Em meio a negociações de paz, cresce campanha palestina de boicote a Israel
Marina Mattar | São Paulo
Inspirado em campanha contra apartheid, movimento de não violência atinge governo israelense economica e politicamente
Autoridades palestinas e israelenses estão mais uma vez envolvidas em uma rodada de negociações a fim de estabelecer um acordo de paz que coloque fim ao conflito político. Denominada de “Iniciativa Kerry”, em referência ao secretário de Estado norte-americano John Kerry, que media o diálogo, essa tentativa de pacto tem atravessado problemas que dificultam um pacto.
Entre idas e vindas de negociações de paz falidas e um aumento crescente do ceticismo nessas iniciativas, o movimento de BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções) contra Israel cresceu na Palestina e mundialmente, conquistando espaço como uma forma de luta não violenta em direção à paz.
“O BDS pede pelo fim da ocupação israelense de territórios palestinos e árabes, ocupados desde 1967, incluindo o desmantelamento de muros e assentamentos; fim do sistema discriminatório de Israel contra seus cidadãos palestinos, o que se enquadra na definição das Nações Unidas de ‘apartheid’; e o direito de retorno de refugiados palestinos a suas terras de origem, um direito reconhecido pela ONU e pela lei internacional”, explica a Opera Mundi um dos fundadores do movimento, Omar Barghouti.
Reprodução/YouTube
Movimento de boicote atingiu produto anunciado pela atriz Scarlett Johansson, que recebeu críticas pela propaganda para o Sodastream
A campanha, lançada em julho de 2005 por mais de 170 organizações da sociedade civil palestina, foi inspirada pela iniciativa vitoriosa de boicote ao regime de apartheid sul-africano e pede boicote, desinvestimento e sanções contra empresas israelenses ligadas a e que lucram com a ocupação dos territórios palestinos.
Além do boicote econômico, a campanha incentiva o boicote cultural, acadêmico e esportivo de Israel – seguindo os moldes sul-africanos. Dezenas de artistas, músicos e pesquisadores renomados já afirmaram seu apoio ao movimento. Roger Waters, músico do Pink Floyd, se recusou a tocar em Israel; o diretor de cinema Ken Loach proibiu seus filmes de serem exibidos no país desde a invasão de Israel ao Líbano em 2006; e Stephen Hawking, maior nome da física, anunciou sua adesão à campanha ao se negar a participar de conferências no país.
“Assim como no caso do apartheid na África do Sul, é evidente que é o sistema integrado de Estado, suas instituições, empresas e representantes que têm a responsabilidade coletiva pelo regime de exclusão, ocupação e colonialismo implementado contra o povo palestino”, afirma a ativista italiana do grupo Stop the Wall, Maren Mantovani.
A ideia geral da campanha é a de pressionar Israel até que os direitos palestinos sejam efetivados, uma forma de ação que chegou a ser desenhada em diversas resoluções da Assembleia Geral da ONU, nas quais os Estados-membros são chamados a “cessar imediatamente, individual e coletivamente, todas as relações com Israel com a finalidade de isola-lo em todos os campos”.
Em poucos meses, muitas vitórias
A campanha internacional de BDS contra Israel já demonstrou afetar o governo israelense tanto por seus efeitos econômicos quanto políticos, sendo elencada por Tel Aviv como uma “ameaça estratégica”. No início deste ano, depois de vitórias significativas do movimento, o governo de Israel destinou 30 milhões de dólares em ações nacionais e internacionais de combate ao BDS.
Até o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, reconheceu a relevância da iniciativa durante discurso na Conferência de Segurança de Munique em fevereiro deste ano. “Existe uma crescente campanha de ‘deslegitimação’ contra Israel – e as pessoas estão muito sensíveis a ela”, afirmou, enquanto discutia a necessidade de maior comprometimento com as negociações.
Somente neste ano, uma série de vitórias foi conquistada pelo movimento de BDS: o segundo maior fundo de pensão do mundo, o holandês PGGM, decidiu desinvestir nos cinco maiores bancos israelenses por conta de suas operações ilegais nos territórios palestinos ocupados; o governo alemão também excluiu entidades israelenses de bolsas de pesquisa e acordos de cooperação científica; o maior banco dinamarquês, o Danske, colocou, em sua lista negra, o maior banco israelense, Hapoalim; o fundo de pensão norueguês, o maior do mundo, desinvestiu de duas empresas israelenses, ‘Africa Israel Investments’ e ‘Danya Cebrus’, por conta de seu envolvimento na construção de assentamentos israelenses em terras palestinas; o fundo de pensão de Luxemburgo desinvestiu de bancos e empresas israelenses pela mesma razão; e grandes empreiteiras europeias saíram de projetos de construção com Israel com medo de serem, também, boicotadas.
A polêmica propaganda da atriz norte-americana e também embaixadora da ONG de direitos humanos Oxfam, Scarlett Johansson, para a marca Soda Stream, empresa baseada em território palestino e fabricante de máquinas que gaseificam líquidos, também chamou a atenção em janeiro deste ano.
Imagens ironizando a atriz, supostamente defensora dos direitos humanos, se tornaram virais na internet e culminaram com a expulsão de Johansson da Oxfam, depois da atriz ter decidido manter contrato com a empresa israelense. Roger Waters, que já aderiu ao BDS, chegou a escrever duas cartas à atriz, lembrando-a das violações cometidas pela Soda Stream, que não foram nem respondidas.
“Quebrando o impasse”: BDS chega à elite econômica israelense
“100 líderes da economia alertam sobre boicote contra Israel. O mundo está perdendo sua paciência e a ameaça de sanções aumenta. Nós precisamos alcançar um acordo com os palestinos”, diz a capa do Yedioth Ahronoth, maior jornal impresso do país, no dia 20 de janeiro. Na mesma linha, se seguiram artigos de opinião e até uma matéria de 16 minutos no programa televisivo mais assistido em Israel.(Com o Opera Mundi)
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