Putin compara os riscos climáticos aos nucleares


                                                            
Num encontro com jornalistas à margem do recente Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, Vladimir Putin alertou para as ameaças – as já existentes e as que tendem a agravá-las - de uma confrontação nuclear global. Alertou para o contraste entre a projecção mediática atribuída às alterações climáticas e o quase absoluto silêncio sobre evoluções recentes, nomeadamente a conduta dos EUA que abre caminho a uma corrida armamentista sem quaisquer mecanismos de controlo possíveis.

Sergei Mikhailov: Temos sempre iniciado as nossas últimas reuniões concordando que o planeta atravessa um período de confronto extremamente perigoso: países em chamas, regiões inteiras em chamas, sanções e guerras comerciais, falsas informações – é esse o conteúdo de quase todos os fluxos de notícias de agências noticiosas globais. Falam de uma nova guerra fria. Cada país tem a certeza de quem é responsável por isso.
Porque devemos começar a nossa conversa em 2019 com a mesma pergunta: porque não se torna mais seguro o mundo? Para onde vai a nossa civilização? Vê luz ao fundo do túnel? Que podem fazer a esse respeito os países que são os principais actores do processo político? Esta é uma pergunta de carácter geral, senhor Presidente.

Vladimir Putin: Se olharmos para as pinturas murais e os frescos em nosso redor, vemos que a guerra está em toda a parte. Infelizmente, tem sido este o caso desde há séculos. A história humana é cheia de histórias de conflito. É verdade que todos os conflitos eram seguidos por períodos de paz. Mas seria melhor evitar completamente os conflitos.

Depois da invenção e a criação de armas nucleares, a humanidade manteve um estado de paz mundial relativo durante quase 75 anos - relativo, evidentemente, com excepção dos conflitos regionais.
Lembremo-nos de Winston Churchill, que de início detestava a União Soviética, qualificou depois Stalin como grande revolucionário quando eles tiveram de combater o nazismo, e depois, quando os norte-americanos desenvolveram armas nucleares, praticamente apelou à destruição da União Soviética. Recordam-se do seu discurso de Fulton que desencadeou a Guerra Fria?

Mas assim que a União Soviética se dotou com armas nucleares, Churchill iniciou o conceito de coexistência dos dois sistemas. Não penso que ele fosse realmente um oportunista, mas tomava em conta a realidade. Aceitava a realidade. Era alguém inteligente e um homem político pragmático.

Pouco mudou desde então. Devemos ter em mente e entender efectivamente em que tipo de mundo vivemos e quais as ameaças e perigos que podem ameaçar-nos. Se não mantemos sob controlo esta “serpente ardente” (referência mitológica eslava), se deixarmos o génio do mal da lâmpada, Deus nos livre, isso poderia levar a uma catástrofe global.

Hoje, toda a gente fala das questões ambientais, e estão certos em fazê-lo, porque existem ameaças globais tais como a alteração climática, as emissões antropogénicas e assim por diante. Tudo isso é correcto. Mesmo as crianças, meninas e meninos em todo o mundo estão envolvidos contra esse perigo.

Mas não se dão conta, esses jovens, especialmente os adolescentes e as crianças, não estão conscientes da ameaça global e do sério desafio que representa a possibilidade de conflitos globais. Isso é algo sobre que os homens e mulheres adultos deveriam pensar mais.

No entanto, tenho a impressão de que essas questões se tornaram banais e foram deslocadas para segundo plano. Isso suscita legítimas preocupações.
Os nossos parceiros americanos retiraram-se do Tratado ABM (regulando os mísseis balísticos). Então, Senhoras e Senhores, gostaria de vos perguntar: algum de vós saiu à rua com cartazes para protestar contra este grave perigo?

Ninguém. Silêncio absoluto. Como se fosse algo de normal. Aliás, era o primeiro passo para uma desestabilização fundamental do quadro da segurança mundial e um passo muito importante nessa direção.
Hoje, ainda enfrentamos a supressão unilateral por parte dos nossos parceiros norte-americanos da sua adesão ao Tratado INF (Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio).

No primeiro caso, eles ao menos agiram honestamente e retiraram-se unilateralmente do tratado. No entanto, no segundo caso, aparentemente com total consciência do facto de que assumirão a responsabilidade, tentam fazê-la recair sobre a Rússia.

