Os navios “aguadeiros”
Carlos Lúcio Gontijo
Enquanto milhares de quilômetros quadrados de florestas e matas são devorados na Amazônia, nos cerrados e na Mata Atlântica, trazemos na memória operações descabidas da Polícia Florestal, como aquela em que ocorreu, em julho de 2000, a prisão de um agricultor analfabeto e desinformado em Brasília que raspava, completamente desavisado, o tronco de uma árvore em reserva florestal, a fim de aliviar os males de que padecia sua mulher.
A Justiça houve por bem afrouxar a prisão do infeliz agricultor, que segundo as leis brasileiras cometera crime inafiançável e com punição imediata, sentenciando que o suposto agressor da natureza fosse “liberado” e se comprometesse a plantar cem mudas de árvores no decorrer dos dois anos seguintes, veredicto que lograsse ser repetido, com o mesmo esmero e velocidade, contra as madeireiras e mineradoras se transformaria em mecanismo capaz de promover o reflorestamento de grande parte das áreas devastadas Brasil afora.
Entretanto, as madeireiras e as mineradoras (estas, além da depredação ambiental, cometem a ousadia e o milagre de mover mais montanhas que a fé, como é exemplo a Serra do Curral, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais) seguem tranquilamente suas ações depredatórias sem a devida punição nem o retorno econômico-financeiro proporcional ao nível de destruição que provocam, uma vez que seu regime extrativista beneficia uma meia dúzia de pessoas em prejuízo de toda a comunidade.
Não existem, certamente, setores que sejam exemplos mais perfeitos do que os de madeira e mineração em matéria de demonstração de como individualizar lucros e socializar prejuízos – à exceção, é claro, da área financeira, onde banqueiros nunca quebram e poucos ganham quando as bolsas sobem; porém, quando algo não vai bem, todos os danos são divididos até com gente sem conta em banco ou que jamais aplicou (ou jogou) no setor bursátil.
As questões relativas ao meio ambiente e indígena no Brasil são povoadas de teorias ingênuas e descabidas, como é o caso daqueles que veem a Amazônia como um jardim botânico para os mais bem-aquinhoados fazer turismo ecológico ou confortável safári; ao passo que visualizam os índios como uma espécie de seres de segunda categoria, que devem ser mantidos distantes da civilização, sem escola, sem antibióticos, sem computadores, sem televisão, sem eletrodomésticos, sem meios de transporte, como se não passassem de simples animais a ser preservados por agentes e missionários, que os têm em conta de matéria-prima de seu trabalho filantrópico, através do qual se realizam financeiramente ou se tornam credores de um lugar no “Paraíso”. Em suma, o que há em torno das florestas, da extração mineral e das nações indígenas são interesses inconfessáveis e uma desmedida exploração.
O chamado Primeiro Mundo já anda conspirando e de olho na enorme quantidade de água doce existente na Amazônia, onde estão 80% das reservas do Brasil, habitada por tão-somente 5% da população nacional – índice que os países que dão as cartas no mundo querem manter ou até mesmo diminuir, garantindo-lhes desde já o acesso e a ocupação fáceis, pois se prevê que, em 50 anos, a água terá para a humanidade valor bem superior ao do petróleo e, dada a sua escassez, imaginam-se frotas de navios “aguadeiros” transportando água potável mares adentro, quando tentarão impor-nos a internacionalização, afirmando-nos enfática e belicosamente que não temos direito a tanta água nem tanta floresta, perante um planeta Terra superaquecido e gemendo por oxigênio e água de beber.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
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