Cuba: Números que gritam e números que enganam
Análise sobre o desenvolvimento humano em Cuba desde 2000, baseada no relatório anual de Desenvolvimento Humano do PNUD
Gustavo Marun (*)
Estudo demonstra que, diferentemente do que tem sido propalado sem fundamentação, as reformas cubanas não surgem como tentativa de solução para crise econômica alguma. Pelo contrário, os índices investigados comprovam o alto desenvolvimento recente da ilha, tanto na esfera econômica quanto humana. Explicados principalmente pela interação com o bloco de países da ALBA, os indicadores positivos fazem o desempenho do país figurar entre os maiores das Américas. Este artigo é somente um resumo do estudo mais completo, com gráficos e maiores detalhes, que pode ser visto em: docs.google.com
O estudo foi elaborado baseado nos dados do último relatório anual de Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), publicado em 14 de Março passado (http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh-2013.pdf). Parte-se dos índices propostos pelo Programa para a análise, ainda que haja críticas e sugestões de aprimoramento dos cálculos.
A principal matéria do estudo é comparar a evolução do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos diferentes países do continente americano desde 2000. O intuito é buscar algum grau de abstração dos processos históricos mais remotos, e dar maior destaque às inflexões político-econômicas mais recentes. Em outras palavras, o olhar sobre a transição foi priorizado em detrimento do olhar sobre estado.
Saúde
O componente de saúde do IDH é calculado através da expectativa de vida ao nascer.
Cuba figura em 2o. lugar no IDH que considera somente a saúde (0,94), logo abaixo do Canadá (0,96), e empatada com Costa Rica e Chile. Cabe registro de que Cuba situava-se em 4o lugar no ano de 2000, com desempenho ligeiramente inferior aos países latino americanos com quem agora aparece empatada, e aos EUA, que por Cuba foram ultrapassados. A título comparativo, Cuba tem atualmente como expectativa de vida 79,3 anos, enquanto Canadá tem 81,1, EUA 78,7, e o Brasil, 73,8.
Outras variáveis poderiam ser levadas em conta para se ter maior consistência nessa medida. Uma composição mais multifacetada de estatísticas a serem consideradas sobre o tema enriqueceria o índice, e possivelmente elevaria ainda mais a constatação do sucesso do modelo socialista cubano nesta área.
Um outro dado que comprova a qualidade e universalidade do acesso à saúde em Cuba, por exemplo, é a taxa de mortalidade infantil (quantidade de crianças com menos de 1 ano mortas entre 1000 nascidas). Neste critério, Cuba lidera o ranking das Américas, empatando com o Canadá e ultrapassando os EUA na última década. Esse dado torna incontestável o sucesso da ação governamental deste país nesta esfera.
O motivo principal do alto desempenho cubano com relação a esta área revela-se facilmente: Durante praticamente todos os anos desde 2000, Cuba é o país das Américas que mais vem investindo em saúde. O percentual do orçamento para essa pasta em relação ao PIB estava ao redor dos 10% em 2010 (último ano com registro), com histórico de crescimento significativo na última década (em 2000, correspondia a aproximadamente 6%).
Educação
Nessa outra dimensão, novamente Cuba se destaca. Mesmo antes de 2000, Cuba já se situava entre as primeiras nações americanas no que tange ao cuidado e desempenho em educação. Porém, a partir de 2000 o índice tem um crescimento consistente, sendo ainda mais acentuado após 2005 (período coincidente com o aumento da relação comercial com a Venezuela e demais países da ALBA), quando esse país aproxima-se substancialmente dos países capitalistas ricos do continente (EUA e Canadá).
Também para a Educação, há que se considerar outras variáveis, a título de maior completude no estudo do tema. O próprio PNUD considerava em anos anteriores a taxa de alfabetização de adultos de cada país para a análise de desenvolvimento da Educação. Agora, adota-se uma composição dos índices de média de anos na escola e expectativa de anos na escola. Consideremos, portanto, a taxa de alfabetização adulta cubana.
Com impressionantes 99,8%, Cuba não somente lidera o ranking das Américas, como aparece como 2o lugar no mundo. EUA e Canadá não têm dados recentes de alfabetização, porém os últimos índices publicados em CIA World Factbook, datados de 2003, indicavam 99% para ambos (ver https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/2103.html#us).
Assim como para a Saúde, não é difícil encontrar a principal razão do sucesso nas políticas públicas de Educação em Cuba. Cuba, de longe, supera todas as nações do continente no que se refere ao percentual de investimento em Educação em relação ao PIB. Se em 2000, com 7,7%, este país já tinha a taxa mais de 2% maior que a da Bolívia, que figurava em 2o lugar, de 2008 a 2010, com uma oscilação de 14% a 13%, Cuba não tem parâmetros de comparação com nação alguma da região.
Renda
Não se pode negar que a renda é um fator que condiciona o desenvolvimento humano, haja vista que para que se desenvolvam sistemas sociais deve haver investimento. Ocorre que a renda não representa o investimento em si. Não retrata o desenvolvimento humano, no máximo indica um potencial deste desenvolvimento. O propósito do IDH é justamente medir o desenvolvimento humano, e não o econômico. O objetivo deveria ser medir o resultado, não a condição.
