O samba que anima a economia
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Rodas de samba Terreiro de Crioulo lota a Rua do Imperador em Realengo
Espalhadas pela cidade do Rio de Janeiro, rodas de sambistas se multiplicam, atraem público crescente e geram renda e emprego no subúrbio
Chico Alves (*)
Criada há sete anos no bairro de Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, a roda de samba Terreiro de Crioulo tornou-se referência no batuque de raiz. Em volta da mesa fincada no chão de terra da Rua do Imperador já cantaram sambistas de renome como Almir Guineto, Monarco, Nei Lopes, Jongo da Serrinha e Nélson Rufino. Antes que os craques do ritmo se instalassem naquele espaço, quase ninguém, além dos moradores e parentes, tinha motivo para visitar o lugar. Agora, a cada edição mensal, cerca de 800 pessoas passam pela Rua do Imperador. E melhor: gastam ali o seu dinheiro.
Fenômenos assim se multiplicaram nos últimos anos por toda a cidade. Seja o tradicional Buraco do Galo, em Oswaldo Cruz, ou o caçula Samba da Feira, no Engenho de Dentro, passando pelo itinerante Projeto Criolice, cada um desses eventos movimenta a seu modo a economia de regiões suburbanas empobrecidas.
A estimativa da Rede Carioca de Rodas de Samba é que existam, hoje, mais de duas centenas de batucadas desse tipo: eram 160, em 2016. “Com mais organização, as pessoas vão poder realmente viver disso”, acredita Wanderson Luna, coordenador da rede e um dos criadores da Pede Teresa, encontro de sambistas que nasceu no Bairro de Fátima.
O geógrafo João Grand Júnior abordou o assunto em sua tese de doutorado pela UFRJ, “Cultura, criatividade e desenvolvimento territorial no Rio de Janeiro: o caso da Rede Carioca de Rodas de Samba”. Ele identificou uma teia de produção para alguns invisível, mas que emprega muita gente e motiva outras atividades econômicas.
“Além dos músicos, há a contratação do som, dos seguranças, do serviço que fornece a lona, das pessoas que atuam nas barracas…” O geógrafo destaca que, em meio à escassez de empregos formais nas áreas periféricas, as rodas criam oportunidades preciosas de trabalho, fazem o dinheiro circular no próprio subúrbio. “Além disso, formam mão de obra específica para esses eventos, como músicos e produtores culturais”.
Wanderson Luna, da Rede Carioca das Rodas de Samba
Por esses atributos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social escolheu a Rede Carioca de Rodas de Samba para um processo de apoio a startups. No programa BNDES Garagem, que começa nos próximos dias, os integrantes do grupo vão participar de atividades relacionadas à criação de empresa e aceleração de resultados. “A ideia é tentar aproveitar ao máximo o potencial econômico, turístico e cultural desses eventos”, diz Luna.
Um samba como o Terreiro de Crioulo emprega, a cada edição mensal, pelo menos 12 músicos e mais 26 trabalhadores de apoio (produção, segurança, cozinha, bar, limpeza). Há ainda cinco barracas fixas onde são vendidos objetos artesanais ou com a marca da roda de samba, cada uma delas com duas pessoas atendendo.
No início, o objetivo era apenas sacudir o corpo e o coração ao som de um bom samba na Zona Oeste. “As melhores rodas estavam nas regiões Norte e Centro. A gente pensou em trazer esse movimento pra mais perto e atrair o povo de longe para a nossa área, mostrar que aqui também tem samba”, recorda Renata Nerys, uma das criadoras e produtoras do evento.
Deu tão certo que todos os meses o quintal fica cheio. Na gravação do segundo DVD do Terreiro de Crioulo, o público chegou a 3 mil pessoas. Foram vendidas mais de 6 mil cópias. Para fechar a cadeia econômica, o Terreiro é ‘exportado’ para Salvador e São Paulo, onde os músicos tocam periodicamente.
A apresentação das rodas suburbanas em outros estados, aliás, tem sido cada vez mais frequente. O produtor Silvio Luiz, outro dos criadores do Terreiro de Crioulo, hoje está à frente do Samba da Cabeça Branca, de Padre Miguel, que tem uma versão periódica em São Paulo, no bairro de Itaquera. Ele dá a ideia de quanto se gasta na empreitada: “O custo de organizar uma roda no Rio vai de R$ 8 mil a R$ 15 mil, se tiver atração chega a R$ 21 mil. Em São Paulo, passa de R$ 25 mil”.
Silvio é mais um que louva os benefícios desses encontros de samba para a economia do subúrbio. “Além do faturamento da roda, o movimento fortalece o comércio do bairro”, destaca. A pesquisa de João Grand Júnior, feita em 2016, confirma essa marca.
De acordo com o estudo, 66% do público que vai às batucadas consome acima de R$ 50 e 31% gasta mais de R$ 75. Outro dado interessante é que 88% dos frequentadores manifestam interesse em comprar produtos personalizados desses eventos, principalmente camisas, CDs ou DVDs. Uma nova pesquisa será feita para atualizar os dados.
As estatísticas e os levantamentos de ganhos em dinheiro estarão, porém, subordinados a valores que não se medem em reais. “Queremos aperfeiçoar a teia de economia criativa, mas com o cuidado de não mudar a essência, já que todos reconhecem a importância das rodas para a nossa cultura”, destaca Wanderson Luna.
Se o aproveitamento econômico desses eventos ainda pode aumentar, basta ouvir o som dos tamborins, repiques e surdos para constatar que os músicos, cantores e poetas fazem samba do mais alto nível. Nesse item, cabe a expressão bem-humorada, muito comum entre os sambistas: se melhorar, estraga.
(*) Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.
(Com #Colabora)
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