Ouçam-me: vós e os vossos leitores, o vosso público, deveriam abrir o Tratado INF e lê-lo. Os seus artigos estipulam claramente que os lançadores de mísseis de curto e médio alcance não podem ser instalados em terra. O tratado di-lo claramente. No entanto, eles foram em frente e implantaram-nos na Roménia e na Polónia, o que constitui uma violação directa.
Verifiquem quais são os parâmetros dos mísseis de curto e médio alcance, e depois comparem-nos com os dos drones. É a mesma coisa. Depois olhem para as especificações dos alvos para os antimísseis. São mísseis de curto e médio alcance.

Toda gente finge ser surda, cega ou disléxica. Devemos reagir a isso de uma forma outra, não é? Devemos claramente reagir. Começam imediatamente a procurar os culpados na Rússia. Claro, a ameaça é séria.
A renovação do tratado START-3 está na nossa agenda. No entanto, podemos optar por não o fazer. Os nossos sistemas mais recentes garantem a segurança da Rússia por um período futuro bastante longo. Porque fizemos avanços científicos espectaculares. E, devo dizê-lo francamente, ultrapassámos os nossos concorrentes em termos de criação de sistemas de armas hipersónicas. Se ninguém deseja renovar o tratado START-3, nós não o renovaremos. Dissemos já centenas de vezes que estamos prontos para o fazer, mas ninguém quer falar connosco sobre isso.

Façam o favor de registar que não existe um processo formal de negociação e que tudo expirará em 2021. Tenham bem consciência do que isto significa: deixará de haver instrumentos para limitar a corrida aos armamentos.

Nem mesmo, por exemplo, para instalar armas no espaço. Compreenderemos nós o que isso significa? Coloquem a questão aos especialistas. Isso significa que cada um de nós terá que viver todo o tempo, por exemplo, com uma arma nuclear em cima. Permanentemente! Mas as coisas seguem esse curso, e muito rapidamente. Será que alguém vai reflectir sobre isso, falar sobre isso ou mostrar alguma preocupação? Não, é o silêncio completo.

Podemos também considerar as armas nucleares tácticas, também ditas armas não estratégicas. E se um míssil estratégico de alcance global fosse lançado de um submarino situado a meio do oceano? Como saberemos se transporta uma carga nuclear ou não? Compreendem a que ponto isto é grave e perigoso?

E se o outro lado responder de imediato? Que vai acontecer? Estou profundamente convencido de que isto deveria ser objecto de um debate profissional aberto e absolutamente transparente, e que a comunidade internacional deveria estar envolvida neste processo tanto quanto é possível em casos deste tipo. Em qualquer caso, as pessoas têm o direito de saber o que se passa nesta área.
Para me repetir, nós estamos prontos para isso. Ainda uma vez, estamos confiantes na nossa segurança, mas o desmantelamento completo do conjunto do mecanismo de controlo das armas estratégicas e de não-proliferação suscita naturalmente preocupações.

Qual é a solução? É a cooperação, ponto final. A conversa mais recente que tive com o Presidente Trump, devo dizer, inspira um certo optimismo, porque Donald me disse que também ele estava preocupado com esta situação. Tem plena consciência do montante das despesas em armamento assumidas pelos Estados Unidos e outros países. Esse dinheiro poderia ser usado para outros fins. Concordo totalmente com ele.
O Secretário de Estado dos EUA veio aqui. Encontrámo-nos em Sochi e ele exprimiu-se no mesmo sentido. Se eles pensam realmente aquilo que dizem, deveríamos tomar medidas concretas para fazer um esforço comum.
Mais uma vez, hoje, as conversações entre os países dotados do potencial nuclear mais poderoso são o mais importante. No entanto, e numa nota pessoal, penso que todos os países dotados de armas nucleares deveriam estar envolvidos, sejam oficialmente reconhecidos como tal ou não.

Falar apenas com as potências nucleares oficialmente reconhecidas e deixar de lado os países não oficiais significa que eles continuarão a desenvolver armas nucleares. Em última análise, esse processo interromperá as discussões entre os estados nucleares oficiais. Devemos, portanto, criar uma vasta plataforma para discussão e tomada de decisões.
Nesse sentido, é claro, tal poderia ser a luz ao fundo do túnel.

Sergei Mikhailov: Obrigado, senhor Presidente.

Fontes: http://en.kremlin.ru/events/president/news/60675T; vídeo https://www.youtube.com/watch?v=LCeES8AGeD4

https://www.legrandsoir.info/poutine-compare-les-risques-climatique-et-nucleaire.html

(Com odiario.info)

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