Hoje na História: 1453 - Tomada de Constantinopla marca fim da Idade Média

                                                     
                                                                    
                                Reprodução de Manuscrito, ateliê de Jean Mielot, 1455

Max Altman | São Paulo 

Cidade, vestígio do Império Romano do Oriente e do Império Bizantino, era a última depositária da Antiguidade Clássica, além de muralha da cristandade ante o Islã

A data de 29 de maio de 1453 figura tradicionalmente entre as datas-chaves da História. Nesse dia, Constantinopla cai nas mãos do sultão otomano Mehmet II. A cidade, vestígio do Império Romano do Oriente e do Império Bizantino, era a última depositária da Antiguidade Clássica, além de muralha da cristandade ante a pressão do Islã.

Sua queda provocou forte comoção em toda a cristandade e consagra o surgimento de uma nova era histórica.

A capital do Império Bizantino já havia sofrido dois sítios pelas frotas muçulmanas. O primeiro cerco durou cinco anos de 673 a 677; o segundo, um ano somente, em 717.

Nos dois episódios, os árabes foram repelidos graças a uma arma secreta dos bizantinos : o fogo grego. Tratava-se de uma mistura misteriosa de salitre, betume e enxofre que possuía a particularidade de queimar mesmo sob a água. Propelida em direção aos navios inimigos, permitia incendiá-los de um só golpe. Apesar disto, os bizantinos perderam ao longo dos séculos sua superioridade bélica.
                                       
                                          Reprodução/Manuscrito, ateliê de Jean Mielot, 1455
                                                 
Sítio de Constantinopla com, à esquerda, o Corno de Ouro,e, ao fundo, da esquerda para a direita, o estreito de Bósforo e o mar de Mármara

A queda da "Nova Roma" tornou-se inelutável quando novos invasores vindos da Ásia, os turcos otomanos, atravessaram o Estreito do Bósforo. Tomaram a maior parte dos Bálcãs e instalaram sua capital em Andrinópolis, cerca de Constantinopla. Isolando esta cidade, impediram qualquer apoio das nações ocidentais.

                                          Reprodução - Muralhas de Constantinopla
                                           
A partir do século XIV, as vitórias dos turcos em Kosovo e Nicópolis sobre os cristãos prenunciavam a queda iminente de Constantinopla. Mas a derrota dos turcos em Ângora diante de Tamerlan, atrasou de meio século o desfecho fatal.
A cidade de Constantino I, em meados do século XIV, era um pequeno Estado relacionado com os mercados do Extremo Oriente, porém em benefício dos mercadores de Veneza e Gênova que negociavam com a seda chinesa por eles trazida.

Em 1451, Mehmet II sucede a seu pai, Murad II, à frente do Império Otomano. Nascido de mãe escrava e cristã, o novo sultão, de 19 anos, decide acabar com Constantinopla.

Envia, em julho de 1452, uma declaração de guerra ao imperador bizantino. Dois meses mais tarde, desencadeia as hostilidades testando as muralhas da cidade com 50 mil homens. O sítio começa em abril de 1453 com 150 mil homens e uma poderosa frota. Os bizantinos só dispunham de sete mil soldados gregos e um destacamento de 700 genoveses sob o comando de Giovanni Longo, além de 40 navios.

O imperador Constantino XI envia emissários, disfarçados de turcos, que se infiltram entre os navios e chegam a Veneza. A Sereníssima República logo arma 10 possantes navios para socorrer seus tradicionais aliados. Porém, a ausência de vento e a pouca pressa dos venezianos não permitiram chegar a tempo para salvar Constantinopla.

Diante do tríplice anel de muralhas, Mehmet II recorre a todos os seus recursos de artilharia. Durante semanas, sem trégua, arremessam pedras e balas com suas bombardas. Dispunha também de uma bombarda especial, a “Real” que, montada sobre um impressionante castelo de madeira e manobrada por um milhar de homens, atirava sobre a cidade enormes pedras pesando até 700 quilos.
                                                                                                                                                                                                                                                     
No entanto, os gregos conseguem incendiar o castelo graças às flechas inflamadas, tornando inoperante o dispositivo.
A frota do sultão cerca a cidade pelo Bósforo e o mar de Mármara mas não consegue entrar no canal do Corno de Ouro que fecha a cidade pelo leste, protegida por uma cadeia de montes que interdita o acesso.

Em desespere causa, Mehmet II faz construir sobre a Colina de Gálata da margem do Bósforo à margem do Corno de Ouro, uma espécie de tobogã de madeira de 4,5 quilômetros. Milhares de homens iriam erguer ao topo desse tobogã não menos que 72 galeras com duas fileiras de remos e dali escorregariam até a borda do Corno de Ouro.

Graças a essa memorável experiência – até hoje comemorada com festas e reconstituições – os navios turcos contornaram a cadeira e se infiltraram no Corno de Ouro com seus marinheiros e soldados.

Conta-se que no palácio do imperador, os padres ortodoxos e os cortesãos continuavam a discutir a propósito do sexo dos anjos enquanto as tropas levavam a cabo o cerco de Constantinopla. A maledicência em relação a Bizâncio remonta ao século XVIII. Homens cultos, como Voltaire, julgavam-na medieval, decadente e exageradamente cristã, reputação que até hoje permanece nos livros de História.

Em 28 de maio, os arautos do sultão anunciam a batalha decisiva. Na alvorada de 29 dezenas de milhares de ansiosos soldados invadem a cidade. Diante da Basílica de Santa Sofia, o imperador grego, de armas na mão, morre em meio aos seus derradeiros soldados. Ao meio-dia o sultão entra triunfalmente na cidade.

Os combates fizeram pelo menos quatro mil mortos. Segundo a tradição da época, aos vencedores se oferecia o direito de saquear a cidade, violar as mulheres e matar a quem lhes desse na telha, durante os três dias seguintes à queda.

Mehmet II, que se dispunha a fazer de Constantinopla a capital e conservar sua grandeza, tratou que a pilhagem não prosseguisse. Fez vir migrantes de todo o Império a fim de assegurar à cidade seu antigo esplendor. Logo mudou a capital de Andrinópolis para Constantinopla, em seguida rebatizada de Istambul.

A cidade atingiria seu apogeu sob o reinado de Soliman, “o Magnífico”, e até o fim do Império Otomano manteria uma população majoritariamente cristã.

Soldados otomanos transportam a frota sobre a Colina de Gálata, diante de ConstantinoplaA Queda de Constantinopla significou o fim de eventuais vestígios dos Impérios Romano e Bizantino. Os historiadores definiram esse acontecimento como o marco final de um longo período chamado de Idade Média. Contudo, a Renascença deve muito aos sábios e artistas bizantinos, que emigraram para a Itália, e iniciaram a redescoberta da cultura da Antiguidade.

Os vínculos comerciais entre o Ocidente e a China que se beneficiavam da proteção do Império Bizantino foram interrompidos. Audazes portugueses passam a prescrutar os oceanos em busca de uma via marítima para o Oriente. A hora de Vasco da Gama e de Cristóvão Colombo se aproximava.

(Com Opera Mundi)

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