TROPICÁLIA, 50 ANOS: A HISTÓRIA DO MOVIMENTO QUE MARCOU A CULTURA NACIONAL
Em outubro de 2017, o movimento artístico que ficou conhecido como Tropicália completa 50 anos. A apresentação das músicas Alegria, Alegria e Domingo no Parque, em 21 de outubro, durante a final do III Festival Record em 1967, marcaram o início de uma série de experimentações que permitiriam uma nova forma de compreender a música brasileira. Essas inovações estéticas continuam nos discos seguintes dos músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso e no LP coletivo Tropicália ou Panis Et Circencis, o disco manifesto lançado no ano seguinte às apresentações no Festival da Record.
O clima tropicalista contagiou o Brasil e a efervescência se estendeu até dezembro de 1968, quando Caetano e Gil foram presos e, meses depois, obrigados a se exilar do país. A ditadura militar (1964-1985) acabava de iniciar a fase mais dura com o decreto do AI-5. A repressão não deixou passar o trabalho dos tropicalistas que, naquele momento, tinham sua máxima expressão em um programa semanal exibido na TV Tupi, emissora extinta no ano de 1980.
O pesquisador Frederico Coelho, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) e especialista em Tropicália, relembra o que foi o movimento e a obra:
TROPICÁLIA
OU PANIS ET CIRCENCIS
Após a explosão das músicas Alegria, Alegria e Domingo no Parque no Festival da Canção de 1967, diversos artistas se reuniram, capitaneados por Caetano Veloso e Gilberto Gil, para a concepção de Tropicália ou Panis Et Circencis, disco-manifesto coletivo gravado em São Paulo, no decorrer do mês de maio de 1968.
São 12 faixas de canções inéditas de Gil, Caetano, Torquato Neto, Capinan e Tom Zé. Marco da Música Popular Brasileira, o disco traz uma capa icônica que, apesar de provocar análises, não teve um conceito definido ao ser elaborada. A foto foi feita por Olivier Perroy, a convite do arranjador Rogério Duprat, e nela, como em uma foto de família, os tropicalistas se posicionam à frente de um vitral que fazia parte do jardim de inverno da casa do próprio fotógrafo, em São Paulo.
Paulo Roberto Pires – Professor, pesquisador, escritor. Organizador dos dois volumes de Torquatália sobre Torquato Neto.
Para a sessão de fotos que originou a capa, Rita Lee e Guilherme Araújo deram palpites sobre as roupas que todos usaram. O curto prazo para finalizar a o disco impediu que Nara Leão e Capinan fossem até a capital paulista para participar do registro, por isso, eles aparecem em retratos nas mãos de Caetano Veloso e Gilberto Gil, respectivamente.
Capa do disco Tropicália
Contra-capa
A icônica capa de Tropicália ou Panis Et Circencis é uma das mais reconhecidas da MPB, mas na época do lançamento do disco-manifesto, a contracapa também passou por um trabalho minucioso, resultado da preocupação de Caetano Veloso e Torquato Neto. De acordo com Torquato, a contracapa de um álbum é uma forma de valorizar o trabalho apresentado pelo artista. “O disco será comentado e elogiado (naturalmente) faixa por faixa, música por música [...]. Com isso o público terá as informações que deseja, os cronistas idem e o artista, certamente, se sentirá melhor promovido”, afirmou, em coluna publicada em maio de 1967.
Sobre as faixas do disco, Torquato ressaltou, em entrevista à Rádio Cultura em 1968, que havia ali um trabalho único, que valorizava a diversidade cultural brasileira e regionalismos. "A gente não teria condição de ter feito, de estar fazendo um trabalho assim, se a gente não tivesse antes trabalhado com folclore, trabalhado com tudo. Eu acho que enfim, não estamos mais folclorizando o folclore", refletiu.
O texto da contracapa do álbum foi escrito por Caetano, com ajuda de Torquato, e é uma espécie de roteiro de um filme onde os personagens são os próprios tropicalistas. De acordo com Carlos Calado, autor de Tropicália: A história de uma revolução musical, o enredo continha doses de ironia e deboche que às vezes beiram o nonsense.
