O beijo, segundo Cortazár (Que ofereço à minha querida Fátima de Oliveira, companheira de todas as horas. José Carlos Alexandre)
"Para celebrar o Dia dos Namorados, um dos beijos mais famosos da história da literatura, o que Maga e Oliveira trocam no capítulo 7 de O jogo da amarelinha.
“Toco sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se saísse da minha mão, como se pela primeira vez sua boca se entreabrisse, e para mim basta fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar, a cada vez faço nascer a boca que desejo, a boca que minha mão escolhe e desenha no seu rosto, uma boca escolhida entre todas, com soberana liberdade escolhida por mim para ser desenhada com minha mão no seu rosto, e que por um acaso que não tento compreender coincide exatamente com sua boca, que sorri por baixo da que minha mão desenha em você.
Você me olha, de perto você me olha, cada vez mais de perto e então brincamos de ciclope, nos olhamos cada vez de mais perto e os olhos crescem, se aproximam um do outro, se superpõem e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas se encontram e lutam calidamente, mordendo‑se com os lábios, apoiando levemente a língua nos dentes, brincando em seus recintos, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um silêncio.
Então minhas mãos procuram afundar‑se em seus cabelos, acariciar lentamente a profundidade de seus cabelos enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E há uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e sinto você tremer contra mim como uma lua na água.”
Tradução de Eric Nepomuceno
(Com a Companhia das Letras)
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