Já nos acostumamos com a homofobia

                                              
Ricardo Rocha Aguieiras (*)


Já nos acostumamos com a homofobia. O que, no ser humano pode até representar um processo de se poupar de tanto sofrimento, o "acostumar-se" com o terror é, na verdade uma faca de dois gumes, paradoxalmente deixamos de reagir ou lutar quando a violência passa a fazer parte da nossa rotina, tanto nas ruas quanto nos noticiários.

Quando Édson Néris foi assassinado por uma gangue de 22 neonazistas – hoje, todos estão soltos, alguns com perfis, até, no Facebook – em seis de fevereiro de 2000, houve, sim, uma forte comoção. Lembro-me que foi assunto de capa da Revista Época, no dia seguinte toda a mídia falava desse que é o crime homofóbico mais emblemático aqui no Brasil. Tivemos uma estupenda declaração do juiz Luís Fernando Camargo de Barros Vida, onde ele defendia o direito de homossexuais demonstrarem o seu afeto e andarem de mãos dadas. Uma semana depois teve uma manifestação na Praça da República – SP, onde ele foi morto e lembro-me que o grande militante e escritor João Silvério Trevisan foi para a Avenida Vieira de Carvalho, reduto de gays, arrancá-los à unha de seus bares, conclamando-os ao ato.

Os anos passam, tudo parece cair numa manta de esquecimento, aqui. E não nos assustamos mais com nenhuma notícia, talvez só quando atingem alguém muito próximo, amigo, parente ou namorado. Facebooks se enchem de fotos de LGBT's trucidados, decapitados, sem olhos e sem cabeça e, logo depois colocam a foto de uma flor, um pôr-do-sol, um gato ou cachorrinho.

No outro dia, lá está mais uma notícia de agressão e crimes homofóbicos. Ou duas ou três...
Sou de um tempo em que a gente se chocava com a visão de alguém caído na calçada. Ou catando comida no lixo, para sobreviver.  Hoje, isso é carne de vaca, nem enxergamos mais.

Com a homofobia está acontecendo a mesma coisa. Depois de Édson Néris vários assassinatos ocorreram, um mais dantesco que o outro. Alexandre Ivo, tão menino ainda, o que ele pode viver?  Estamos amortecidos, anestesiados? Convenientemente anestesiados?

Isso é o que mais temo: invisíveis dentro da violência homofóbica. Como defesa, não vemos. Chega de dor, mas a real defesa deveria vir pelas Leis. E pela empatia da sociedade. Alguns ainda perguntam o "até quando?", expressão que virou banal, o sangue dos outros não nos incomoda mais...

E então, quando eu comparo – respeitando as proporções e a época – com o que ocorria com os Judeus na ascensão do nazismo, onde a estima deles era totalmente minada para que fossem, mansos e invisíveis para a morte, estou exagerando? Penso que, se não nos chocamos mais é por que aquilo não está mais nos afetando, não nos comove, achamos "natural", cadê a nossa estima, o nosso tão propalado "orgulho"?

De tudo, isso é o que eu mais tenho medo. Que um dia eu também ache natural eu ser morto. Mas ainda tenho esperanças de revolta. A pior forma de lidarmos com a dor é não mais enxerga-la como dor.

(*) Ricardo Rocha Aguieiras é pioneiro na luta pelos direitos humanos no segmento LGBT

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