A caotizaçao do Brasil

                                                                   
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– O clima moral em Brasília está podre 
– Legisladores preparam lei rolha contra jornalismo crítico 
– Projecto de lei para criminalizar os que denunciam a corrupção 
– Não há mais ninguém limpo na política burguesa do Brasil

Andrew Fishman [*]

A revelação das gravações secretas envolvendo as mais poderosas figuras do Brasil provocou uma série de escândalos explosivos em meio a atual crise política do país. Agora, os legisladores brasileiros tentam tornar ilegal a publicação destas gravações. 

Um projeto de lei , que se arrastava na Câmara dos Deputados desde o ano passado, tomou novo fôlego este mês. Ele pretende criminalizar o ato de "filmar, fotografar ou captar a voz de pessoas, sem autorização ou sem fins lícitos", punível com até dois anos de reclusão e multa. Se as gravações forem publicadas nos media sociais a pena aumenta para quatro a seis anos. 

Quando foi originalmente apresentado, o projeto foi criticado como uma das muitas medidas draconianas destinadas a proteger políticos e uma ameaça direta à liberdade de expressão e de imprensa. 

O projeto de lei anti-gravações (PL 16762015) foi apresentado em 2015 pelo deputado Veneziano Vital do Rêgo, do PMDB , partido do presidente interino Michel Temer, com orientação à direita. Rêgo, que votou pelo impeachment da agora afastada presidente Dilma Rousseff, aparentemente tem razões para temer as gravações secretas: ele é suspeito em  35 investigações em andamento  por vários crimes financeiros e administrativos, até abril, de acordo com o Transparência Brasil, importante órgão de fiscalização anticorrupção, e com o site de verificação de fatos, Agência Lupa. 

O Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro , que chamou o projeto de "preocupante" e "inacreditável", disse que a lei poderia criminalizar atividades quotidianas como filmar uma festa aniversário e postar o vídeo nas redes sociais. No Medium, o instituto afirmou que o projeto de lei "impede atividades jornalísticas e investigativas de grande relevância, assim como coloca em risco quem realiza atividades audiovisuais. Trata-se de um projeto inconstitucional que viola a liberdade de expressão e outros princípios constitucionais como o direito de informação e prerrogativas da comunicação social". 

O projeto de lei não impediria o uso de gravações secretas pela Polícia Federal, mas proibiria qualquer gravação – secreta ou não – conduzida sem pleno consentimento e não produzida para "o interesse público", termo subjetivo que seria provavelmente deixado aos critérios de juízes. 

Essa semana, fugas de gravações revelaram que o presidente da Associação de Magistrados do Paraná coordenou acções de retaliação contra jornalistas que produziram uma série de matérias sobre  super-salários de juízes e funcionários do judiciário. Tribunais brasileiros também ordenaram que Marcelo Auler, jornalista independente, retirasse do ar dez reportagens sobre fugas e escutas ilegais relacionadas com a Operação Lava Jato, a investigação em curso de corrupção, e proibiu que este publicasse novas reportagens sobre o assunto. 

Com o risco de seis anos de prisão, a lei teria inevitavelmente um efeito profundamente inibidor em todas as organizações de media e editores independentes. 

O projeto não representaria ameaça ao jornalismo "porque para citar, filmar ou gravar um cidadão, um jornalista profissional primeiro deve pedir sua permissão e autorização para publicar o material", escreveu o gabinete do deputado Veneziano do Rêgo em email a The Intercept

Em declaração a The Intercept, o conselho diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que "o projeto representa um retrocesso ao criar um novos tipos de crime em que jornalistas podem incorrer no desempenho de suas funções", adicionando que "a criminalização do libelo, calúnia e difamação é um risco para a democracia". 

O projeto de lei também inclui uma controversa proposta de "direito ao esquecimento" que permitiria aos indivíduos exigir, "independente de ordem judicial", que mecanismos de busca e websites tirem do ar e apaguem dos resultados de buscas conteúdo que "comprometa a honra de alguém". 

O novo fôlego para o projeto de lei de Veneziano surge enquanto gravações secretas ameaçam o núcleo do novo governo do presidente interino Michel Temer. Na terça-feira, o maior jornal do país, a Folha de S. Paulo, informou que o Procurador Geral solicitou a prisão do Presidente do Senado, Renan Calheiros, do ex-presidente, José Sarney, e do homem de confiança de Temer, o Senador Romero Jucá – todos importantes líderes do partido de Temer, o PMDB. 

Jucá e outro aliado de Temer foram forçados a renunciar aos seus ministérios no fim do mês passado. Um importante senador do partido da presidente Dilma Rousseff, o PT, esteve preso  no ano passado num incidente semelhante. A própria presidente foi apanhada numa conversa gravada com o ex-presidente Lula da Silva a discutir a sua indicação para um ministério, o que foi visto pelos oponentes como uma prova de que tentavam colocá-lo fora do alcance da Operação Lava Jato , o que provocou protestos. 

Outra proposta de lei inclui um plano para restringir o uso de acordos de delação premiada por suspeitos sob custódia, e outro para reduzir a fuga selectiva de investigações – ambos apresentados recentemente por legisladores do PT. Mais de 200 projetos de lei visando a corrupção foram apresentados em 2015 – cinco vezes a média – e, de acordo com o jornal O Globo , "as propostas que tramitam com mais rapidez são justamente as que podem criar dificuldades para investigações ou embutem mecanismos de abrandam punições". 

Um representante do gabinete de Veneziano do Rêgo disse a The Intercept que o projeto de lei destina-se a proteger vítimas de estupro, "não apenas políticos". Depois que vídeos e imagens do horrendo estupro coletivo de uma menina inconsciente, de 16 anos, no Rio de Janeiro, foram divulgadas online e fizeram as manchetes internacionais, o assunto das gravações não autorizadas ganhou grande atenção do público. 

Em abril, um dispositivo de escuta foi descoberto num gabinete do Supremo Tribunal Federal e a origem do aparelho é desconhecida. E, com tantos indivíduos envolvidos em uma ampla gama de investigações sobre corrupção, de acordo com a Folha de S. Paulo, o clima de paranoia entre os agentes do poder em Brasília é tão intenso que as reuniões estão sendo realizadas sem celulares ou fotos, e às vezes com as persianas fechadas e com música de fundo a tocar para prevenir a gravação de diferentes tipos de escuta – medidas que lembram um filme de gangsters. 

Esta semana foi informado que altos executivos da construtora Odebrecht comprometeram-se a pormenorizar como foram distribuídos 500 milhões de reais em contribuições ilegais de campanha e propinas desde 2006, como parte do acordo de delação premiada. O presidente do Senado, Renan Calheiros, disse numa gravação secreta que se isso acontecesse "ninguém de nenhum partido" escaparia. 
10/Junho/2016

[*] Jornalista de The Intercept, fishman@theintercept.com 

O original encontra-se em theintercept.com/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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