Greve geral no Brasil: 45 milhões contra Bolsonaro
AbrilAbril
Realizou-se na passada sexta-feira uma poderosa greve geral no Brasil. Envolveu 45 milhões de trabalhadores e estudantes em mais de 380 cidades, contra Jair Bolsonaro e a sua reforma da Previdência mas também contra a acção governativa em bloco. A extrema-direita no governo tentou responder com a repressão, mas a resposta nos locais de trabalho e na rua foi esmagadora.
As ruas deram um retumbante «não» às propostas de reforma da Previdência de Jair Bolsonaro e aos retrocessos promovidos pelo governo Jair Bolsonaro, informa a agência noticiosa Brasil de Fato, que cobriu de perto o acontecimento.
Trabalhadores da indústria e dos serviços, professores, estudantes e nas escolas, trabalhadores rurais e sem terra, mulheres, jovens, reformados, habitantes das favelas e tantos mais responderam ao apelo de 12 centrais sindicais, representando mais de 80% dos trabalhadores brasileiros de todas as tendências políticas – congregando sindicatos anticapitalistas e outros que se consideram «adeptos da economia de mercado» – e das frentes populares Brasil Popular e Povo Sem Medo – organismos de activismo democrático formados em 2015 para lutar contra o movimento golpista institucional que já então se desenhava mas também para lutar contra a política económica, transigente com o capital, do governo de Dilma Rousseff.
As movimentações dos trabalhadores começaram às primeiras luzes da madrugada e continuaram durante todo o dia, até a noite chegar. Paralisações nas empresas e instituições, desfiles e comícios de rua, cortes de estrada, acções de piquetes de greve aconteceram de norte a sul do país, nalguns casos envolvendo confrontos com forças policiais.
A maior central sindical brasileira, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que reúne cerca de 4 milhões de sindicalizados organizados em quase 2500 sindicatos cobrindo todo o país, divulgou informações que apontam para que, nas diversas acções ao longo do dia, tenham estado envolvidos 45 milhões de trabalhadores em 380 cidades, e divulgou um mapa interactivo com o levantamento de alguns dos actos que marcaram a greve geral no Brasil.
Não só nas ruas se deu o protesto: nas redes sociais, cuja importância no Brasil é reconhecida, o hashtag #GreveGeral liderou a lista de «assuntos do momento» do Brasil na rede social Twitter e entre as 17h e as 17h20 (hora local) o Brasil de Fato dá conta de uma autêntica mobilização virtual – «twittaço» – contra a reforma da Previdência, com a hashtag #BrasilBarraReforma.
A greve geral desta sexta-feira é fundamentalmente dirigida contra a reforma da Previdência mas também integra outras preocupações e reivindicações das forças democráticas e progressistas, como a importante defesa da educação pública ou a reivindicação da libertação de Lula da Silva, cuja prisão, depois das conversas, recentemente reveladas, entre o então juiz Sérgio Moro e a acusação, é crescentemente vista como uma manobra para dar a vitória a Bolsonaro.
Em São Paulo 50 mil pessoas concentraram-se em frente à sede Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) – o organismo dos patrões foi um dos maiores apoiantes do golpe parlamentar de 2016 – antes de seguirem para a Praça da República, onde decorreu um comício.
O discurso de Fernando Haddad ex-prefeito paulista e ex-candidato presidencial, não poupou o ocupante do Planalto. «Qual é a moral de um presidente que se aposentou aos 33 anos para impor goela abaixo uma reforma da Previdência como essa?», interrogou, para em seguida pedir a renúncia do ministro Sérgio Moro: «Ele já era partidário quando era juiz, imagine agora que é político. Ele descumpriu a lei e prendeu quem deveria estar no lugar do Bolsonaro».
Além da capital paulista, durante o final da tarde e a noite de sexta-feira a jornada de luta foi encerrada por comícios em 13 outras cidades, em vários pontos do país.
As mobilizações ocorreram em todo o estado do Rio de Janeiro. A concentração que encerrou o dia de luta, realizada no Largo da Candelária, no centro da cidade, reuniu cerca de 100 mil pessoas, com o Brasil de Fato a relevar a unidade de trabalhadores e estudantes, cantando palavras de ordem como «Eu não abro mão da Previdência e nem da educação».
Foi o palco escolhido pelo presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTTB), Adilson Araújo, para fazer o retrato do Brasil actualmente como um país da «degradação humana». Esta vem acontecendo «a partir do golpe que colocou Michel Temer na presidência» e o sindicalista pediu «sagacidade para unir o campo democrático popular em um esforço para derrotar o neoliberalismo».
Os organizadores assinalaram confrontos após o final do comício, com a Polícia Militar a dispersar trabalhadores e estudantes lançando bombas de gás lacrimogéneo.
Em Salvador (Baía) os manifestantes desfilaram pelas ruas da cidade durante a manhã mas foi ao fim do dia que se registou a maior concentração, quando um comício reuniu cerca de 70 mil manifestantes, do Campo Grande à Praça Castro Alves, isto apesar de os transportes rodoviários estarem totalmente paralisados e apenas circular o metro.
A manifestação na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, foi estimada pelos organizadores em cerca de 80 mil pessoas que se concentraram junto ao Shopping Midway Mall e desfilaram até ao Natal Shopping, localizado no bairro de Candelária.
Milhares de manifestantes juntaram-se no Recife (Pernambuco) e em Curitiba (Paraná), mas os estados e cidades rurais viram também greves e acções de rua nas pequenas cidades do interior, com uma participação significativa de trabalhadores rurais e sem-terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aliás, é descrito pelo Brasil de Fato como tendo protagonizado numerosas acções em todo o país, apesar das ameaças que pairam sobre os seus membros e que, ainda na semana passada, se traduziram em mais um assassinato de um dirigente do MST, a poucos dias da greve geral. Ao todo, o MST realizou 50 bloqueios de rodovias federais durante a sexta-feira.
