas­to­rais, ha­verá também, em pro­funda co­mu­nhão: 

a) Marcha do Mo­vi­mento dos Atin­gidos por Bar­ra­gens, de Pompéu a Bru­ma­dinho, de 20 a 25/01/2020, um tra­jeto de 300 quilô­me­tros, pas­sando por vá­rias co­mu­ni­dades ri­bei­ri­nhas do Pa­ra­o­peba;

b) marcha do MST (Mo­vi­mento dos Tra­ba­lha­dores Ru­rais Sem Terra) em Bru­ma­dinho, dia 25/01/2020, e Ato de Lan­ça­mento do Plano Na­ci­onal “Plantar ár­vores, pro­duzir ali­mentos sau­dá­veis”;

c) dois mo­mentos cul­tu­rais com mais de 25 ar­tistas se apre­sen­tando gra­tui­ta­mente, por amor ao pró­ximo. Será arte, po­esia, mú­sica, te­atro – cul­tura po­pular – for­ta­le­cendo a luta justa, ne­ces­sária e ur­gente por Jus­tiça So­ci­o­am­bi­ental;

d) Lan­ça­mento do Livro Bru­ma­dinho – 25 é todo dia, de Dom Vi­cente Fer­reira, Edi­tora Ex­pressão Po­pular, um livro que dá voz aos atin­gidos pelo crime da Vale e do Es­tado, ques­tiona com prosa e po­esia o sis­tema mi­ne­rário cri­mi­noso que causa tantos danos so­ci­o­am­bi­en­tais, um grito que virou es­crito e ecoará até que re­pa­ração in­te­gral acon­teça. Livro de lei­tura atenta in­dis­pen­sável.

O crime/tra­gédia não acon­teceu só no dia 25 de ja­neiro de 2019, às 12h28, em uma sexta-feira que se tornou mais uma “sexta-feira da paixão”, mas é um crime con­ti­nuado que está se re­pro­du­zindo de forma cres­cente. Me­lhor di­zendo, ini­ciou na tarde do dia 5 de no­vembro de 2015, no mu­ni­cípio de Ma­riana, pois a im­pu­ni­dade do crime/tra­gédia acon­te­cido a partir do dis­trito de Bento Ro­dri­gues ali­mentou a cons­trução de ou­tros crimes como o da Vale, a partir de Bru­ma­dinho.

Com o passar do tempo, ras­tros de morte vão sendo per­ce­bidos e se avo­lu­mando em todo o mu­ni­cípio de Bru­ma­dinho, em Belo Ho­ri­zonte, Re­gião Me­tro­po­li­tana de Belo Ho­ri­zonte e na bacia do Rio Pa­ra­o­peba. O mas­sacre de pes­soas hu­manas – entre elas, tra­ba­lha­dores e tra­ba­lha­doras – chegou a 272 vidas no dia 25 de ja­neiro de 2019, às 12h28, mas vá­rias ou­tras pes­soas mor­reram pos­te­ri­or­mente, afe­tadas por esse crime, que ainda deu um tiro de mi­se­ri­córdia no rio Pa­ra­o­peba, ma­tando-o e, pior, en­ve­ne­nando-o.

O ta­manho do crime con­tinua imen­su­rável, pois se ex­pande todos os dias. A bacia do rio Pa­ra­o­peba re­pre­senta 5,17% da bacia do Rio São Fran­cisco, tem 510 quilô­me­tros de ex­tensão e bacia en­vol­vendo 1.318.885 mi­lhões de ha­bi­tantes em 13.643 km. O Rio Pa­ra­o­peba (do tupi, pará = rio grande, mar, e peba = aquilo que é plano, chato) é um dos prin­ci­pais aflu­entes do Rio São Fran­cisco, ir­riga 48 mu­ni­cí­pios e de­ságua na bar­ragem da hi­dre­lé­trica de Três Ma­rias (MG), no mu­ni­cípio de Fe­lix­lândia.

No Acam­pa­mento Pá­tria Livre, do MST, com 700 fa­mí­lias sem terra, em São Jo­a­quim de Bicas, à margem es­querda do Rio Pa­ra­o­peba, a ju­sante de Bru­ma­dinho e ao lado de Mário Campos, Ma­noel de­sa­bafa, com lá­grimas es­cor­rendo dos olhos: “O Rio Pa­ra­o­peba era nosso pai. Ma­taram nosso pai. Todos os dias, uma in­fi­ni­dade de pás­saros fazia re­voada aqui no rio, em voos ra­santes se ba­nhavam no rio. Os pás­saros su­miram e os urubus che­garam”.

A agente de saúde Suely, do MST em São Jo­a­quim de Bicas, lembra com tris­teza: “além de prestar os pri­meiros so­corros e re­ceitar me­di­cina ca­seira e das plantas para as 700 fa­mí­lias aqui do Acam­pa­mento Pá­tria Livre, eu pro­punha às pes­soas de­pres­sivas que fossem ba­nhar no Rio Pa­ra­o­peba e me­ditar nas suas mar­gens. Nosso rio já curou muitas pes­soas. E agora com o rio morto? Até as pacas mor­reram, após fi­carem com os corpos todo fe­ridos”.

