Virgínia Artigas, uma artista à margem da história oficial da arte
Luiz Carlos Prestes: desenho da artista, comunista, Virgínia Artigas (1915-1990) |
Desenho de Luiz Carlos Prestes, no livro "Virgínia Artigas – histórias de arte e política", de autoria da historiadora Rosa Artigas (Editora Terceiro Nome, 2019). A publicação reúne desenhos, gravuras e ilustrações da mãe da autora.
Sobre Virginia
Virginia Camargo Artigas nasceu em São Carlos (SP, Brasil), em 27 de novembro de 1915. Era a penúltima de oito filhos de Elisa Veridiana de Camargo Silva e Antônio Rodrigues Silva. Seu pai abandonou a família quando Virginia era pequena e sua mãe sustentou os filhos com muita dificuldade, como costureira. A família morou em bairros operários e nas periferias, ainda rurais da cidade de São Paulo.
Ainda menina, Virginia demonstrou talento para o desenho tanto que, aos 14 anos, ganhou o terceiro lugar no concurso de Arte Infantil da Academia de Belas Artes de São Paulo. Aos 22 anos, frequentou o curso de desenho sob orientação de Antonio Rocco e, no ano seguinte, começou a frequentar o Curso Livre com modelo vivo da Escola de Belas Artes de São Paulo onde entrou em contato com com Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Clóvis Graciano, Mário Zanini , Rebolo Gonçalves.
Alguns desses artistas formaram, em seguida, o Grupo Santa Helena. Frequentou as aulas dos ateliês do Edifício Santa Helena, estudou escultura com Bruni Giorgi e colaborou com a execução dos azulejos dos painéis de Portinari, para o Ministério de Educação e Saúde, no Osirarte de Paulo Rossi Osir.
Nas aulas do Curso Livre da Escola de Belas Artes conheceu seu companheiro, o arquiteto João Batista Vilanova Artigas, com quem se casou em 1943.
Em 1944 realizou a primeira exposição individual na Livraria Brasiliense e participou da “Exhibition os Modern Brazilian Paiting” na Royal Academy of Art, em Londres. Integrou a mostra coletiva do X Salão de Artes Plásticas, na Galeria Prestes Maia, em 1946, com o trabalho “Composição” que recebeu a Medalha Mário de Andrade.
Ainda em 1946 , participou da mostra “Seis Novos”, ao lado de Maria Leontina, Lothar Charoux, etc. Nessa época, junto com outros artistas, atuou na criação do Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo e se ligou aos movimentos populares contra a Ditadura do Estado Novo.
Viajou para os EUA acompanhando Vilanova Artigas que havia sido agraciado com um bolsa de estudos da Fundação Guggenheim, entre 1946 e 1947. Durante a estadia americana, estudou escultura, cerâmica e esmalte.
No início de 1949, participou do 1º Salão Baiano de Belas Artes , na ala dos modernos, em Salvador, no qual recebeu uma menção honrosa com o quadro “Meninos” e do XIII Salão de Arte do Sindicato, em São Paulo, onde seu trabalho obteve um importante destaque na coluna de crítica de arte de Sérgio Milliet, no jornal O Estado de São Paulo.
No auge da Guerra Fria, no início dos anos 1950, Virgínia transformou seu trabalho artístico em registro semelhante ao de um repórter/ilustrador dos movimentos de resistência popular, desenhando para os jornais “Terra Livre” ligado ao movimento dos trabalhadores rurais, “Noticias de Hoje” diário do PC e para a revista “Fundamentos” .
Fez cartazes e ilustrações para as greves gerais de 1953, para as campanha contra a carestia, “Panela Vazia” , para panfletos pela paz mundial e contra a proliferação de armas atômicas e desenhou para o movimento de mulheres.
Participou de algumas mostras paralelas e alternativas, muitas delas ligadas à organização sindical, como a exposição individual dos registros da Greve de 1953, realizada na sede do Sindicato dos Têxteis, que integrou movimento das operárias em São Paulo, e na publicação de álbum de gravuras do II Congresso dos Trabalhadores Rurais.
Ilustrou os romances “A mãe” de Máximo Gorki e “O Noventa e Três” de Victor Hugo, para folhetins encartados nesses jornais . Em 1954, participou de Mostra Coletiva de Arte, paralela a Conferência Latino Americana de Mulheres, realizada na sede da ABI, no Rio de Janeiro.
Com a militância e o trabalho de ilustração, a maior parte realizada em campo, sua criação pessoal acabou ficando fora do circuito das galerias e do mercado de arte. De outro lado, a temática social e os retratos passaram a predominar na sua pintura.
No começo dos anos 1960, paralelamente ao trabalho de ilustração e produziu séries de xilogravuras e esculturas em terracota, além de se dedicar à pintura. Nessa época realizou duas exposições individuais na Galeria Azulão, em São Paulo, uma 1969 e outra em 1977.
A perseguição do regime militar à esquerda e aos democratas atingiu sua família, com a prisão e o processo político de Vilanova Artigas, tanto na Universidade de São Paulo, como por sua atuação nos meios intelectuais.
Virgínia voltou a criar nas sombras, cartazes e desenhos para as campanhas de anistia aos presos políticos, contra a tortura e para o movimento feminista. Parte desse trabalho só foi conhecido recentemente nas publicações sobre a história da resistência ao regime militar no Brasil.
Sempre atenta aos acontecimentos de uma época brutal, em um mundo oprimido por ditaduras, revoluções e guerras, o desenho e a gravura foram as linguagens preferidas de Virgínia para a criação de séries temáticas, como a do Viet Cong, inspiradas pela urgência da expressão crítica sobre a realidade do seu tempo.
Ainda que à margem da história oficial da arte, Virginia Artigas teve sua importância maior como amiga e conselheira de pessoas que, hoje, evocam importância da sua presença na formação artística, cultural e política de uma geração. Virginia faleceu em 1990, em São Paulo.
(Com Prestes a Ressurgir)
Comentários