Entre as várias falas dos personagens, Torquato gozava os puristas, referindo-se ao refrão de ‘Geleia Geral’ (‘ será que o Câmara Cascudo vai pensar que nós estamos querendo dizer que bumba meu boi e iê-iê-iê são a mesma dança?’); Duprat dessacralizava o lado artístico da música (‘como receberão a notícia de que um disco é feito pra vender?’); e Caetano fazia piada com a canção de Vicente Celestino (‘vocês são contra ou a favor do transplante de coração materno?’).
A contracapa do disco tem também uma homenagem a João Gilberto, grande nome da Bossa Nova que era ídolo dos tropicalistas. Como paráfrase a um recado que o músico havia enviado a Caetano (“diga que vou ficar olhando pra ele”), o roteiro se encerra com o personagem chamado João falando “Diga que estou daqui olhando pra eles”.
Contra-capa do disco Tropicália
NOVO OLHAR SOBRE A MPB
No momento em que a Tropicália surgiu, o que predominava na música brasileira era a Bossa Nova, já com sua segunda geração de músicos; a chamada MPB ou Música Popular Brasileira, uma música politizada, que chegou a ser chamada de “canção de protesto”; além da música pop, representada principalmente por artistas da Jovem Guarda, liderados por Roberto Carlos e seu iê-iê-iê, que mimetizava Beatles e Rolling Stones. Era o auge da ditadura militar.
A radicalização política no país também se expressava na música, com a oposição entre os adeptos de canções de protesto e os fãs do iê-iê-iê. “Os tropicalistas buscavam justamente uma cena que fosse um pouco mais aberta, com menos preconceitos e mais liberdade de criação”, aponta Carlos Calado, autor do livro Tropicália: história de uma revolução musical, em entrevista para a Agência Brasil.
MULTIFORMAS
A Tropicália representou uma renovação no cenário musical do país ao investir em ritmos como o baião, bolero, marcha, música caipira, além de incluir a música pop e o rock. “A Tropicália era muito mais um ponto de vista crítico sobre a cena da música brasileira, sobre o repertório da música brasileira, do que propriamente uma maneira de se fazer música. Não existia uma forma tropicalista, na verdade os tropicalistas buscaram várias formas”, explica Calado. Passados 50 anos do movimento, o autor considera que o disco Tropicália ou Panis et Circensis representa hoje seu principal legado por permanecer moderno e desafiador.
“É um disco que não envelhece. Praticamente se tornou um clássico que você pode ouvir a qualquer momento e ainda se surpreender de alguma maneira”, considera Calado. Já Solano Ribeiro, idealizador dos festivais da Record, onde o movimento surgiu, considera que seu efeito principal se deu na época e reverberou na carreira de seus integrantes posteriormente. “Acredito que o Tropicalismo se perdeu no tempo. Ele não existe como movimento, ele existiu como um momento e ficou nesse momento”, destacou em entrevista para a Rádio Cultura de São Paulo por ocasião dos 50 anos da Tropicália.
O poeta e compositor Salgado Maranhão também considera que a Tropicália foi fruto daquele momento e teve o papel de abrir caminhos e possibilidades no campo artístico. “A Tropicália nos deu uma modernidade e uma ousadia que não tínhamos”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.
Para o poeta e compositor Antônio Cícero, o mais interessante no tropicalismo foi o fato de ser um movimento de vanguarda ocorrido na música popular. “Foi através da Tropicália que eu rompi com essa separação radical entre a cultura erudita e a cultura popular. Foi muito importante para o Brasil, representou a liberação de todas as possibilidades para a música brasileira”, concluiu.
UMA “CRUZADA”
A expressão Tropicalismo, como se definiu o movimento artístico que começou a tomar forma no Festival da Record, em 1967, apareceu pela primeira vez em uma coluna do jornalista Nelson Motta, publicada no jornal Última Hora, em 5 de fevereiro de 1968, sob o título de A Cruzada Tropicalista: “[...] um grupo de cineastas, jornalistas, músicos e intelectuais resolveu fundar um movimento brasileiro mas com possibilidades de se transformar em escala mundial: o Tropicalismo. Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra ainda desconhecido.”
