O que está por trás da redução das tarifas de energia elétrica?
As mudanças anunciadas pela presidente Dilma para o setor elétrico se inserem no amplo conjunto de medidas que vêm sendo adotadas com o objetivo de estimular a economia nacional. Entretanto, ainda restam dúvidas quanto a seus resultados
Gustavo Teixeira Ferreira da Silva , Franklin Moreira (*)
Seguindo um diagnóstico de que o aumento do investimento é condição necessária para o país enfrentar os recentes desafios impostos pela crise mundial de 2008 e, assim, iniciar um novo ciclo de crescimento, o governo tem adotado uma estratégia de incentivo ao investimento privado e de “aumento” da competitividade do setor produtivo nacional. No entanto, as diversas ações tomadas ao longo de 2012 não confirmaram as expectativas de crescimento da economia. No início do ano, a previsão era de um crescimento acima de 4% – já os últimos dados apontam para um número abaixo de 1,5%.
Diante desse quadro, o governo viu na alternativa de antecipar para 2013 a prorrogação de uma parte importante dos contratos do setor elétrico (20% da capacidade instalada de geração e 67% do total de linhas de transmissão do país) a possibilidade de “viabilizar a redução do custo da energia elétrica para o consumidor brasileiro, buscando, assim, não apenas promover a modicidade tarifária e a garantia de suprimento de energia elétrica, como também tornar o setor produtivo ainda mais competitivo, contribuindo para o aumento do nível de emprego e renda no Brasil”.1
A fórmula para alcançar esse objetivo foi definida pela polêmica Medida Provisória 579, de 11 de setembro de 2012, que dispõe sobre a redução das tarifas de energia elétrica e a prorrogação de concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Em síntese, a medida, inovadora, antecipou para o início de 2013 a possibilidade de prorrogação dos contratos de concessões que terminariam nos próximos sessenta meses, exigindo como contrapartida tarifas de geração e receitas de transmissão menores. O governo reduziu alguns encargos setoriais, que por muito tempo estiveram embutidos no preço final da tarifa, e se comprometeu a fazer, por meio do Tesouro Nacional, um aporte anual de R$ 3,3 bilhões para manter parcialmente os programas custeados por esses encargos.
A intenção pode ser boa...
O resultado esperado é uma redução média de 20% na tarifa final em 2013, variando entre 16% para o consumidor residencial e 28% para a indústria. Caso essa expectativa se confirme, a redução do preço da energia elétrica permitirá um aumento do poder aquisitivo da população, estimulando, portanto, o consumo, a produção e o emprego, ao mesmo tempo que reduzirá o custo de produção do setor industrial, podendo levar ao aumento da produção e à diminuição do custo dos produtos finais.
Outro efeito esperado, mas pouco divulgado, é o impacto na inflação do ano que vem. De acordo com o Conselho de Política Monetária (Copom), a estimativa de redução nas tarifas de energia elétrica alterou a projeção de reajuste dos preços administrados por contrato e monitorados de 4,5% para 2,4% em 2013.2 Ou seja, se viabilizada, a redução do preço da energia elétrica poderá ter um efeito expressivo na inflação do próximo ano, aumentando dessa forma o grau de liberdade da política monetária, um dos principais instrumentos utilizados pelo governo para estimular o investimento e o consumo no país.
A medida também permitiu que uma parte importante do setor elétrico continuasse sendo operada por empresas estatais, uma vez que 98% das concessões de geração, 77% das de transmissão e 91% das de distribuição são de estatais. Como se sabe, essas empresas têm tido um papel estratégico, sobretudo na manutenção e expansão da matriz energética nacional.
Mas os fins justificam os riscos?
Se a intenção da medida é indiscutivelmente boa, pelos resultados esperados tanto para a população como para a indústria, além de segurar os preços no próximo ano, a forma pela qual o governo resolveu reduzir as tarifas e seus desdobramentos tem gerado algumas dúvidas.
As tarifas finais permanecerão “baixas” nos próximos anos? Pois, apesar de a medida resultar na redução do preço da energia elétrica, deve-se considerar que outros fatores poderão continuar a pressionar a tarifa, tais como os custos com perdas de energia na rede elétrica e os recursos para a indenização das usinas térmicas, como as que estiveram ligadas durante a estiagem registrada em 2012. Logo, o aumento nesses custos poderá anular ou compensar a redução anunciada?
Quanto às concessões, as novas receitas definidas pela União implicarão um forte e rápido ajuste de custos para as empresas estatais que aderiram à prorrogação (grande parte do Grupo Eletrobras). Qual é o impacto de um ajuste apoiado em milhares de demissões, conforme já anunciado, na capacitação e manutenção da memória técnica dessas concessões e na capacidade de melhorias em seus ativos? Ele poderá comprometer a modicidade tarifária?
Além disso, enquanto todas as concessões de transmissão aceitaram os termos de prorrogação, um grupo de empresas estaduais de geração – Cemig, Cesp, Copel e Celesc –, que representa cerca de 30% da potência total a ser renovada, optou por não prorrogar suas concessões. Nesse caso, tais empresas continuarão praticando as atuais tarifas até o final de seus contratos. Em torno da disputa política causada por essas decisões, encontram-se mais dois questionamentos. Qual será o impacto dessas decisões no alcance do percentual de redução anunciado pelo governo? E qual será o destino dado para essas concessões após o vencimento de seus contratos?
Na hipótese de uma nova licitação e eventual privatização, os efeitos sobre o emprego no setor poderão ser os mesmos do processo de desestatização de cunho neoliberal colocado em prática no Brasil na década de 1990, em que esteve ausente qualquer proteção ao trabalho: piora dos serviços prestados; diminuição de salários; redução de benefícios sociais; aumento da rotatividade; diminuição da qualificação da força de trabalho; jornadas de trabalho mais extensas; piora das condições de saúde e de segurança no ambiente laboral; e, ainda, desorganização da representação sindical.
No caso específico do setor elétrico, a ausência de proteção ao trabalho somada ao estímulo à precarização, garantido pela Lei n. 8.987/95, que permitiu às concessionárias do setor “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como implementação de projetos associados”, fizeram que ao longo dos últimos anos o número de terceirizados superasse o número de trabalhadores do quadro próprio, passando de 44% em 2004 para 55% do total da força de trabalho em 2010. Nesse particular, a precarização é tão evidente que cerca de 90% do total de acidentes fatais no setor elétrico ocorrem com trabalhadores terceirizados.3
Pois bem, parece que restam mais dúvidas do que certezas sobre qual será o balanço final das mudanças recentes no setor elétrico brasileiro. Contudo, o esclarecimento para muitas delas pode passar pela resposta a uma simples pergunta: que papel o governo espera que as estatais cumpram no desenvolvimento de nosso país?
(*) Gustavo Teixeira Ferreira da Silva
Economista do Dieese e mestre em Economia pela UFRGS
(*) Franklin Moreira
Presidente da Federação Nacional dos Urbanitários, entidade que representa os trabalhadores dos setores de energia elétrica, saneamento e meio ambiente.
1 Item 1, da exposição de motivos da Medida Provisória 579, de 11 de setembro de 2012. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/mpv/579.htm.
2 Cf. ata da 170ª reunião do Copom, out. 2012. Disponível em: www.bcb.gov.br/?ATACOPOM.
3 “Terceirização e morte no trabalho: um olhar sobre o setor elétrico brasileiro”, Estudos e Pesquisas, n.50, São Paulo, mar. 2010. Disponível em: www.dieese.org.br/esp/estPesq50TercerizacaoEletrico.pdf. (Com Le Monde Diplomatique)
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