Um presidente agarrado ao poder
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Saulo de Assis (*)
Na semana passada, a divulgação da conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer foi noticiada com destaque pela imprensa francesa. O diálogo, que implica o chefe do Planalto em denúncias de corrupção passiva, obstrução à Justiça e organização criminosa segundo inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal), foi objeto de mais de 20 publicações dos principais jornais do país.
Os principais diários franceses dedicaram sua cobertura para ressaltar o fato de o presidente se recusar a renunciar, apesar do clamor popular e da divulgação de diálogo comprometedor, fora da agenda oficial e com um empresário alvo de diversas operações da Polícia Federal desde 2016.
Em 20 de maio, a reportagem “Apesar de novo inquérito, presidente brasileiro se recusa a renunciar” do diário francês La Tribune destaca que, em meio à “tempestade política” e aos “pedidos de toda parte” por sua renúncia, Michel Temer “continua a se agarrar ao poder”.
Questionando se a crise brasileira terá um dia seu fim, o jornal aponta que a base parlamentar de Temer está “mais dividia do que nunca”, e que, mesmo com “diversos pedidos de impeachment protocolados”, o presidente “se agarra a sua cadeira”. O jornal destaca ainda que o presidente foi alçado ao mais alto posto do governo brasileiro após a “controversa destituição” de Dilma Rousseff em 2016.
O jornal Les Echos destaca em 22 de maio que a delação de Joesley Batista agravou ainda mais a “paralisia provocada pela crise política”. Citando trechos de editorial do jornal O Globo, a publicação aponta ainda que Michel Temer foi abandonado pelo “influente grupo multimídia Globo, tradicionalmente próximo do poder”.
Na mesma data, o diário traçou ainda um perfil do presidente, destacando que, há um ano, o “obscuro Temer” era somente o vice-presidente de Dilma Rousseff, um “advogado centrista que representava poucos além de si mesmo” e que, “sem passar por uma eleição”, Temer conseguiu, por meio de uma manobra política, “se instalar na cadeira de sua chefe”.
Em uma terceira publicação na mesma edição, o Les Echos destaca o advento da delação premiada no Brasil, que “conheceu um grande sucesso” após a eclosão do “escândalo Petrobras”. Para a publicação, a delação premiada ocorre “quando um suspeito se sente acuado pela justiça, senta à mesa de negociações na esperança de conseguir uma redução de sua pena”.
Citando também o “controverso” processo que elevou Michel Temer à condição de chefe do Palácio do Planalto, o jornal Le Monde destacou na última sexta-feira (19) que, após um ano como presidente, a permanência de Michel Temer no cargo parece estar com os dias contados.
Segundo a publicação, um “período de incertezas” se instalará no Brasil dentro do campo político, seja até a conclusão de um possível processo de impeachment, que deverá durar “vários meses”, ou ainda por meio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em julgamento de ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer em razão do financiamento supostamente ilegal da campanha de 2014.
Para o jornal Le Figaro, a divulgação da conversa de Michel Temer com o empresário Joesley Batista caiu como uma bomba em Brasília, causando um “desastre” e derrubando os mercados financeiros. Na reportagem “O presidente do Brasil na berlinda”, publicada em 19 de maio, o diário destaca ainda que os pedidos para destituição do “impopular presidente” se multiplicaram depois que o teor da conversa entre Temer e Batista tornou-se público.
Em “Um país atormentado pela corrupção”, o jornal Le Parisien destacou em 21 de maio que o Brasil, que vem assistindo “atônito” aos desdobramentos da Operação Lava Jato desde 2014, continua a se “afundar” em uma “crise moral e política”, dessa vez com o escândalo envolvendo Joesley Batista e o presidente Michel Temer, que, segundo a publicação, “não cansa de repetir que não deixará seu cargo”, apesar de os pedidos por sua saída “se multiplicarem”.
Por fim, o diário Libération indicou em publicação do dia 19 de maio que um dos caminhos para a saída de Temer da Presidência da República é a possível cassação da chapa Dilma-Temer por suspeita de financiamento ilegal da campanha presidencial de 2014, ainda que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tenha “tentado fechar os olhos diante dos indícios de financiamento ilegal para evitar a instabilidade”.
Ainda conforme a publicação, caso a saída de Temer do Planalto seja efetivada, e novas eleições diretas possam ser realizadas com a aprovação de uma emenda na constituição, quem sairá beneficiado será o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente líder nas pesquisas de intenção de voto.
Ainda que por vezes abordando diferentes aspectos do caos político pelo qual passa o Brasil neste momento, a imprensa francesa foi, de certa forma, uníssona ao deixar claro a contradição entre a gravidade das acusações e a recusa absoluta do presidente Michel Temer em deixar seu posto de presidente da república.
Em algumas publicações, nota-se ainda um certo clima de descrença no país, que, aos olhos do mundo, parece estar em meio a uma crise cada vez mais profunda, envolvendo quase a totalidade dos políticos brasileiros, denunciando a falência do regime político nacional e mostrando como podem ser promíscuas as relações entre o poder público e a iniciativa privada.
Quando até mesmo o presidente da república recebe na calada da noite um empresário investigado em sua residência oficial, e ainda sem que tal encontro esteja na agenda oficial, é sinal de que tais relações há muito tempo passaram do limite aceitável, deixando o país “atormentado”, como indicou o Le Parisien, todas as vezes que tais relações se tornam públicas. E seria ingenuidade dizer que mais casos como o que hoje assistimos “atônitos” não sejam notícia num futuro próximo nas capas de jornais do Brasil e do Mundo.
(*) Saulo de Assis é jornalista e mestrando em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade Bordeaux Montaigne.
(Com o Observatório da Imprensa)
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