VIOLÊNCIA CONTRA JORNALISTAS
Relatório despreza vários tipos de violência
José Cleves (*)
A despeito do relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), que aponta uma média de três casos de violência contra profissionais da imprensa por mês nos últimos três anos, e 244 vítimas de crimes contra profissionais da imprensa a partir de 2008 – homicídio, tentativa de homicídio, ameaça de morte, agressão física ou prisão arbitrária –, creio que estes números são subavaliados e o critério utilizado para este levantamento desprezou vários outros tipos de violência contra os jornalistas.
O relatório foi divulgado com exclusividade pelo Globo Online de domingo (23/2) e, dos cinco itens pesquisados, dois referem-se a crime de sangue (homicídio consumado e tentado), dois de ameaças (uma física e outra psicológica) e uma por prisão arbitrária. Não inclui o relatório nenhum outro tipo de crime contra a liberdade de imprensa por meio de retaliações. A violência que sofri em 2000, quando a polícia de Minas transformou o assalto que resultou na morte de minha mulher em homicídio de minha autoria, não faria parte deste levantamento.
A minha tortura psicológica durou nove anos e somente eu e a minha família sabemos o quanto sofremos, mas por não ter sido morto, nem ferido e nem preso, não enquadraria, este meu caso, em violência contra jornalista, pelo menos é o que observo neste relatório do governo.
A violência da retaliação
A violência contra os profissionais da imprensa não se limita a crime de sangue e prisões arbitrárias, mas, principalmente, em retaliações e atentados, alguns típicos das máfias sicilianas, para calar a imprensa e fazer o jogo dos poderosos.
Convivo com esta situação desde o período da repressão. Trabalhava em um jornal a serviço da repressão, em 1976, quando um dos meus colegas foi retaliado pelo sistema porque tomou partido de um ladrão torturado. O dono do jornal mandou assaltar a casa deste repórter, chamado Kennedy, de tal modo que ele percebesse que era uma armação. O pavor foi tanto que o jornalista desapareceu de Belo Horizonte. Nunca mais o vi.
Portanto, pesquisa nenhuma sobre violência contra jornalistas no mundo pode desprezar este tipo de violência porque as retaliações praticadas pelo poder armado e político contra jornalistas é gritante, principalmente nos países pobres, emergentes e regidos pelo sectarismo religioso, caso das nações mulçumanas, por exemplo, onde prevalece a inquisição.
País perigoso
Como observador nato sobre tudo que ocorre no nosso meio, seja contra ou a favor da imprensa, posso afirmar, com absoluta certeza, que de cada 100 jornalistas do interior, 90 são obrigados a mentir a favor do prefeito, sob pena de demissão e retaliações violentas.
As verbas públicas funcionam como moeda de compra da notícia, submetendo a classe jornalística às piores humilhações. Ou aceita o que o dono do veículo está mandando fazer ou é demitido, ameaçado, retaliado, discriminado no mercado e sufocado de todas as formas.
Em muitos casos, o jornalista é ameaçado pelo grupo inimigo do poder que ele defende por dinheiro e opressão. E não tem outra alternativa, a não ser se demitir da empresa e desistir da profissão de jornalista.
As entidades internacionais de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa têm que tomar conhecimento desta nossa realidade e não se ater a pesquisas que levem em conta apenas o chamado crime de sangue ou prisões arbitrárias.
A nossa situação é das piores do mundo. O Committee to Protect Journalists (Comitê de Proteção aos Jornalistas) escreve que o país ficou, em 2013, na 10ª posição no ranking de países mais perigosos para o trabalho de jornalistas. Em 2012, ele era o 11º. Na América, só estamos atrás do México e da Colômbia.
Em defesa da liberdade de expressão
É preciso deixar bem claro para essas entidades que mesmo sem levar tiro na cabeça, ou não letal – ou ser preso injustamente –, grande parte dos jornalistas brasileiros sofre barbaridade para trabalhar com honestidade. A violência praticada contra quem insiste em falar ou escrever a verdade neste país é muito grande. Eu sempre sofri isso na pele. Já fui ameaçado de morte e violentado psicologicamente em diversas ocasiões.
Fala-se, agora, na criação de um observatório nacional para monitorar crimes contra jornalistas, conforme recomendação do relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O órgão ficaria sob responsabilidade da pasta e teria como função acompanhar as investigações envolvendo violação de direitos de profissionais de comunicação em todo o país, como escreveu O Globo no último fim de semana.
Acho a ideia maravilhosa e me coloco à disposição para colaborar com mais esta ferramenta em defesa da liberdade de expressão.
(*) José Cleves é jornalista. (Com o Observatório da Imprensa)
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