“Jornalista que encosta no poder vira puxa-saco”, diz Zé Hamilton Ribeiro
Alf Ribeiro
Luiz Gustavo Pacete
Em um bate papo emocionante e informal, o jornalista José Hamilton Ribeiro falou sobre sua carreira e o que ainda o motiva a continuar sendo um dos principais repórteres do Brasil. Homenageado por IMPRENSA - em ocasião do aniversário de 25 anos da publicação - Ribeiro foi entrevistado por sua colega de emissora, a jornalista Neide Duarte, da TV Globo. A conversa também deu início ao mídia.JOR, evento que acontece até quinta-feira, (13/9), no Sesc Santana, em São Paulo.
Com jeito humilde e histórias engraçadas, acumuladas em mais de meio século de jornalismo, Ribeiro admitiu que em seu lugar poderiam estar muitos outros jornalistas que merecem ser homenageados. Agradeceu o reconhecimento e destacou que ainda continua em busca de sua melhor reportagem.
Ribeiro falou sobre as características de um bom repórter, os desafios da grande reportagem e relatou momentos dramáticos vividos por ele na Guerra do Vietnã, quando perdeu parte da perna ao pisar em um mina no campo de batalha. Segundo Sinval de Itacarambi Leão, editor responsável de Imprensa, a escolha de José Hamilton para ser homenageado no aniversário da revista se dá pelo fato de ele personificar a alma do repórter brasileiro.
Acompanhe a íntegra do bate-papo que aconteceu na noite desta terça-feira (11).
Neide Duarte - Até que ponto sua história pessoal se mistura com a história do repórter?
José Hamilton Ribeiro - Eu tive algumas sortes na minha vida. Uma delas foi a minha família ter me bancado. Não é fácil bancar um repórter maluco. Filha pequena, problema de escola, nunca estava em casa. E minha família sempre bancou isso. Outra sorte muito grande que eu tive foi de trabalhar em redações fortes. Trabalhei na Folha de S.Paulo, fui para a Abril quando ela estava se transformando em uma grande editora, depois fui para a TV Globo que tem essa coisa de fazer jornalismo com prestígio e competitividade. Três casas em que sempre trabalhei com pessoas competentes. Eduardo Coutinho, Washington Novaes...veja que professores eles eram. Ultimamente no “Globo Rural” conto com uma estrutura muito forte. Então, com essas sortes misturar a vida pessoal com a profissional acaba sendo mais fácil. Mas no caso da minha mulher, ela era muito forte psicologicamente e segurava as pontas para eu seguir minha carreira maluca.
Qual a diferença de ter sido repórter nos anos 60 e ser repórter hoje?
Nos primeiros 25 anos da minha carreira eu fui da imprensa escrita. Os outros 25 anos foram na TV. A diferença que eu vejo entre essas duas é a técnica. Do ponto de vista de conteúdo não há diferença. Um bom repórter de impresso pode fazer televisão tranquilamente e vice-versa. A diferença é que o jornalista de mídia imprensa é reconhecido. Já o de TV é conhecido. Se você colocar na Avenida Paulista grandes repórteres da imprensa escrita ninguém vai conhecer. Agora coloque cinco jornalistas de TV que você para o trânsito.
Qual a principal qualidade para ser um bom repórter?
Eu fiz um trabalho quando estava no Sindicato dos Jornalistas sobre a profissão entre 1937 e 1997. Entre várias coisas, notei o avanço da mulher no jornalismo. Isso aconteceu por causa da escola de comunicação. Antes das escolas, a mulher não frequentava redações. Não era ambiente para elas. E nesse estudo eu percebi que o avanço da mulher vinha numa curva crescente, de tal maneira que se ela não se alterasse, em 2030 não teriam mais homens na redação. Mas porque essa ascensão da mulher? Porque a coisa fundamental da reportagem é a curiosidade, e a curiosidade é a mãe da fofoca... Antes que você reclame, eu digo também que a curiosidade é a mãe da ciência. Então, essa curiosidade da mulher faz com que ela leve vantagem quando vai para o jornalismo nas mesmas condições que o homem.
Basta curiosidade para se fazer uma boa reportagem?
Não basta. Curiosidade é só o gatilho. Para fazer uma boa reportagem você depende da figura humana, do personagem. A notícia é o homem. Não tem notícia mais espetacular do que o ser humano, pode ser computador, tecnologia, o que for, nada supera o homem. A reportagem com um bom personagem cresce por si só.
Jornalistas homens e mulheres são tratados com igualdade nas redações?
