Aborto, STF e Estado laico
Alberto Dines
Para que os fatos cheguem à sociedade não basta apenas a cobertura da mídia, importante é que esta cobertura produza uma percepção correta do acontecido. Significa que, além do destaque e volume de notícias, o leitor precisa ser abastecido com avaliações a fim de que possa montar os seus juízos e tomar as suas decisões.
O resultado da votação do STF que deu às gestantes o direito de abortar em caso de anencefalia do feto foi amplamente noticiado na semana passada. Os jornalões comemoraram a “decisão histórica” de oito votos contra dois, autêntica goleada. Mas não se preocuparam em explicar por que era histórica.
Ora, em 1988 os constituintes já haviam admitido o aborto em caso de estupro e quando a gestante corre risco de vida. O caso da anencefalia segue a mesma lógica e o mesmo princípio de interrupção da gravidez não desejada. A votação ganhou dimensão histórica por tratar-se de decisão judicial irrevogável e, sobretudo, porque é um avanço na direção do Estado laico e secular.
A conotação laicista da decisão no noticiário ficou subentendida, subalterna, escondida. O Brasil é o quarto país do mundo em número de fetos anencéfalos, o STF como instituição republicana não poderia ficar alheio à estatística nem desconsiderar os interesses das gestantes e das mulheres para atender as pressões de grupos religiosos.
No farto noticiário dos dias seguintes, o voto do ministro Marco Aurélio Melo, marcadamente laicista e secular, praticamente desapareceu. Desapareceu apesar de ter sido o único que concentrou a argumentação em defesa do laicismo do Estado brasileiro.
Curiosamente, o encerramento do Jornal Nacional de 12 de abril e o do Jornal das 10 da GloboNews valorizaram o voto de Cezar Peluso, que, além de minoritário, foi proferido por um ministro que na semana seguinte deixaria a presidência da Suprema Corte.
O Estado de direito é imperiosamente laico e a imprensa, se pretende apresentar-se como democrática, deve ser o sustentáculo deste laicismo. (Observatório da Imprensa)
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