Causos da minha terra

             Symphronio Veiga


Fechado para almoço


Depois de quase quatro décadas sem ver a cidade natal, a jornalista Ana Luíza (*) achou que Itapecerica (a mineira), ficou menor no tamanho, conservou equilibrados os números de nascimentos e os de falecimentos, apesar de ter a população diminuído...

Ela chegou ao Hotel Principal e pediu um apartamento à recepcionista/proprietária:

- Apartamentos novos reformados custam menos, os antigos são mais caros.

Ela não entendeu e preferiu ocupar um apartamento melhor com preço mais baixo...

Depois de um giro a pé pela cidade, Ana Luíza constatou:

- O Arranca Toco não é mais tão longe; o Morro do Calado não saiu do lugar; o riacho ficou mais sujo; Newtão, o Trator, desistiu de comprar a Capoeira do Padre Herculano Paz para construir lá um resort no alto da montanha da floresta, com vista panorâmica de 360 graus.

Notou também que a rua principal, que corta a cidade de fora a fora, ligando as duas entradas e saídas rodoviárias de Itapecerica, havia sido bloqueada pela Prefeitura em frente à sede da Municipalidade, Para criar ali uma área de lazer para os mendigos e desempregados... Agora, os motoristas são obrigados a desviar por ruelas e travessas coloniais estreitas e sinuosas para entrar ou sair da cidade. Os que guiam caminhões e ônibus ficam mais irritados com as dificuldades.

Outra novidade: o prefeito apelidado de Samambaia demoliu o prédio da estação ferroviária da Rede Mineira de Viação, no final da linha dos trens de bitola estreita. Ao lado, ocupando parte do colossal jardim com a extensão de um quarteirão, construiu a estação rodoviária em modelo arquitetônico caixote e vendeu os mini-boxes onde funcionam botequins.

Casarões coloniais dos séculos passados não existem mais. Foram também demolidos e substituídos por casas baixinhas construídas no modelo arquitetônico caixote, com tetos rebaixados (2m20), modismo na década de 1960.

Ana Luíza fez vi sacra pelos botequins, permanecendo mais tempo no Bar do João Sem Braço, e voltou no começo da tarde ao Hotel Principal, para almoçar.

- O almoço acabou. Há um restaurante aí na praça em frente, disse a garçonete.

Ela se dirigiu ao restaurante, mas não foi atendida:

- Está fechado temporariamente para almoço dos garçons.

(*) Ana Luíza foi a digna e festejada representante itapecericana no movimento hippe. Era figurinha fácil nos festivais e concertos do Verão do Amor e de Woodstock, nos bons tempos que não voltam mais. Atualmente, para matar a saudade, ela reencontra a turma no Peace Fest, em Herzberg, Alemanha.

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