Continuação do combate ao projeto do Serra: a CIA e a NSA estão vencendo
Paulo Metri (*)
O recém-nomeado ministro José Serra, ainda quando era senador, apresentou o projeto de lei em que coloca a possibilidade de as petrolíferas estrangeiras serem as operadoras do Pré-Sal e retira a participação mínima de 30% da Petrobrás em cada consórcio desta área. Assim, existem duas propostas de formato dos contratos de partilha a serem julgadas pelos deputados: o formato atual, aprovado em 2010, e a proposta do Serra. Se existirem os objetivos que devem ser atendidos com a exploração do Pré-Sal, pode-se verificar como cada formato de contrato os impacta.
No entanto, tais objetivos não existem em nenhum documento oficial público. A situação de pouca clareza é a que mais satisfaz os lobistas porque eles valorizam os pontos em que sua proposta é positiva e escondem os pontos fracos. Assim, os tomadores de decisão são manipulados e ficam sem uma análise completa do problema.
Em vista disso, sugiro que os objetivos a serem atendidos pelo setor do petróleo com a finalidade de satisfação dos interesses da sociedade brasileira sejam os seguintes:
a) abastecer a demanda nacional de derivados e petroquímicos;
b) garantir um fluxo constante de recursos financeiros de vulto para o Estado, retirado do lucro líquido;
c) se possível, gerar excedente de petróleo, que permita sua exportação in natura, de seus derivados e produtos petroquímicos, de preferência com o maior valor agregado possível, desde que o abastecimento nacional dos próximos 40 anos não fique comprometido;
d) ativar a economia, através da maximização das compras locais;
e) aumentar a geração de emprego no país;
f) maximizar a encomenda de desenvolvimentos tecnológicos no país;
g) possibilitar ao Brasil a adoção de ações geopolíticas e estratégicas, o que só ocorre se o Estado brasileiro detiver a posse de parte do petróleo produzido;
h) minimizar a saída de divisas do país, por exemplo, através da remessa de lucros;
i) nunca produzir petróleo de forma predatória;
j) garantir ao máximo a segurança operacional;
k) tomar todas as precauções para evitar danos ambientais;
l) permitir ao Estado brasileiro ter controle sobre a produção de petróleo do país, adequando-a a seus interesses;
m) possibilitar ao Estado ter efetivo levantamento sobre o volume e os custos da produção, sem precisar montar apurado sistema de controle.
A partir deste ponto, é verificado como os dois modelos de contrato satisfazem esses objetivos. Com relação ao objetivo (a), as petrolíferas estrangeiras não querem abastecer o mercado nacional, tanto que, em todos os contratos assinados por elas, não existem cláusulas de obrigatoriedade do abastecimento do país, a menos que ocorra uma situação de extrema emergência. Quem abastece o país é a Petrobrás.
Sobre o objetivo (b), as petrolíferas estrangeiras sempre lutam pelo pagamento mínimo de tributos ao Estado brasileiro, ainda na fase de definição da legislação ou dos editais. Elas tiveram grande sucesso na definição do edital de Libra porque a contribuição para o Fundo Social acabou sendo mínima.
O objetivo (c) é mal atendido pelas empresas estrangeiras, pois só exportam o petróleo in natura, não têm interesse de construir refinarias no país e não querem participar da constituição de uma reserva estratégica para o abastecimento nacional. Todas as refinarias existentes no país pertencem à Petrobrás.
Acerca do objetivo (d), pode-se dizer que as petrolíferas estrangeiras não têm nenhum interesse de realizar compras locais. Não se empenham para satisfazer a promessa de compras locais assinada na época das licitações dos blocos, preferindo pagar multas contratuais por não satisfazerem a promessa. O monopólio foi extinto na prática em 1997, com a edição da lei 9.478, e nenhuma empresa estrangeira comprou no país, desde então, uma plataforma, que é o item mais caro do investimento. A verdade é que quem compra no país é a Petrobrás.
Sobre o objetivo (e), como a maior geração de empregos no setor de petróleo ocorre na fase de desenvolvimento do campo, especificamente na construção da plataforma, e como nenhuma empresa estrangeira comprou plataforma no país, elas geraram muito poucos empregos no país.
Assim, quem gera emprego no setor de petróleo no Brasil é a Petrobrás. Sobre contratação de desenvolvimentos tecnológicos no país, que corresponde ao objetivo (f), as petrolíferas estrangeiras encomendam quase nada no país, quando comparado com as encomendas da Petrobrás.
Sobre a possibilidade de serem assinados acordos geopolíticos e estratégicos, que compõem o objetivo (g), será impossível para o Estado brasileiro fechar tais acordos se a Petrobrás não detiver no mínimo 30% de cada consórcio, pois as petrolíferas estrangeiras irão ter a posse da maior parte do petróleo produzido e elas não aceitam remeter o petróleo para onde o governo brasileiro indicar.
O objetivo (h), relativo ao país perder o mínimo de divisas, obviamente não é bem atendido pelas empresas estrangeiras, graças às suas remessas de lucros. A Petrobrás não faz essas remessas. Se o órgão regulador não estiver bastante atento, as petrolíferas estrangeiras tenderão a realizar produção predatória, porque, em muitas situações retirar rapidamente o petróleo do campo, mesmo sem se conseguir a retirada de todo o petróleo recuperável, maximiza a rentabilidade do empreendimento.
Conter a realização deste tipo de produção, maléfica para o país, é o objetivo (i). A Petrobrás não realiza produção predatória, até porque não tem, como objetivo principal, a maximização do lucro.
Pelo fato de as petrolíferas estrangeiras terem como objetivo principal o máximo de lucro, investimentos em acréscimos da segurança do empreendimento podem ser considerados desnecessários, como aconteceu em Frade com a Chevron.