A ideia repercutiu em outros jornais e ganhou respaldo de um dos integrantes do movimento, o poeta piauiense Torquato Neto, que endossou a ideia de Motta em um texto intitulado Tropicalismo para Principiantes. Torquato não achava que o movimento fosse vingar. “A moda não deve pegar (nem parece estar sendo lançada para isso), os ídolos continuarão os mesmos - Beatles, Marilyn, Che, Sinatra. E o verdadeiro, grande Tropicalismo, estará demonstrado”, traz o texto.
Havia algum tempo, Caetano Veloso e Gilberto Gil discutiam um nome para a experiência musical pela qual estavam se dedicando. Chegaram a utilizar “som universal” e “som livre” para definir a nova proposta. Por fim, se renderam ao Tropicalismo, que se espalhou rapidamente.
Em entrevista à Rádio Cultura de São Paulo, em dezembro de 1967, Caetano explicou que não concordava com o termo “música universal”, mas o utilizava para facilitar a comunicação com a imprensa: “Essa ideia de som universal é muito fraca, muito vaga, estou trabalhando ainda hoje numa cultura interna. Acho que estou fazendo música no Brasil, brasileira e para brasileiros”, afirmou Caetano naquela ocasião.
Entre os anos de 1967 e 1968, diferentes formas de ver aquela empreitada apareciam entre os integrantes do movimento:
“O que é o Tropicalismo? O Tropicalismo é você fazer o que você está com mais necessidade. É o exercício de liberdade, é mil coisas, você pode dizer mil frases a respeito disso, mas de fato nenhuma frase resolve.”
Nós estamos propondo que seja acatada a música jovem como música brasileira, e não a gente como mais um conjunto jovem a ver essa barreira entre música jovem e música brasileira.
“Tropicalismo é isso, apenas a tentativa de enfocar, essa geleia geral, essa contradição, as contradições existentes dentro dela mesma, o subdesenvolvimento querendo se autodestruir, por isso mesmo se autossuperar.”
Em maio de 1967, Gilberto Gil lançou Louvação, seu primeiro álbum, com arranjos de Dori Caymmi. Entre os compositores do disco aparecem os principais nomes do Tropicalismo: Caetano Veloso, José Carlos Capinan e Torquato Neto, além de José Augusto e Geraldo Vandré, que se tornaria depois ferrenho opositor ao movimento. O álbum, que era uma antologia do trabalho de Gil até então, trazia a marca da cultura popular baiana, mas ainda não apresentava as inovações musicais e estéticas que marcariam o movimento tropicalista.
“Eu tinha que gravar todas essas coisas que fizeram sucesso porque as pessoas de uma certa forma exigiam, queriam ter o álbum de Gilberto Gil em casa com a sua obra”, explicou Gil à Cultura.
Com o término das gravações de Louvação, Gil aceitou um convite do Teatro Popular do Nordeste para passar um mês no Recife, onde, além de apresentar o show Vento de Maio, viu uma apresentação que o marcou profundamente. “Foi uma verdadeira revelação. Gil chegou a chorar, tamanha a emoção que sentiu, ao conhecer a Banda de Pífanos de Caruaru”, aponta Carlos Calado no livro Tropicália: a história de uma revolução musical.
Depois de conversar com o empresário Guilherme Araújo, que o acompanhou naquela viagem, Gil começou a elaborar o pensamento de misturar o que havia presenciado em Pernambuco com o que ouvia nos discos que chegavam de fora, em especial dos Beatles. Na volta daquela viagem, procurou Caetano e expôs suas inquietações.
Caetano Veloso - Foto: Acervo do Projeto Hélio Oiticica
Caetano Veloso compartilhava da preocupação de Gil. O primeiro LP dele, “Domingo”, lançado em julho de 1967 em parceria com Gal Costa e produzido por Dori Caymmi, apresentava composições dele próprio, Edu Lobo, Sidney Miller e da dupla Gilberto Gil e Torquato Neto. As músicas ainda transpareciam uma forte ligação com a bossa nova, uma insatisfação que Caetano expressa na contracapa do disco.