Vi uma vez que um antropólogo ou sociólogo, não me lembro, disse que existiam três profissões eminentemente femininas, a primeira era a profissão de médico, a segunda de sacerdote e a terceira de jornalista. Não sei de onde ele tirou isso, mas no Brasil a mulher continua avançando. Eu acredito que esse avanço será freado se não houver o restabelecimento do diploma para o jornalismo. Sem o diploma, o sistema de seleção vai ser outro. Enquanto tiver um esquema de seleção através de um curso universitário, as mulheres vão chegar mais preparadas e levarão vantagem.
Por qual motivo você escolheu ser repórter?
Gosto de ser repórter porque tenho um pouco de espírito de aventura. Sair sem segurança de nada. E talvez porque eu não tenha o temperamento ou a capacidade para manejar situações dentro das redações.
Como ser chefe, por exemplo?
Em função de circunstâncias eu fui diretor de redação de jornal e também editor-chefe na Realidade. Mas foram coisas passageiras, um momento da empresa que precisou de mim fazendo isso.
O que você lembra do acidente no Vietnã?
Parece que meu caso foi uma mina. Estavam eu e mais um soldado que me acompanhava e ele me disse para que fossemos ajudar outro soldado ferido. Quando caminhávamos em direção a ele, teve uma explosão como se tivesse acabado o mundo. Aquela fumaça preta. Na hora não senti nada, fiquei aguardando aquela fumaça se esgarçar e pensando que meu colega tinha se ferido, mas na verdade o negócio foi comigo.
O que você sentiu?
Eu tinha três medos. O primeiro era de morrer, mas logo ele passou quando os médicos conseguiram controlar minha situação. O segundo e mais terrível era o medo de ficar sem a possibilidade de ganhar a vida com meu trabalho e me transformar em uma pessoa dependente, sofri alguns dias com isso, mas assim que pude, peguei uma cadeira de rodas e comecei a entrevistar as pessoas. O terceiro medo era mais de “frescura” e foi quando regressei ao Brasil. Tinha medo de ficar conhecido somente como o repórter que fez uma reportagem e mais nada. Por isso, quando regressei eu quase não falava no assunto e trabalhava bastante, me inscrevia em prêmios para provar que eu tinha feito algo além daquilo.
Hoje no “Globo Rural” você sente falta das grandes reportagens que fazia?
Eu não sinto falta porque no “Globo Rural”, até pensando na contramão de outras pessoas, eu entendo como um programa sobre a alma do homem do campo. Claro, ele trata da produção agrícola, do maquinário, mas também das pessoas, dos conflitos, das alegrias e do drama do campo. E qualquer coisa que mexe com a alma de alguém tem a ambição jornalística que você quiser. É claro que, não é um programa que repercute muito. Como é muito cedo, neste horário os jornalistas da mídia impressa ainda estão dormindo. Então toda crítica de imprensa que você ver no jornal vai ser de programas depois do meio dia.
Como você resolveu ser jornalista?
Eu decidi ser jornalista porque na época do Getulio Vargas e da campanha do Lacerda eu estava no ensino médio buscando saber o que eu ia fazer da vida. Minha mãe me puxava pelo lado do direito e acabei fazendo o curso para agradar a ela. Depois tive a possibilidade de engenharia. Mas naquele momento o Brasil inteiro passou a ouvir aquela história do Lacerda. Aquele mar de lama e uma pessoa sozinha, um jornalista fez com que o governo desmoronasse. Aquilo me chamou atenção, como que uma pessoa sozinha abalava um governo inteiro? Fiquei encantado com a possibilidade de entrar numa profissão que pudesse mudar o mundo. Vim para São Paulo para estudar na Casper Líbero e ainda estudante comecei a trabalhar. Deu certo.
O jornalista ainda tem todo esse poder?
O jornalismo ainda tem esse poder e o jornalista que não acreditar nisso é um sínico e deve deixar a profissão. Tem que trabalhar em uma profissão que você acredita que ela é importante para a você e que ajuda a mudar o mundo.
Qual a função do jornalista?
Não sei se eu simplifico demais com minha definição, mas o jornalista deve retratar o seu tempo e denunciar o que vê de errado. As injustiças e coisas grosseiras que acontece. Jornalista é de oposição e deve estar do lado do oprimido, do pequeno. Jornalista que encosta no poder muda de lado, deixa de ser jornalista e vira puxa-saco.
A internet mudou o jornalismo?
Eu acho que estamos em meio de um turbilhão. A internet ainda é uma grande interrogação. Mas é uma inovação que veio para ficar. Ainda vai haver uma acomodação ao longo do tempo da internet com jornal, televisão e outros meios. Estamos assistindo a um momento de ajuste. E eu não consigo ver claramente para onde vai.
Você tem Twitter ou Facebook?
Quase não dá tempo de ler e-mail. Mas eu uso o computador para passar e-mail, para escrever. Domino o computador o mínimo e suficiente para tocar minha vida. (Com a revista Imprensa)
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