Assim, para evitar abusos na redução dos investimentos em segurança visando a maximização do lucro por empresas estrangeiras, haveria a necessidade de fiscalização profunda e constante de órgão do Estado para evitar a criação de situações de risco, o que é custoso.
Esta é a razão por que a Petrobrás se sai melhor que as concorrentes nos objetivos (j) e (k), pois ela prioriza a segurança, mesmo causando dano à lucratividade.
Sobre o objetivo (l), temos mais uma vez a Petrobrás o atendendo melhor que as multinacionais, porque, se ela não for a operadora, será impossível ter qualquer controle sobre o ritmo de produção de petróleo do país. Até o agente regulador do Estado no setor, a Agência Nacional do Petróleo, depois de assinada uma concessão ou um contrato de partilha, é obrigado a cumprir prazos que estão nas leis. É impossível, por exemplo, se o mercado mundial estiver inundado de petróleo, este órgão requerer a postergação do desenvolvimento de um campo, se o concessionário ou contratado for uma petrolífera estrangeira.
Sobre o objetivo (m), mais uma vez, porque as petrolíferas estrangeiras priorizam a maximização do lucro, se elas forem as operadoras, será necessário criar um sistema de auditoria sofisticado e, portanto, custoso para validar as medições e os cálculos do valor da produção e do seu custo. Só um agente do Estado irresponsável delegaria esta atividade que, se fraudada, pode representar perda considerável no pagamento de royalty e da contribuição para o Fundo Social, para petrolíferas privadas, sem um sistema de auditoria confiável.
Em resumo, a Petrobrás se sai melhor em todos os objetivos mencionados para o setor do petróleo. No entanto, seria simplista e inocente considerar a análise da atratividade da Petrobrás como operadora única do Pré-Sal concluída. O mercado do petróleo não pode ser considerado como análogo ao mercado de uma commodity.
É preciso estar consciente sobre os aspectos geopolíticos e estratégicos que a posse do petróleo representa. É preciso conhecer a atuação das petrolíferas estrangeiras em outros países, sem ser o seu de origem. É claro que, em um país com uma população consciente e com sistemas de fiscalização eficientes, elas podem trabalhar.
Sugiro que assistam ao documentário, disponível no YouTube, chamado “O Segredo das Sete Irmãs: A Vergonhosa História do Petróleo”, ou leiam o livro “O Petróleo: Uma história mundial de conquistas, poder e dinheiro” de Daniel Yergin. Uma versão bem resumida da questão é tratada no artigo de minha autoria, intitulado “Caráter das petrolíferas estrangeiras”, disponível no Correio da Cidadania. Depois de se estar consciente de como agem as petrolíferas estrangeiras, se saberá como é importante entregar nosso petróleo à nossa estatal.
Resumidamente, por causa do poder que a posse do petróleo acarreta e também pelo lucro que ele proporciona, governos foram depostos, ditadores impostos, lideranças assassinadas ou exiladas, guerras sangrentas ocorreram, etnias foram perseguidas, o ambientalista Ken Saro-Wiwa foi enforcado, além de outras atrocidades.
Dois exemplos: recentemente, o Iraque foi invadido sob acusação de possuir armas de destruição em massa e de financiar o terrorismo, as quais não foram comprovadas. Contudo a sua reserva de 115 bilhões de barris foi entregue às petrolíferas ocidentais de países financiadores da invasão.
Nos anos 80, Ronald Reagan, através de estratégia que incluía aprovar o programa militar “Guerra nas Estrelas” e também a inundação de petróleo árabe no mercado mundial, graças ao auxílio do amigo rei Fahd Al-Saud da Arábia Saudita, conseguiu desmontar a União Soviética, potência que se contrapunha militarmente aos Estados Unidos e tinha na exportação de petróleo e gás a fonte de recursos para a obtenção de várias das suas necessidades, inclusive tecnologia bélica.
Chamo a atenção para o engodo, criado para ludibriar os brasileiros, que consiste da introdução no projeto de lei da determinação que a “Petrobrás terá sempre o direito de escolher se quer ficar com o bloco a ser leiloado”. Como todo engodo, este também é completamente falso por não proteger a sociedade brasileira.
Só para efeito de raciocínio, suponha que Temer venha a ser ratificado presidente, o que não é meu desejo. Nesta situação hipotética, muitos leilões do Pré-Sal irão ocorrer e uma ordem será dada à Petrobrás para que ela declare não querer participar de nenhum leilão, o que significará a entrega do Pré-Sal às petrolíferas estrangeiras em condições não atraentes para nossa sociedade.
Outro argumento sempre lançado é que a riqueza do Pré-Sal não pode ficar adormecida debaixo da terra e, como a Petrobrás não tem recursos para explorá-la, há a necessidade de se receber ajuda das petrolíferas estrangeiras. Acontece que um país pode ter o setor do petróleo ativo, com muitas empresas estrangeiras atuando nele, e a sociedade do país não estar sendo beneficiada em nada. Além disso, existe a possibilidade de se resolver o problema de caixa de curto prazo da Petrobrás.
Para finalizar, creio que a presidente Dilma foi, momentaneamente, retirada do cargo por três razões: uma corja precisava de um presidente que boicotasse a operação Lava Jato, os políticos conservadores querem eliminar o PT e o ex-presidente Lula do mapa político do país e os Estados Unidos querem usufruir do petróleo do nosso Pré-Sal e, por isso, têm ocorrido intensas ações da CIA e da NSA no pretenso “outono brasileiro”. E, pelo visto, na Câmara e no Senado, os trabalhos da CIA e da NSA surtiram efeito.
Leia também:
“Caráter” das petrolíferas estrangeiras
(*) Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.
Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br/
(Com o Correio da Cidadania)
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