Acho que cheguei a gostar de cantar essas músicas porque minha inspiração agora está tendendo para caminhos muito diferentes dos que segui até aqui. [...] A minha inspiração não quer mais viver apenas da nostalgia de tempos e lugares, ao contrário, quer incorporar esta saudade num projeto de futuro.
Em entrevista à Rádio Cultura, Caetano define esse momento de transição entre a bossa nova e o que ele buscava com as novas composições:
Eu sentia que o que eu fazia era uma coisa muito mais ligada à morte do que à vida. Resolvi quebrar com as amarras a certas ideias abstratas de cultura, de nacionalidade e de pureza para conseguir me expressar de uma maneira mais rica e mais viva.
Filme Terra em Transe - Glauber Rocha, 1967
LIBERDADE
Ao assistir ao filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, Caetano vivenciou um efeito parecido com aquele causado em Gil pela apresentação da Banda de Pífanos de Caruaru. A liberdade de Glauber para filmar tornou-se, então, um importante estímulo para o que Caetano viria a desenvolver. A isso se somaram outras referências repassadas ao baiano pela irmã Maria Bethânia, pelo escritor José Agrippino de Paula, autor de Panamérica, e pelo artista plástico Rogério Duarte: os programas televisivos apresentados por Roberto Carlos e Chacrinha.
Esse caldo de influências também traz a peça teatral O Rei da Vela, uma releitura de Oswald de Andrade feita por José Celso Martinez Corrêa. Gil e Caetano começaram a trabalhar novas composições, mirando os festivais de música que se aproximavam. Em entrevista para a Rádio Cultura, em junho de 1967, Gilberto Gil conta ter composto “umas três ou quatro músicas”.
“Eu tenho uma certa responsabilidade hoje sobre a música popular brasileira e devo fazer jus a essa responsabilidade que me foi dada”, disse Gil.
Os músicos buscaram inovações não apenas nas letras e nos ritmos, mas nos instrumentos. Gilberto Gil contou com apoio do maestro Rogério Duprat e da banda Os Mutantes para os arranjos da composição Domingo no Parque. Em uma entrevista para a Rádio Cultura em 1968, Duprat classificou o encontro como uma confluência. “Na verdade estava todo mundo querendo isso”, afirmou o maestro.
Caetano compôs a canção Alegria, Alegria com base na frase de um amigo de Danilo Caymmi, quando caminhavam pelas ruas de Copacabana. “Eu tô me sentindo nu, eu estou sem lenço e sem documento”, teria dito o amigo de Danilo.
“O que ele falou, eu associei logo às imagens que a gente vai vendo pela rua em Copacabana: revistas e anúncios luminosos, Coca-Cola e todas essas coisas da atualidade.”
Caetano Veloso à Rádio Cultura em dezembro de 1967
Para os arranjos da música, Caetano contou com a banda argentina de rock Beat Boys, sugerida pelo empresário Guilherme Araújo.
Os Mutantes e Gilberto Gil. Crédito: Acervo Iconographia
BAIANOS
Os baianos, como os músicos ficaram conhecidos, resolveram incorporar elementos da cultura pop nas músicas. A guitarra elétrica foi a principal sinalização disso. A empreitada provocou forte reação de músicos que defendiam uma pureza da música brasileira e eram contra o uso dos instrumentos elétricos. Elis Regina e Geraldo Vandré puxavam esse movimento, que culminou em uma passeata em São Paulo contra a guitarra elétrica. Em uma entrevista para a Rádio Cultura em 1968, Vandré afirmou que não concordava com as experiências promovidas pelos baianos.
No III Festival de Música da Record, em outubro de 1967, Caetano e Gil apresentaram composições acompanhados dos Beat Boys e de Os Mutantes, respectivamente. Ouça na voz da cantora Marlene, da Rádio Nacional, a história daquele festival:
“Depois do festival eu passei a gostar muito de Alegria, Alegria, porque o público traduziu para mim uma força que essa música tinha e que eu não sabia que ela teria. A relação dela com o público é uma relação viva”, comentou Caetano, em entrevista de 1967.
