Prisão política?



                                                             Folha de S.Paulo
Rudá Ricci (*)

 De qualquer maneira, não se trata de prisão política. Talvez um vício original de julgamento.

Nos últimos dois dias, Genoino e Zé Dirceu se declararam presos políticos. Do ponto de vista político, trata-se de um argumento de peso, que sensibiliza militantes e simpatizantes do PT ou dos dois dirigentes. Uma frase de efeito, típica do discurso político, que sintetiza um argumento e emociona instantaneamente.

A questão é se estamos diante do fato, não apenas do discurso.

A prisão política tem relação direta com ação de um condenado contra um regime político ou poder instituído. Obviamente que este não é o caso, já que os dois são personagens centrais do governo e estrutura de poder vigentes desde 2002. Aliás, o plenário do STF é composto, na sua quase totalidade, por ministros indicados pelo governo que lideravam.

Há, contudo, um outro conceito, próximo do de presos políticos, que poderia ter sido empregado: o de prisioneiro de consciência.
Criado por Peter Benenson, refere-se àqueles presos por opinião política. Segundo o advogado inglês:

Qualquer pessoa que está contida fisicamente (com pena de prisão ou não) de expressar (em qualquer forma com palavras ou símbolos) qualquer opinião que ele honestamente detém e que não defende ou tolera a violência pessoal.

Embora mais abrangente que o conceito utilizado por Genoino e Zé Dirceu, também não parece ter sido o caso. Não houve impedimento de opinião ou posicionamento político dos réus, muito menos das organizações a que estão vinculados. 

A acusação é de desvio de recurso público aplicado em causa privada (no caso, interesses partidários). Afirmar que houve interesse político no julgamento por parte dos ministros do STF necessitaria, também, provas ou entraríamos numa ciranda sem fim.

O que pode ter ocorrido é um erro de julgamento pelo STF. Neste caso, a questão é se haveria recurso, já que o julgamento foi feito pela mais alta Corte do país. Em casos similares um processo é reaberto na medida em que há novidades a serem agregadas aos autos que foi, na época do julgamento, desconsideradas ou ignoradas.

Não há como negar, contudo, que estamos enredados num labirinto jurídico já que os réus acusam vício original no julgamento que teria utilizado, inclusive, indevidamente o conceito de "domínio do fato". 

O próprio autor do conceito, o professor alemão Claus Roxin, esteve envolvido em várias discussões e publicações (como a entrevista que concedeu à Folha de S.Paulo) durante o julgamento em que, inicialmente, sugeriu erro no uso do termo pelo STF para, depois, afirmar neutralidade em relação a este julgamento.

Tudo é muito nebuloso.

Piorou com a fuga de Henrique Pizzolato que justificou seu ato porque o STF teria se recusado a acolher provas de que o recursos do Visanet não foram constituídos de desvios de dinheiro público para financiar a compra de votos de parlamentares no Congresso. 

Ora, este é o argumento basilar de grande parte dos juízes do Supremo. Sem a prova do desvio de recurso público, banqueiros envolvidos não teriam cometido nenhum erro administrativo. E políticos teriam constituído empréstimos regulares (o uso deste empréstimo, contudo, teria gerado um ilícito).

De qualquer maneira, não se trata de prisão política. Talvez um vício original de julgamento. Neste caso, necessitaria reabertura do julgamento para observação de provas não acolhidas inicialmente. Erro, mas não necessariamente perseguição.

(*) Rudá Ricci é cientista político e presidente da ONG Cultiva. (Com o Diário Liberdade)

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