A Mudança de Regime na Síria: Uma História Verdadeira
Sempre é bom lembrar que não se trata de defender Assad ou assado mas
de salientar o avanço das forças reacionárias sobre uma nação soberana (observação minha, José Carlos Alexandre)
As pessoas que acedem aos média ocidentais são diariamente alimentadas com a narrativa com que a Síria está envolvida numa revolta democrática que representa uma extensão da Primavera Árabe. A situação real é outra, em absoluto.
O povo sírio que exige reformas democráticas não representa uma maioria esmagadora, como aconteceu na Tunísia ou no Egipto. Além disso, nem todos os “combatentes democráticos” que compõem o Exercito Livre da Síria (ELS) são cidadãos sírios.
EUA e al-Qaeda têm agora o mesmo objetivo
Houve recentemente várias notícias de acordo com as quais as forças de oposição sírias são um cadinho de ideologias diversas, de separatistas curdos a membros da al-Qaeda. Isto apenas serve para enfraquecer o retrato, nos média ocidentais, de uma oposição forte e coerente. Sabe-se que há combatentes da al-Qaeda entre as forças de oposição na Síria, bem como mercenários líbios que acabaram de tomar parte na “Revolução Líbia”, outro bom exemplo de mudança de regime chamada de “Primavera Árabe” pelos média ocidentais.
No princípio da revolta, o próprio líder da al-Qaeda, Ayman Al-Zawahiri, incitou os combatentes da al-Qaeda e mercenários sunitas a juntarem-se às forças de oposição sírias. Portanto, os EUA, a al-Qaeda, os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e a NATO estão todos no mesmo lado do conflito, tentando forçar uma mudança de regime na Síria, sem pensarem no que acontecerá depois de Bashar al-Assad.
O jogo da Turquia
O Conselho Nacional da Turquia (CNT) e o ELS nem sempre estão do mesmo lado. Para além de pôr fim ao estado policial, terão ainda que conceber um plano conjunto e coerente para a Síria pós-revolucionária. Uma das principais semelhanças entre o FSA e o ELS é que ambos são fortemente apoiados pela Turquia, que procura desempenhar um papel mais importante na região.
Abdulbaset Sieda, o presidente curdo sírio do CNT, foi acusado, por outros grupos curdos, de apenas representar a agenda da Turquia, inimigo de longa data do povo curdo na região. A província meridional turca de Hatay alberga o quartel-general e campo de treino do ELS foi aí instalado por forças especiais do Qatar. Através da Turquia, o ELS recebe também armas usadas na Líbia e equipamento de comunicação avançado da NATO.
A Turquia tem procurado, desde há algum tempo, desempenhar um papel mais substancial no Médio Oriente e, com uma “revolução democrática” em curso a leste das suas fronteiras, provavelmente procurarão ajudá-la, esperando estabelecer fortes laços com o próximo governo ou ditador sírio, seja este qual for. O melhor meio que a Turquia tem para fortalecer laços com o futuro governo é apoiar agora a sua causa e desempenhar um papel importante no derrube de Assad.
A 22 de Junho, o exército sírio abateu um caça turco F-4 que a Síria diz ter violado o seu espaço aéreo. Para além de uma presença militar turca reforçada na sua fronteira com a Síria, não haverá mudanças de maior em resultado do acidente, uma vez que a Turquia estava em falta ao violar o espaço aéreo de um país soberano.
Contudo, ao abater o Phantom turco, o exército sírio mostrou que as suas capacidades de defesa contra ataques aéreos ainda são fiáveis, o que torna uma zona de exclusão aérea, como aconteceu na Líbia, muito mais difícil de impor. Alguns pensam que o “acidente” foi uma tentativa de ataque de falsa bandeira, mas mais parece que os turcos foram apanhados a espiar a defesa militar síria na fronteira, em preparação para qualquer outra coisa.
Os média ocidentais
O retrato, por parte dos média ocidentais, do que está a acontecer na Síria, é o melhor indicador da mudança de regime. Os espectadores vêem sempre apenas um dos lados desta história, de modo a favorecer a agenda desta bizarra coligação entre a NATO (os EUA e a Turquia), a al-Qaeda e os países do CCG, que consiste, obviamente, na mudança de regime.
É fácil perceber que a Síria não está a viver a sua Primavera Árabe, mas antes uma guerra civil, apenas observando o modo como os média têm seguido os desenvolvimentos do conflito. Há poucas reportagens sobre o povo sírio ou sobre as suas legítimas exigências, e as imagens usadas mostram também bombas e assassinatos, de que é acusado o regime de Assad, sem provas.
O mais recente massacre que teve lugar em Houla constitui um dos melhores exemplos de manipulação mediática; sem quaisquer provas, logo que vieram a lume notícias do massacre, ele foi imediatamente atribuído às forças governamentais. A BBC foi ao ponto de divulgar uma fotografia falsa de centenas de cadáveres envoltos em lençóis brancos, que era na verdade uma fotografia tirada no Iraque por Marco di Lauro em 2003.
A BBC declarou, convenientemente, em caracteres pequenos sob a imagem: “Esta imagem, cuja autenticidade não pode ser independentemente verificada, mostra o que se acredita serem os cadáveres de crianças em Houla aguardando sepultura.” Divulgaram a história por todo o mundo como um meio de mostrar a impiedade do regime sírio e levar o público a aceitar uma intervenção humanitária / militar na Síria.
Pouco depois de se saber que a imagem havia sido erradamente atribuída, a notícia de que os verdadeiros autores do massacre eram de facto membros do ELS disfarçados de shabiha (ladrões), e que os que foram assassinados eram sírios que apoiavam o Governo, não recebeu a mesma cobertura que a notícia original.
Onde estão as imagens dos protestos pacíficos? Não há, porque esta não é uma revolta democrática, como afirmam os média ocidentais, trata-se, plenamente, de uma guerra civil em que os rebeldes não representam a maioria da população e não estão todos unidos por uma única razão pela qual queiram acabar com o regime de Assad.
Mais uma prova disto são os confrontos entre facções que surgiram no Norte do Líbano. Mas as provas da guerra civil são normalmente retiradas dos média, porque não ajudam à causa da mudança de regime. O público tem que ser convencido, antes de mais, que esta seria pelas “razões certas”.
Se o regime de Assad cair, esta será uma má notícia para o Irão e para o Hezbollah. O Irão estará então completamente cercado por “bases” dos EUA em países anfitriões que darão terreno para acções militares contra o regime do Líder Supremo, o que é há muito pretendido pelos neo-conservadores.
Contudo, se se verificar uma acção militar do Ocidente para “libertar” o povo sírio, tal como aconteceu na Líbia, o que se seguirá é uma guerra civil ainda mais sangrenta e esquecida pelos média.
*François-Alexandre Roy estuda actualmente Relações Internacionais e Árabe na Laval University no Quebec, Canadá.
Traduzido por André Rodrigues P. Silva
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