O empresário Guilherme Araújo, que exerceu significativa influência na guinada dos músicos baianos, considerou que o festival foi uma ruptura na carreira de Caetano: “Ele conseguiu criar um clima pop quando entrou em cena com os Beat Boys, impondo um som novo, uma tentativa nova”, afirmou à Cultura em dezembro daquele ano.
Logo após o festival, Alegria, Alegria passou a tocar com frequência nas rádios, e o disco compacto com a música alcançou 100 mil cópias vendidas.
A MÚSICA
Capa do Disco Caetano Veloso, 1968
Com o sucesso alcançado no Festival da Record, Caetano e Gil começaram 1968 com o desafio de lançarem discos pela gravadora Philips, sob a produção de Manoel Barenbein. Caetano convidou para a empreitada o maestro Julio Medaglia, que levou seus parceiros Damiano Cozzela e Sandino Hohagen.
A música que Caetano escolheu para abrir o disco ainda estava sem nome. Após mostrá-la para Luís Carlos Barreto, que trabalhou como fotógrafo nos filmes de Glauber Rocha, veio a sugestão para batizá-la de Tropicália. A contragosto de Caetano, o nome ganhou respaldo do empresário Guilherme Araújo e do produtor Manoel Barenbein.
“Tropicália é uma música agressiva. Foi marco da nova fase do Caetano, onde tudo acontece”, disse Júlio Medaglia sobre a faixa em uma entrevista para a Rádio Cultura em 1969. Ele conta ainda que um improviso feito pelo baterista Dirceu para testar o microfone, durante a gravação, acabou virando a introdução da música: “Quando Pero Vaz de Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei. Tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce”, foi a fala registrada pelo técnico de som Rogério Gauss.
Capa do Disco Gilberto Gil, 1968
Gilberto Gil levou a parceria com Rogério Duprat e Os Mutantes para o estúdio, além do trabalho com Torquato em Marginália 2, que se tornou uma das canções mais representativas do movimento.
O cantor também regravou Procissão, de seu disco anterior, com uma roupagem mais pop. Tanto o disco de Gil quanto o de Caetano têm capa ilustrada pelo artista plástico Rogério Duarte, que em 1964 havia criado o famoso cartaz para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol. Com aquelas experimentações batizadas de Tropicalismo, Gil, Caetano e Os Mutantes passaram a ser presença constante no programa televisivo Discoteca do Chacrinha – que teve uma edição especial para os tropicalistas chamada Noite da Banana e foi ao ar em 9 de abril de 1968.
FESTIVAL DE 1968
Por insistência de Guilherme Araújo, Caetano compôs É Proibido Proibir com base no slogan do movimento estudantil francês. Para o arranjo, ele chamou o maestro Rogério Duprat e os Mutantes. Gil, por sua vez, repaginou uma antiga composição sua: Questão de Ordem, com participação dos Beat Boys.
Bastante vaiados nas eliminatórias do Festival Internacional da Canção (FIC), principalmente após o anúncio da classificação de É Proibido Proibir, Caetano Veloso e Os Mutantes foram recebidos por um público mais hostil na semifinal, realizada em 15 de setembro. Quando Caetano começou a provocar o público, ao subir no palco, a plateia se virou de costas para a apresentação, e Os Mutantes responderam virando-se de costas em cima do palco.
Caetano fez um discurso improvisado que marcou, definitivamente, aquele festival na história da música brasileira.
“Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso”, esbravejou Caetano ao deixar o auditório do Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca) antes do anúncio das músicas classificadas daquela noite. O presidente da gravadora Philips, André Midani, não perdeu tempo e lançou um disco compacto com a versão da música É Proibido Proibir, ao vivo, que incluía o enfurecido discurso de Caetano. As filmagens daquela noite, porém, se perderam.
TROPICÁLIA NA TV
Após a explosiva apresentação no FIC, os tropicalistas fizeram uma curta temporada na boate Sucata, no Rio de Janeiro, durante nove dias. A série de shows terminou censurada e interrompida por agentes do Estado.
