A barbárie instalada pelo Estado brasileiro e os Direitos Humanos
Givanildo Manoel (*)
Estamos vivendo um cotidiano de ataques aos Direitos Humanos (DH) pelas mãos do Estado brasileiro. Claro que temos de considerar a constituição do Estado brasileiro, desde a invasão em 1500, estruturada em violações aos Direitos Humanos de todas as ordens: invasão de territórios, mortes, estupros, escravidão, criminalização, genocídio, etnocídio, racismo, machismo, xenofobia, LGBTfobia, entre tantos outros. Porém, o cenário que estamos vivendo hoje é o pior dos últimos 30 anos. Tais violações sempre foram a marca daqueles que queriam ter ou manter os seus privilégios.
Os próprios Direitos Humanos foram alvo de disputa, já que os Direitos Humanos Civis e Políticos, pela sua época (Revolução Francesa 1789-1799), garantiam o direito à propriedade e à participação política da burguesia na superação do antigo regime, que a impedia de tais garantias. Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais garantiam as condições de igualdade, almejadas pela classe trabalhadora (Revoluções Mexicana de 1910 e Russa de 1917).
Aparentemente, para nós, hoje esses direitos que foram conquistados em momentos diferentes na história não são conflitantes, porque depois da 2ª Guerra Mundial os países vencedores do conflito se debruçaram a elaborar um pacto mundial em torno dos Direitos Humanos. É aí surge a ideia de que os direitos humanos são uno e indivisíveis com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que confundiu deliberadamente a necessidade dos projetos das duas classes (trabalhadora e burguesia).
Óbvio que a burguesia garantiu e realiza seus Direitos Humanos, que são todas as condições necessárias a seu desenvolvimento: saúde, moradia, educação, lazer, cultura, alimentação, direito à comunicação e informação, transporte, entre outros; de qualquer um desses direitos a burguesia goza plenamente.
Para ela, na manutenção do seu projeto de classe não importa a realização da classe trabalhadora, portanto. E para não garantir o acesso à riqueza, produzida pela humanidade, por parte da classe trabalhadora, criou a falsa ideia de que Direitos Humanos são invenção para bandido. Seus meios de comunicação propagam a falsa ideia e têm sido um dos elementos fundamentais para que a violação dos DHs da classe trabalhadora ocorra sem limites e a cobrança a este respeito perca força.
A fragilização dos DHs que favoreciam a classe trabalhadora se deu já na disputa da política internacional, na indivisibilidade das duas gerações dos DHs, que foram impostas principalmente pelos países capitalistas nos Pactos Internacionais organizados pela Organização das Nações Unidas. A divisibilidade e os interesses apareceram, como veremos no Pacto dos Direitos Civil e Político, que define sua característica impositiva. E já em seu em seu artigo 2º define que “os Estados Partes do presente pacto comprometem-se”, diferenciando-se dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, quando também em seu 2º artigo reza que “cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas”, de modo a não obrigar seu cumprimento, mas uma evolução, que por sua vez será avaliada de acordo com a situação interna de cada país.
O que vamos assistir no Brasil, um Estado Parte do pacto, é a desobrigação aos direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em detrimento dos Civis e Políticos, que na verdade valorizam o direito à propriedade e falseiam o direito à participação política, já que o poder econômico da minoria tem prevalecido ante os interesses da maioria. Com essa situação, não se muda o quadro de exploração e opressão, já que a prevalência do direito à propriedade faz com que a burguesia mantenha e amplie todos os seus privilégios de classe, inclusive avançando sobre os frágeis direitos conquistados pela classe trabalhadora.
Só para termos uma ideia: o “1% da sociedade” ampliou a concentração de renda nos últimos 15 anos; hoje detém cerca de 37,5% de toda renda nacional, segundo a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (2015). Em relação às terras, o Brasil tem a maior concentração nas mãos de poucas pessoas no mundo, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da FAO (Organização Internacional das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). Ou seja, na realização dos direitos econômicos, sociais e culturais deveríamos democratizar e não concentrar a riqueza e a terra, o que acontece com base na opressão e violência.
Evidentemente, com tal disparidade no cenário de hoje a exploração e opressão aumentam em uma velocidade sem precedentes no país, o que com certeza implica em mais violações dos direitos humanos dos de baixo, pois para manter tamanha diferença econômica e manutenção de tantos privilégios é necessário um total desrespeito aos direitos humanos. Um exemplo disso é que a lei contra o trabalho análogo à escravidão só foi aprovada no Congresso Nacional em 2014. Por quê? Porque no Congresso existem diversos parlamentares que exploram a mão de obra escrava em suas propriedades.
Essa situação evidentemente não acontece sem que tenhamos a conivência dos outros poderes, como o executivo e o judiciário, já que ambos funcionam a partir dos interesses daqueles que detêm o poder econômico.
As violações que vivemos cotidianamente hoje são filhas daquelas a que tiveram alguns a sorte de sobreviver, e que estão plenamente estruturadas e presentes no Estado atual. Essas violações, para além de apresentar aspectos coloniais como a escravidão, estão associadas a outras violações, principalmente no último período, como as mortes violentas, o encarceramento em massa e a criminalização de uma parcela da população, cujo principal alvo são os jovens pobres de origem indígena e negra, moradores das periferias do Brasil.
O Brasil hoje tem aproximadamente 60 mil mortes violentas por ano (dados oficiais), sem contarmos os sumiços forçados e a subnotificação de mortes violentas. Em nosso território, matamos mais de 10% das mortes violentas do mundo, somos o 4º país a mais encarcerar no mundo, sendo a maioria absoluta desses crimes praticados principalmente pelo Estado, como uma forma de genocídio e controle da classe trabalhadora, formada por aqueles que, para manter os interesses do capital, não podem ter os seus direitos humanos garantidos.
Não, não são novas essas violações, e não cessarão, com certeza se ampliarão, já que o novo governante interino golpista já deu demonstrações claras de que as ampliará ainda mais, pavimentando ainda mais a exploração, privatizando, precarizando as políticas ou retirando direitos sociais, trabalhistas, previdenciários. Ações que irão piorar imensamente a vida do povo. Claro que contam com a reação popular e para isso prepararam toda uma estrutura de repressão, que vai de equipamentos e assessoria em táticas de guerra como a aprovação de legislação, a exemplo da lei antiterror que permite criminalizar e utilizar a força sem limites contra o povo.
Todos os recados estão sendo dados pelo presidente golpista e seu xerife elevado a ministro da Justiça: esse governo tem desprezo por Direitos Humanos (ministério sem Direitos Humanos, sem mulher, negros(as), LGBT etc.); que não respeitará a lei e os órgãos que as mediam, como o Ministério Público e Poder Judiciário; que criminalizará os movimentos sociais e utilizará indiscriminadamente a força.
É necessário organizar a resistência aos imensos ataques que virão, e ao mesmo tempo ter clareza que a defesa dos direitos humanos da classe trabalhadora prevê inclusive a democratização da riqueza, um ponto crucial nesse momento. Ter essa compreensão, se contrapor à narrativa antidireitos humanos, construir mecanismos de denúncia interna e externa contra os Direitos Humanos, entre outras ações, é fundamental, para que não se instale em definitivo a barbárie contra o povo e contra a classe trabalhadora.
(*) Givanildo M. da Silva, o Giva, é membro do Tribunal Popular, Comitê pela Desmilitarização da Policia e da Política, Terra Livre e Amparar.
Comentários