Ativistas da Cúpula dos Povos defendem legislação migratória comum na América Latina
Legislação regional envolvendo aspectos trabalhistas é outro tema abordado por palestrantes
Os países da América Latina e do Caribe devem apostar em uma política migratória comum, mas sem copiarem os modelos europeus sob o risco de estimular a xenofobia. Essa é a opinião de ativistas que participaram da quarta edição da Cúpula dos Povos, em Santiago, no Chile, organizada entre os dias 25 e 27 de janeiro, em paralelo à reunião de cúpula da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos).
Um dos expositores, o sociólogo francês Fabien Cohen, acha que a América Latina vive um momento decisivo, onde terá que enfrentar o crescimento dos fluxos imigratórios e os conflitos que isso gera, por isso precisa criar medidas para lidar com o problema.
"Se as Américas copiarem as políticas migratórias europeias vão fracassar, e estimular a xenofobia. A esperança é que os governos daqui sejam ousados e pensem em soluções conjuntas, até porque o intenso fluxo migratório daqui é quase todo entre países do continente", analisou Cohen. O acadêmico propôs durante o encontro a formulação de um manifesto em favor de uma legislação migratória conjunta no continente, assinado pelas organizações de trabalhadores presentes na Cúpula dos Povos e dirigido aos chefes de Estado presentes na cúpula. O documento foi entregue nesta segunda-feira (28/01).
Victor Farinelli/Opera Mundi
O sociólogo francês Fabien Cohen, que participa da Cúpula dos Povos, no Chile
Em outra palestra, Cohen chegou a propor que modelos socioeconômicos sul-americanos como os de Brasil, Venezuela e Equador sejam inspirados para combater os problemas atuais da Europa.
Para Etiel Moraga, advogado especialista em casos de direitos imigratórios e assessor jurídico da CUT do Chile (Central Única dos Trabalhadores), o risco da falta de uma política migratória conjunta é deteriorar o conceito de integração defendido pelos discursos oficiais. "As pessoas ouvem seu presidente falando sobre integração e se entusiasmam com a ideia de 'continente sem fronteiras'. Mas quando chegam a outro país não conseguem trabalho ou somente atividades precárias. Uma hora vão perceber que essa integração é demagógica, ou só para as empresas, não para elas", comentou.
Segundo Moraga, nos últimos vinte anos são raros os tratados entre países da região que abordam temas trabalhistas. "Estamos na época dos tratados puramente comerciais, que não falam sobre leis trabalhistas. Não pretendem integrar leis ou criar uma legislação multilateral, para garantir direitos a todos os trabalhadores incluindo os imigrantes", analisou o advogado, que destacou que o máximo que existe nos tratados de livre comércio são cláusulas dizendo que “qualquer caso de conflito laboral ocorrido em virtude do promovido pelo tratado será resolvido através do estabelecido pela lei do país onde o caso ocorreu".
Trajetória pessoal
Durante o encontro foram apresentados vários outros relatos de imigrantes que vivem no Chile. Uma das intervenções mais emocionantes e aplaudidas do evento foi do frentista haitiano Adneau Desinord, presidente da OSHEC (Organização Sociocultural dos Haitianos do Bairro Estación Central), órgão representante da comunidade imigrante de seu país.
"A integração comercial latino-americana e caribenha é importante, mas se queremos falar em integração de verdade, precisamos pensar também em uma política imigratória conjunta para os nossos países", disse Desinord.
Em sua exposição, o haitiano citou exemplos de maus tratos no trabalho sofridos pela coletividade haitiana, e também de amigos de outros países, como peruanos e equatorianos. "O que se defende como direitos humanos para o imigrante muitas vezes é o direito de estar em um país. Porém, devemos defender também o direito a ter um trabalho decente com os mesmos direitos de qualquer trabalhador nativo, caso contrário essa permanência no país fica sujeita às piores condições".
Desinord chegou ao Chile em outubro de 2009. Três meses depois, sofreu de longe com a dor dos parentes e amigos que enfrentaram o terremoto de janeiro de 2010.
No entanto, foi a tragédia haitiana que lhe propiciou um golpe de sorte. Seu visto de turista havia expirado há poucas semanas, e ele não possuía um contrato de trabalho para conseguir um novo. Foi quando a então presidente do Chile, Michelle Bachelet, anistiou todos os haitianos que residiam ilegalmente no país, como medida paralela aos vistos de permanência concedidos aos refugiados daquele país que chegaram após o terremoto. "Nas Américas, qualquer uma delas, toda boa notícia para um imigrante dentro das Américas traz euforia, porque não são normais. É difícil receber uma dessas depois de saber que pessoas que você ama morreram, e depois que todo o seu país foi destruído", disse.
Outra exposição que mobilizou os presentes foi a exibição do vídeo do entregador equatoriano Freddy Quiñones. Em março de 2011, ele foi algemado num poste por policiais militares após por desrespeitar um sinal vermelho de bicicleta, quando levava uma entrega.(Com Opera Mundi)
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