OS MENTIROSOS DO RÁDIO


Hermínio Prates (*)

- Recebemos centenas de telefonemas dos nossos ouvintes...

- Você acredita nisso?

Há quem acredite em duendes e também pode crer nessa frase que era repetida corriqueiramente pelas vozes que povoavam o dial nosso de cada sintonia.

A frase, quase sempre introdução de um arrazoado sobre o tamanho da audiência de um programa ou emissora de rádio, hoje já está adaptada aos novos tempos. A moda não é mais dar ênfase às ligações telefônicas e sim ao correio eletrônico, essa modernice que os analfabetos bilingües chamam de imêio. Analfabetos sim, e ao quadrado, pois se muitos mal sabem a língua pátria, ainda ousam atropelar a língua dos outros.

Antes, bem antes, todos se lembram, diziam pelos microfones que os ouvintes enviavam toneladas de cartas e até – pasme você, pasmemos nós! – telegramas. Até hoje o telegrama é um meio de comunicação caro e pouco usado, quase só sendo acionado com motivação especial: parabéns por casamentos, aniversários, as raras bodas de casais felizes, confirmação de testes, convocações para empregos, coisas solenes. Mas, segundo os homens de rádio, “os telegramas se empilham na nossa mesa para...” e aí cada um concluía a frase de acordo com o interesse do momento.

Acredite quem quiser, mas quase sempre é mentira. A menos que os missivistas estejam concorrendo a algum brinde. Aí sim, chove carta, como aconteceu quando a Rádio Itatiaia, há muitos anos, anunciou um sorteio especial e esse roedor de pequi ficou sabendo de gente que mandou dezenas, alguns até centenas de cartas, pois o prêmio seria um apartamento. Imóvel simples, é verdade, mas sempre um apartamento.

Quer mais um exemplo das mentiras que poluem o éter? Aconteceu há algum tempo: esse defensor das causas ingratas ganhava a vida nos bastidores do rádio e um dia - que não era belo nem primaveril para contrariar o lugar comum – um parceirinho de salário mirrado estava daquele jeito da vida com a safadeza de determinado apresentador de programa. É que ele fazia o que poucos desconfiavam, mas ninguém tinha certeza. Ele se dizia produtor de um programa, mas a tal “produção” consistia em inventar nomes e forjar dramalhões que eram o ponto forte do horário.

Cada tragédia seguia um roteiro básico: “meu nome é fulana de tal, moro no bairro das Pitombas, sou casada, meu marido está meio esquisito, ele sempre chegava cedo e agora só chega tarde, com cheiro de bebida; outro dia eu quis conversar com ele e fui agredida com tapas e palavrões. O que está havendo? Como posso salvar meu casamento? Será que ele tem outra? Preciso de sua ajuda, pelo amor de Deus, estou desesperada!”

Lida a “carta”, o sabe-tudo do microfone ousava uma psicanálise radiofônica; aconselhava, dizia isso e mais aquilo para engodo da audiência.

Era assim a lenga-lenga; mais ou menos o que hoje é comum nos programetes desses espertalhões que fazem da palavra de Deus uma gazua para arrombar os cofres dos humildes. Só que os pastores ameaçam com o espeto do diabo e apelam para a chantagem, recurso corriqueiro dos que sugam o dízimo dos miseráveis.

Pois o companheirinho do rádio estava na justa bronca e disposto a largar o tal conselheiro na mão, caso não recebesse os poucos cruzados do cachet. Sim, era na época do cruzado, só não me lembro se apenas cruzado ou já na espiral inflacionária do cruzado novo.

O apresentador do programa – esperto manipulador de lágrimas alheias – já está no “andar de cima”, acertando as contas com a ANATEL dos anjos, mas o forjador de tragédias está bem vivo e numa boa. Ele já não vive do mirrado salário pago pelo rádio; hoje curte o dolce far niente de uma bem remunerada assessoria.

Agora ligue o rádio e ouça:

- O computador está congestionado com tantos imêios recebidos!.. A nossa audiência é fantástica, somos líderes absolutos de audiência! Meu twiter está bombando!..

Se você ouvir algo semelhante, não se esqueça: pode até ser verdade, mas tem tudo para ser mentira.

(*) Hermínio Prates é jornalista

• herminioprates@ig.com.br

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