Luto no Xingu Vivo: “O Estado matou meu irmão”

                                                                
Publicado em 17 de outubro de 2017 

'“Eu senti uma impotência ao ver os filhos do meu irmão (Maria Antonia, de quatro anos, e Neymar, de sete) chorando … Neymar não saía de perto do caixão, dizia que só iria sair quando o pai levantasse ….E Maria Antonia dizia ‘tia Daniela, mataram meu pai’ ….nesse momento meu coração sangrava por dentro…”.

A gente lembra do dia em que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) lançou o Atlas da Violência 2017 no Brasil. Foi no início de junho, e toda a imprensa falou nesse assunto, destacando Altamira, a cidade mais violenta do país. Muita gente comentava “olha lá Belo Monte e suas vítimas! Esse é o desenvolvimento que mata”.

A gente sabe que é isso. O desenvolvimento que mata. Mas a gente entende também que existe uma distancia entre os amigos que leem o jornal e se indignam com os números e gráficos, e nós. Porque os que estão morrendo, nós os conhecemos. Não são nomes nem estatísticas, são gente que a gente quer bem, gente nossa.

Daniela é membro da nossa equipe Xingu Vivo. Semana passada, a policia matou seu irmão; bem no dia em que Antonia Melo, nossa coordenadora, recebia um premio internacional de reconhecimento à sua luta à frente do Movimento. A policia matou Cleber, irmão de Daniela, com tiros nas costas. Segundo o delegado, porque “ele tava no lugar errado na hora errada”.

Cleber, antes de Belo Monte, trabalhava como oleiro com o pai. Veio a hidrelétrica e, como quase todos os oleiros, perderam tudo. Trabalho, renda, tudo. A vida virou do avesso para ele, desandou, mas depois de um tempo andou de novo. Cleber casou, teve dois filhos, se firmou, mas o Estado lhe tirou a chance de viver.

Daniela, que concomitante à militância no Xingu Vivo leva seus estudos na UFPA, tem essa clareza. “Meu irmão foi executado pelo Estado,  representado pela policia militar. Sujeito esse que deveria conter a violência, não promovê-la!”

No dia do enterro de Cleber, Dani sentiu muita dor. Uma dor quase só dela, mas que soubemos sentir também. Algo que não dá pra vivenciar lendo o jornal, nem entendendo as estatísticas do Mapa de Violência do IPEA. Sente quem amou a vítima. “O que falar para aquelas crianças? A única coisa que me veio à cabeça foi dizer a eles que o pai estava no céu descansando …e que estava bem….”, escreveu dias depois.

Mas querem saber? Esse Estado, essa polícia, eles não podem com a gente. Diz a Dani: “A cada dia que passa tenho certeza de que somente a luta dos povos unidos e conscientes será capaz de conter essa barbárie ocasionada pelo capital; capital esse que tem nome e endereço: maus políticos, empresas privadas, governos. É tempo de conclamar a esperança em nosso meio…”.
É tempo!
                                           

   Dani com os sobrinhos Neymar e Maria Antonia


Altamira, 16 de outubro de 2017

Movimento Xingu Vivo para Sempre"

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