Reprimir protestos na Copa do Mundo: um negócio explosivo para o Brasil, constatam a Mídia Ninja e a Adital
Mídia Ninja
Adital
nna Feigenbaum, para Wagingnonviolence.org
Policiais militares sofrem com o efeito das bombas de Gás fabricadas pela Condor. Foto: Mídia NINJA
Em 12 de Junho, a polícia brasileira atirou gás lacrimogênio num grupo de 50 manifestantes não armados que bloqueavam a pista que levava até a arena da Copa em São Paulo. No dia 15, no Rio de Janeiro, outros 200 manifestantes encararam rios de gás lacrimogênio e bombas de efeito moral à medida em que se aproximavam do Maracanã.
Armados com um arsenal de armas menos letais e aplicando técnicas importadas da equipe SWAT americana do início dos anos 2000, a polícia vestida de acessórios antimotim vem implantando táticas truculentas, empunhando cassetetes e disparando substâncias químicas à queima roupa. No Brasil, esse tipo de ação policial nos protestos é não somente uma forma comum de controle político, mas também um negócio crescente.
A Copa do Mundo e os protestos relacionados a ela por todo país estão trazendo grandes lucros para a empresa com sede no Rio Condor Tecnologias Não letais. Como parte do farto orçamento de segurança da Copa, a Condor faturou um contrato de 22 milhões, fornecendo gás lacrimogêneo, balas de borracha, armas de choque e granadas de luz e som à polícia e forças de segurança privada. Ao vender armamentos de controle de protestos e ordem pública para compradores da polícia, exército militar e Nações Unidas, os negócios da Condor cresceram mais de 30% nos últimos cinco anos.
Eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas - também sediada no Brasil, em 2016 - chamam a atenção para a segurança nacional. Garanta sua performance aos olhos da indústria, e receba convites de todo o mundo para discursos, consultorias e operações de treinamento. Para a Condor e o mais amplo setor de segurança brasileiro, a Copa é como a fashion week: uma oportunidade de mostrar os últimos apetrechos policiais e pescar futuros compradores.
Enquanto a Condor não divulga oficialmente os detalhes dos seus lucros, de acordo com o currículo de seu diretor de marketing, a companhia tem vendas internacionais de R$50 milhões em armamento não letal e munição. Nos últimos anos, viu crescer sua receita em 33%, como resultado de uma nova estratégia de marketing, com ferramentas de comunicação cativantes e participação em feiras de comércio. Com essas iniciativas o diretor de marketing tem garantido uma média de crescimento nas vendas em 90%, passando de 12 países para mais de 40, com novos mercados na Ásia e África.
Lucrando com os protestos no exterior
Sob banners gigantes da bandeira brasileira, a Condor possui estande regular nas maiores feiras de exposição de segurança interna do mundo, incluindo DSEI e Milipo, onde exibe seus produtos para governos e compradores militares. Esses novos dispositivos em exposição incluem a granada bailarina, que pula do chão para evitar "rebote" dos manifestantes.
A vasta gama de tecnologias de controle de protestos da Condor é enviada para o exterior, a centenas de cidades ao redor do mundo, incluindo países com abusos dos direitos humanos documentados. Essa prática levou a uma pesquisa minuciosa sobre a promessa de 2010 da Condor de ser a "pioneira na disseminação do conceito não letal no Brasil, pelo uso controlado da escalada da força, sem nenhum prejuízo aos direitos humanos".
Todas as vendas internacionais de gás lacrimogênio no Brasil passam pelos Ministérios de Relações Exteriores e da Defesa. No entanto, eles não guardam registros de como são usados e os dados das vendas não são divulgados. De acordo com o relatório da reportagem investigativa da Pública, "nessa indústria, a norma é a de falta de transparência".
Apesar do uso crescente como força mortal, o "controle de protestos" permanece de fora da Convenção de Armas Químicas, que permite gases usados contra civis. Como outras armas que podem ser classificadas como equipamentos policiais, esses agentes não raramente ficam à margem das restrições de vendas de armas. Isso deixa o comércio para lucro ainda menos regulado que o das indústrias farmacêuticas.
Construindo o comércio brasileiro de controle de protestos
A escalada do Brasil ao topo das indústrias internacionais de policiamento de protestos é amplamente ligada ao resultado do relaxamento das legislações sobre venda de armas, no início dos anos 2000. Em 2002, o governo brasileiro apresentou uma série de políticas flexíveis para aumentar a receita nacional. O ministro da Defesa colaborou com o Itamaraty, Ministério da Ciência e Tecnologia, e outros na área da econômica, de acordo com A Gazeta Mercantil de São Paulo. Frederico Aguiar, o então presidente do setor de contratações e vendas da Condor, disse que "existe uma consciência crescente de que um país politicamente e economicamente importante como o nosso não pode permanecer dependente de sistemas planejados e produzidos no exterior".