Não obstante, é sabido o fato de a renda do indivíduo propiciar uma melhor busca por seu desenvolvimento social. No entanto, há que se acrescentar que quase nada mede a renda nacional per capita se a mesma não considera o nível de desigualdade de renda do país. Uma renda alta, porém fortemente concentrada, pode gerar, no máximo, um desenvolvimento humano elevado para a parcela superior mínima que usufrui da quase totalidade da renda. Ou seja, ainda que se opte por continuar considerando esse componente no cálculo do IDH, que amenos se faça um ajuste, levando-se em conta por exemplo o coeficiente de GINI (que mede o grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita entre os indivíduos) das nações.
Além disso, registra-se o fato de essa ser a variável mais sensível ao embargo econômico imposto a Cuba por parte dos EUA.
Ainda com todas essas ressalvas, cabe destacar a extraordinária evolução cubana neste critério durante o período. Com um salto de $ 3209 para $ 5539 na renda nacional per capita com ajuste PPP - correspondente a um aumento de 72,61% - Cuba ultrapassou 3 países. Para ilustrar a grandeza desse avanço, em termos de percentuais de acréscimo, considerando todo o continente, Cuba só ficou atrás do Panamá - que teve crescimento de 75,59% no mesmo período.
Evolução do IDH desde 2000
Aqui se apresenta de forma concisa o principal objetivo do estudo, que é ilustrar a evolução dos índices de desenvolvimento humano das nações elencadas, desde o ano de 2000.
Os países que despontam na evolução do desenvolvimento humano no continente são justamente aqueles alinhados ao redor da ALBA. Não se pode supor que seja mera coincidência 3 destes países (Nicarágua, Venezuela, Cuba) liderarem o ranking. Com o Equador (6o. colocado), então constata-se que os países da ALBA ocupam 4 das 6 primeiras posições. Considerando o escopo adotado, enquanto os países pertencentes à ALBA tiveram a média de crescimento anual de 0,92 em seu IDH, o conjunto de países das Américas tiveram crescimento médio de 0,70, e os da América Latina 0,75. Claramente, governos que tomaram decisões mais arrojadas com relação à estatização de empresas, distribuição de renda, investimentos sociais e integração latino-americana baseada na complementaridade econômica e solidariedade foram justamente aqueles que experimentaram maior acréscimo em seu desenvolvimento humano.
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Considere-se agora o IDH com e sem o componente de renda, para que se perceba como as imprecisões indicadas anteriormente nessa esfera prejudicam Cuba. Ao desconsiderar-se o componente de renda de IDH, Cuba sai da sexta posição no continente (empatada com o Panamá e México), para a terceira, situando-se apenas atrás dos dois países ricos da América (EUA e Canadá).
Conclusões
Se Cuba já possuía índices de desenvolvimento humano marcantes ao final do século passado, os mesmos tornaram-se ainda mais favoráveis neste século. A tese de que as recentes mudanças econômicas no país se dão como resposta a uma suposta crise não se sustenta. Pelo contrário, as movimentações de quebra do isolamento comercial e econômico geraram um avanço nas estatísticas que tratam o tema de desenvolvimento humano, e mesmo econômico. Tudo indica que as famosas reformas econômicas de Raul Castro surgem num contexto em que os problemas básicos da humanidade estão bem encaminhados em Cuba, permitindo anseios por uma ainda maior qualidade de vida, mesmo que isso seja percebido materialmente, através de acesso a mais e melhores itens de consumo.
Destacam-se o estabelecimento de governos aliados e a instituição da ALBA, em 2004, liderada pela Venezuela, como fatores decisivos nessas conquistas.
Além de tudo, não restam dúvidas que a queda do embargo estadunidense sobre Cuba faria deslanchar ainda mais os indicadores de desenvolvimento humano desta nação caribenha.
Ao contrário do que faz crer o senso comum de um leitor das mídias tradicionais brasileiras, e mesmo internacionais, as nações que mais se destacaram nos últimos anos no continente foram justamente aquelas cujos governos vêm sendo mais atacados nesses veículos.
Pode-se então presumir que a mídia em geral tem maior aversão a estas experiências somente porque elas propiciaram maior incremento de IDH? Não exatamente isso. Na realidade, esse veículos, por pertencerem ao grande Capital, representam e repercutem a visão das classes dominantes, com todos os seus interesses e preconceitos.
Para conquistar maior crescimento de IDH, os governos desses países tiveram que, necessariamente, enfrentar os grandes proprietários, reduzindo a priorização a estas classes, invertendo-a para as classes mais baixas. Interferiu-se significativamente, portanto, na configuração de classes, propriedades, e consequentemente, de poder. Daí a perseguição, mentira, distorções, e visão única sobre a conjuntura desses países por parte desses setores da imprensa.
(*) Gustavo Marun é diretor da Casa da América Latina e militante do PCB (RJ)
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