Em declarações ao Brasil de Fato, Jaime Amorim, dirigente do MST, afirmou que o país ainda está tentando se recuperar do golpe contra a democracia e o estado democrático de direito, mas que «a população está acordando, está vendo que há um grande risco de a gente retroceder na construção da Democracia, da soberania nacional e do país nação», e que o antipetismo criado pela elite, que fez a população identificar como opção o governo autoritário de Bolsonaro, se está a desfazer.
Acções começaram cedo e paralisação de sectores-chave foram essenciais
Em São Paulo as centrais sindicais, o MST e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) começaram cedo a mobilização. Às primeiras horas da manhã já sindicalistas, militantes do MST e do MTST se mobilizavam para construir a greve geral. Foram bloqueadas diversas vias e organizadas acções em terminais de autocarros.
Durante a manhã os pontos de maior concentração popular viram a realização de manifestações e desfiles, por vezes ao longo das vias interrompidas.
Nas maiores cidades a adesão dos sectores de transportes, como autocarros, metropolitano e comboios, contribuiu para que um grande número de pessoas tenham sido envolvidas na discussão dos temas que pautam a greve geral numerosas pessoas que à partida não estavam abrangidas nos sindicatos.
Das 27 capitais estaduais 19 tiveram o sistema de autocarros afectado pela mobilização. Em Salvador, por exemplo, 2700 autocarros do sistema municipal de transporte não saíram das garagens, sendo que o serviço é utilizado diariamente por mais de 1,3 milhões de utentes. Nas restantes oito os autocarros circularam mas houve paralisações de metro e bloqueios de ruas ou estradas por manifestantes.
Aderiram à greve geral, entre outros sectores, trabalhadores dos portos, como o de Pecém (Ceará), das refinarias, como a Recap (Mauá) e Abreu Lima (Pernanbuco), da indústria metalúrgica, como na Volkswagen e na Mercedes (São Bernardo), do sector da energia, da banca, do sector eléctrico, dos correios, da saúde e da educação, incluindo universidades como a UFRJ, a UFSC, a UFAL, a UFBA e a UFCG.
Repressão em algumas cidades não abafou o protesto popular
Durante a manhã, em São Paulo, um acto ocorrido na Universidade de São Paulo (USP), que congregou estudantes, professores e funcionários foi dissolvido pela Polícia Militar (PM) com recurso a balas de borracha e bombas lacrimogéneas, tendo diversas pessoas sido atingidas por estilhaços de bombas e forçadas a ser e em seguida levadas para o Hospital Universitário da USP, segundo o sindicato dos trabalhadores da universidade. 15 manifestantes foram detidos pelos policiais e levados à 51.ª Delegacia, no Rio Pequeno. De acordo com o sindicato, não há motivos para uma acusação de qualquer tipo de crime.
Na mesma cidade, durante a tarde, manifestantes relataram uma tentativa de forças de segurança do Estado de dispersar um acto legal na altura da Consolação e da Praça Roosevelt. A PM ainda não se pronunciou sobre o caso.
Na região metropolitana de Curitiba, junto à refinaria Getúlio Vargas, a guarda municipal atacou com balas de borracha o protesto de trabalhadores. Três pessoas ficaram feridas e foram levados para um hospital, uma delas um agricultor do MST atingido no rosto.
Na Paraíba, um policial foi filmado dando atingindo no rosto um dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE). O episódio aconteceu quando manifestantes faziam piquete em frente à empresa de Call Center A&C. Ao ver que o piquete de greve impedia um trabalhador de entrar no prédio, o policial militar atingiu o estudante, dizendo para «acabar logo com essa porra».
Em Niterói um grupo de manifestantes foi abalroado por um carro, tendo-se o condutor posto em fuga. No entanto, como foi fotografado e filmado, é possível que a matrícula da viatura venha a ser identificada.
Balanço sindical da greve é positivo: «maior que a de 2017»
Vagner Freitas, presidente da maior central sindical do Brasil, a CUT, que interveio no comício em São Paulo, apresentou aos jornalistas o balanço da jornada, em conferência de imprensa realizada na mesma cidade.
O dirigente sindical considerou a jornada positiva e de grande adesão. «É uma greve maior do que a de 2017 [contra a reforma trabalhista] e o mercado financeiro do Brasil vai demonstrar isso. As pessoas não foram trabalhar. O que nós queríamos é que as pessoas cruzassem os braços e não fossem trabalhar», afirmou o presidente da CUT.
Referindo-se às linhas de metro e de autocarros do sector privado que funcionaram na capital paulista mas circularam vazias, enquanto as linhas públicas se encontravam encerradas, Wagner Freitas afirmou que tal significou o apoio da população à paralisação contra a reforma da Previdência e também contra os cortes nos investimentos para a Educação: «Estavam noticiando que a linha de metro que funciona porque é privada não tinha ninguém porque as outras linhas não funcionaram, mas não é por isso. Está vazia porque o povo não foi trabalhar, porque concordam com nossa proposta».
O sindicalista reafirmou o desejo dos trabalhadores de uma «Previdência geral, ampla e pública» referiu que a greve de sexta-feira deu aos trabalhadores e aos sindicatos «muito mais força para continuar lutando e fazer outras greves como essa» e que «os sindicatos vão parar esse País de novo caso sejam retirados os direitos dos trabalhadores».
Fonte: https://www.abrilabril.pt/internacional/greve-geral-no-brasil-14-milhoes-contra-bolsonaro
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