Em re­gime de agri­cul­tura fa­mi­liar, mi­lhares de pe­quenos(as) pro­du­tores(as), que vi­viam e plan­tavam hor­ta­liças e le­gumes na mãe terra ba­nhada pelo Rio Pa­ra­o­peba, fi­caram aflitos, pois as hortas, antes ir­ri­gadas com água do Rio Pa­ra­o­peba, mor­reram. Tentar ir­rigar com ca­mi­nhões-pipas é pa­li­a­tivo. Buscar água onde? Além de palco de in­tenso pro­cesso de mi­ne­ração, os mu­ni­cí­pios de Bru­ma­dinho, Mário Campos, Sar­zedo, Ibi­rité e re­gião eram re­giões pro­du­toras de ali­mentos para abas­tecer Belo Ho­ri­zonte e re­gião me­tro­po­li­tana.

Di­ante da exaustão da crise hí­drica e de tanta mor­tan­dade que a mi­ne­ração cri­mi­nosa e de­vas­ta­dora vem per­pe­trando em Minas Ge­rais, no Pará e em ou­tros es­tados, se torna im­pe­ra­tivo ético con­quis­tarmos ou­tras formas de tra­balho que in­ter­rompa a má­quina mor­tí­fera das mi­ne­ra­doras que estão fa­zendo guerra contra os povos, contra a mãe na­tu­reza, contra todos os ani­mais e toda es­pécie de ser vivo.

De fato, a em­presa trans­na­ci­onal mi­ne­ra­dora Vale, atu­al­mente, não tem apenas 70 mil fun­ci­o­ná­rios atu­ando em 32 países, mas tem um exér­cito de 70 mil sol­dados fa­zendo guerra em 32 países contra a mãe terra, a irmã água, os povos, todos os seres vivos e contra as pró­ximas ge­ra­ções, in­clu­sive.

É inad­mis­sível que o Mi­nis­tério Pú­blico, Es­ta­dual e Fe­deral, e o Poder Ju­di­ciário ainda não te­nham pren­dido todos os 21 apon­tados como cul­pados pelo crime, se­gundo as CPIs da As­sem­bleia Le­gis­la­tiva de Minas e Câ­mara Fe­deral.

Re­fe­rên­cias:

1 – Lama o crime vale no Brasil – A tra­gédia de Bru­ma­dinho
https://​www.​youtube.​com/​watch?​v=Sok​8jGW​pPIY&​t=24s  
2 – Vidas bar­radas
https://​www.​youtube.​com/​watch?​v=A-​zAT​qACH​qU  
3 – Vale sa­cri­fi­cando o ter­ri­tório de Ponte das Al­mor­reimas, em Bru­ma­dinho, MG: vi­o­lência! Vídeo 1 – 26/12/2019.
https://​www.​youtube.​com/​watch?​v=4Zm​qOj7​cQ-​c 
4 – “Vale co­mete crime e nós é que pa­gamos?” Ponte das Al­mor­reimas, Bru­ma­dinho, MG. Vídeo 2 – 26/12/2019.
https://​www.​youtube.​com/​watch?​v=B23​WPoT​ESIw 
5 – “Vale pode tudo e compra todos?” (Cláudia). E Dom Vi­cente: Ponte das Al­mor­reimas, Bru­ma­dinho/MG. Vídeo 3 – 26/12/2019.
https://​www.​youtube.​com/​watch?​v=4_​Vvo​SeqF​ig 
6 – Dom Vi­cente: “Sis­tema mi­ne­rário é cri­mi­noso”. Vale na Ponte das Al­mor­reimas, Bru­ma­dinho/MG. Vídeo 4 – 26/12/2019.
https://​www.​youtube.​com/​watch?​v=dzh​OdYO​wjvo 
7 – Dom Vi­cente: “Não es­pere outra bar­ragem romper”. Vale na Ponte das Al­mor­reimas/Bru­ma­dinho/MG Vídeo 5 – 26/12/2019.
https://​www.​youtube.​com/​watch?​v=ZUk​T1J0​W70E 

(*) Frei Gil­vander Mo­reira é frei e padre da Ordem dos car­me­litas; doutor em Edu­cação pela FAE/UFMG; li­cen­ciado e ba­charel em Fi­lo­sofia pela UFPR; ba­charel em Te­o­logia pelo ITESP/SP; mestre em Ci­ên­cias Bí­blicas; as­sessor da CPT, CEBI, SAB e Ocu­pa­ções Ur­banas; pro­fessor de “Mo­vi­mentos So­ciais Po­pu­lares e Di­reitos Hu­manos” no IDH, em Belo Ho­ri­zonte, MG.
E-mail: gil­van­derlm@​gmail.​com  




(Com o Correio da Cidadania - Os destaques são do editor desta coluna, José Carlos Alexandre )

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