Paralelamente a esse movimento de aumentar a produção de tecnologias policiais, mudanças foram feitas nas práticas de policiamento. De acordo com o relatório de Cirro de Barros, da Pública, em 2014 o Brasil estabeleceu à Força Nacional lidar com emergências de segurança pública, integrando um plano maior de expansão do treinamento militar para policiamento da ordem pública.
Em 2006, a Condor e o governo brasileiro realizaram conjuntamente o que na época foi a maior conferência do mundo de armas não letais, catapultando-os no cenário internacional. Entre os discursos, o expert do exército militar dos Estados Unidos coronel John B. Alexander, e também Charles "Sid" Heal, um homem central no desenvolvimento de técnicas militares para policiamento. Conhecido por ter "escrito a bíblia da SWAT", o comandante Heal prestou consultoria à Condor à medida que a companhia expandia seus lucros buscando os mercados de policiamento de protestos e "manutenção da paz". Investigações recentes da Pública revelam um envolvimento contínuo dos Estados Unidos na militarização da polícia brasileira, com consultorias do FBI e conduzidos em centros financiados pelo departamento de estado americano.
Responsabilidade escusa
Enquanto o governo brasileiro aponta aos policiais para escapar da culpa, indústrias corporativas como a Condor permanecem protegidos sob os rótulos com avisos, apesar do crescente uso abusivo de seus produtos. Recentemente, as tecnologias da Condor foram repetidamente utilizadas contra protocolo para intencionalmente elevar os danos e até sistematicamente torturar pessoas na Turquia, Bahrain e Egito. "Nós sempre advertimos sobre o uso de força adequado", afirma Beni Iachan, analista de negócios sênior da Condor. Esse aviso legalmente permite que fabricantes como Condor evitem a responsabilidade, enquanto fornecem mais e mais métodos para uma violenta "escalada de força" aos governos e seus policiais.
Enquanto a receita da Condor sobe pelo mundo, os cilindros, granadas e balas de borracha da empresa continuam sendo atirados à queima roupa nas cabeças das pessoas e nos membros superiores. Artefatos são disparados em espaços fechados, alcançando níveis mortais de envenenamento. E agentes químicos fora de validade com a marca Condor estão sendo usados contra civis, mais recentemente documentado nas ruas da Venezuela.
À medida que os números de mortos e feridos durante o controles de protestos aumenta, está se tornando incrivelmente difícil para companhias como a Condor abrir mão do "não letal" no seus nomes corporativos. Junto a ativistas locais, a campanha brasileira de direitos humanos "Tortura Nunca Mais"e jornalistas investigativos da Pública estão trabalhando duro para aumentar a consciência do público sobre o papel dessas armas nos abusos policiais e a necessidade de maior responsabilização.
Expondo vínculos entre governo e a especulação corporativa sobre os protestos, a Pública está atualmente mapeando a influência da Condor em operações governamentais. "Nós recentemente descobrimos que a Condor tem uma exclusividade de negócio fechada pela Indústria Brasileira de Defesa e Segurança", explica Bruno Fonseca, um dos repórteres investigativos da agência. "Isso significa que todas as instituições de defesa e segurança pública, como a polícia brasileira, podem comprar sem licitação".
O que permite centenas de milhares de armamentos Condor chegarem às mãos das forças de segurança brasileiras sem uma fiscalização do governo. "A Condor tem exclusividade para 27 tipos de equipamentos não letais", diz Fonseca. O uso excessivo de força e desastres para regular as práticas de controle de protestos do governo brasileiro estão agora sob o investigação da campanha global da Anistia Internacional "Deem a eles um cartão amarelo”, que monitora a repressão contra protestos pacíficos na Copa do Mundo.
Com todos os olhares voltados para o Brasil - e seus manifestantes - é hora de não somente resistir à repressão ao direito a manifestação, mas também confrontar os incentivos de mercado que alimentam o uso progressivo da força. "Corporações mundiais como a Condor veem isso como uma oportunidade de lucrar - e eles estão absolutamente ganhando dinheiro com a repressão de estado", afirma Kimber Heinz, da campanha global "Facing Tear Gas".
Desmascarar aqueles que ganham com os protestos revela as intersecções entre o controle governamental e grandes negócios, apontando para novos alvos para campanhas e ações diretas não violentas. "O militarismo é um projeto global com implicações locais," explica Heiz. "Nossa campanha tem como alvo as engrenagens do militarismo: locais de treinamento, feiras de armamentos e programas governamentais, construindo a base para oposição ao militarismo e policiamento desde a raiz."
Conteúdo traduzido. Texto original em http://ninj.as/q2j5i
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