Naquele momento, o empresário Guilherme Araújo conseguiu fechar com o diretor musical da TV Tupi, Fernando Faro, um acordo sobre o programa de TV que os tropicalistas tentavam tirar do papel desde o início daquele ano. O nome seria Divino Maravilhoso, homônimo à composição de Gil e Caetano inscrita para Festival da Record que ainda seria realizado naquele ano.
Caetano em gravação do programa Divino Maravilhoso - Foto: Divulgação Bossa Nova Filmes
Com concepção geral e roteiro de Caetano e Gil, Divino Maravilhoso tinha direção de imagens de Antônio Abujamra e Cassiano Gabus Mendes. O primeiro episódio foi ao ar em 28 de outubro, com a mesma performance apresentada na boate Sucata, e a presença dos artistas Jorge Ben e Gal Costa.
Censura
Na edição daquele ano do Festival da Record, realizada em novembro, a música Divino Maravilhoso foi interpretada por Gal Costa. Pouco antes do início da competição, Tom Zé e Os Mutantes tiveram que negociar com a censura a liberação de algumas canções que haviam sido inscritas na competição.
São, São Paulo
“Na primeira vez que foi à censura, a música foi toda proibida; na segunda vez foi toda liberada. Depois já estava dada como liberada quando um censor veio rever todo o festival, fez alguns cortes. E eu estive lá depois na censura e acertei os babados”, contou Tom Zé sobre a música São, São Paulo à Rádio Cultura em 1968.
Dom Quixote
Sérgio Dias, Rita Lee, Nara Leão e Arnaldo - Foto: Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
“Sabe o que eles falaram, que o Sancho era o governo que ia cair, e o Dom Quixote era alguém que ia subir no comando. Inventaram mil coisas que não tem nada que ver”, contou Rita Lee à Cultura, em 1968, sobre a música Dom Quixote.
Em entrevista à Cultura, Torquato Neto falou sobre a diversidade das músicas da Tropicália que agora eram definitivamente incorporadas ao festival: “Cada música é uma proposta diferente nesse festival, então você pega o que você quiser e trabalha conforme as tuas necessidades”, afirmou o poeta.
FIM PREMATURO
Baseado no improviso e com apresentações provocativas, o programa Divino Maravilhoso deveria ser exibido semanalmente até o fevereiro de 1969, quando acabava o contrato com a TV Tupi. A última edição, entretanto, foi ao ar em 23 de dezembro, dez dias após o decreto do Ato Institucional número 5 (AI-5) pelos militares. Nesse programa, Caetano Veloso cantou a marchinha Boas Festas, de Assis Valente, apontando um revólver contra a própria cabeça.
Cinco dias depois, ele e Gil foram presos sob o pretexto de terem cantado de forma profana o Hino Nacional e desrespeitado a bandeira brasileira durante show na boate Sucata. Isso porque, no palco, estava uma imagem do artista plástico Hélio Oiticica, na qual um bandido conhecido como “Cara de Cavalo” aparece deitado no chão com a inscrição: “Seja marginal, seja herói”.
Posteriormente, Gil e Caetano foram inocentados das acusações. Porém, ambos só voltaram de vez para o Brasil em 1972.
“O nome de um movimento só existe enquanto o movimento existe, e o Tropicalismo não existe mais como movimento [...] O que a gente faz hoje é irresponsável em relação ao movimento tropicalista”, afirmou Caetano em um programa da TV portuguesa em 1969, quando seguia para o exílio em Londres.
Onde está o Divino Maravilhoso?
O programa de TV Divino Maravilhoso, concebido e protagonizado pelos tropicalistas no auge de sua potência artística, tem até hoje seu registro audiovisual dado como perdido. “Pelo que sei, as fitas do programa Divino Maravilhoso foram destruídas, na época. Se sobrou algo, devem ser fragmentos eventuais de algum programa”, afirma o escritor Carlos Calado.
Divino-maravilhoso
Marcelo Machado, que contou com o trabalho dos pesquisadores Eloá Chouzal e Antônio Venâncio para realizar seu documentário, foi até a Cinemateca Brasileira em São Paulo, responsável pela digitalização do acervo da TV Tupi, emissora que exibiu o programa, mas também não encontrou registros. Apesar disso, o diretor do filme Tropicália se mostra otimista em relação a esse material. “Nem todas as [fitas] quadruplex que estão no acervo da Cinemateca foram digitalizadas. Eu sempre fico com uma esperança de que um dia, quando terminarem de digitalizar esse material, o Divino Maravilhoso apareça.”
A afirmação de que os negativos com as filmagens do programa Divino Maravilhoso teriam sido destruídos partiu do próprio diretor do programa na época, Fernando Faro. Com a prisão de Gilberto Gil e Caetano Veloso no final de 1968, o diretor teria queimado o material, como forma de preservar os músicos.
RÁDIO MEC: 50 ANOS DA TROPICÁLIA
Música, mémória e bate-papo dão o tom dos programas do especial 50 anos da Tropicália, da Rádio MEC, que revisita um dos mais importantes movimentos da cultura brasileira na segunda metade do século XX. Ouça todos:
A foto da capa
A capa do disco Tropicália ou Panis et circenses é ponto de partida para mostrar como cada artista chegou ao álbum. O programa conta os fatos e datas emblemáticos para a construção do movimento.
Um movimento e seus poetas
Torquato Neto, Capinan, Oswald de Andrade, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Caetano e Gil: os poetas e a poesia que influenciou e deu forma às canções da Tropicália.
Vanguardas artísticas
Glauber Rocha, Rogério Duarte, Hélio Oiticica, Zé Celso e Rubens Gershman são alguns dos nomes apresentados para mostrar a relação do cinema, do teatro e das artes plásticas com a Tropicália.
A revolução nos costumes
O programa apresenta as canções de temática comportamental mais evidente na Tropicália, os valores burgueses em questão, a revolução sexual e os vestígios da repressão política.
EXPEDIENTE
Tropicália: 50 anos
Realização: Portal EBC e Agência Brasil, em parceria com Rádio MEC AM e FM. Apoio da Rádio Cultura de São Paulo.
Concepção e pauta: Ana Elisa Santana
Leandro Melito
Produção: Leandro Melito
Reportagem: Leandro Melito
Ana Elisa Santana
Sueli de Freitas
Acervo e pesquisa: Alberto Luiz da Silva Santos
Celso Serrão / Acervos EBC
Cinegrafia: Câmera: Robson Gomes
Auxiliar: Elias de Oliveira
Videos: Acervo EBC
Edição de texto: Luiz Cláudio Ferreira
Carolina Pimentel
Davi Oliveira
Noelle Oliveira
Edição de áudios: Ana Elisa Santana
Leandro Melito
Design e implementação: Daniel Dresch
Gerência de Estratégia em Jornalismo Web: Liliane Farias
Coordenação: Noelle Oliveira
Gerência de Estratégia em Redes: Simone Capovilla
Coordenação: Daniel Dresch
Equipe Rádio MEC:
Gerente Rádio MEC: Thiago Regotto
Apresentação:Raquel Ricardo
Produção:Adriana Ribeiro
Carlos Soca
Demarie Henriques
Livros:
Tropicália: a história de uma revolução musical, de Carlos Calado. Editora 34.
Gilberto Bem Perto, de Gilberto Gil e Regina Zappa. Editora Nova Fronteira.
Torquatália (Geléia Geral) e Torquatália (Do lado de dentro), de Paulo Roberto Pires. Editora Rocco.
Noites Tropicais, de Nelson Motta. Editora Objetiva.
Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil. Editora Planeta.
Documentário:
Tropicália, de Marcelo Machado (2012) - Bossa Films.
Agradecimentos:
Rádio Cultura de São Paulo (produtor Vanderley Cunha), Produtora Bossa Films, Museu da Imagem e do Som de São Paulo e Projeto Hélio Oiticica.
(Com a Agência Brasil)
(Com a Agência Brasil)
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