Palestinos devem sair perdendo com as eleições nos EUA

                                                       
Luiz Eça (*) 

Depois de Netanyahu discursar contra o acordo nuclear em Washington, as relações com Obama, que já não eram boas, azedaram bastante.

O presidente dos EUA considerou um ultraje um mandatário estrangeiro vir atacar uma política do seu governo em plano congresso.

A partir daí a tolerância com as violências e infrações às leis internacionais na Palestina acabou.

Especialmente considerando que Netanyahu continuava sabotando a “solução dos dois estados” (um dogma no Ocidente), expandindo os assentamentos e até negando-se a permitir a independência da Palestina.

Em várias ocasiões, Obama deixou claro que o apoio incondicional dos EUA a Israel na ONU poderia acabar.

Os membros do governo israelense sentiram que seu barco poderia ir a pique. Temeram que começava a fazer água quando o secretário de Estado norte-americano se declarou simpático à proposta francesa de internacionalizar a elaboração do acordo de paz na Palestina.

A ideia era reunir chefes de Estados interessados na solução do problema para determinarem os principais pontos do acordo, ficando para Israel e palestinos a negociação dos seus detalhes.

E, caso as negociações não fechassem no prazo de um ou ano, as nações reconheceriam a Palestina como Estado independente.

Inaceitável para o governo de ultradireita de Israel, que só admite negociações bilaterais entre as partes em conflito.

Como já se sabe pela experiência de 20 anos de negociações infrutíferas, Israel, por palavras e atos, deixou bem claro sua intenção de tornar a anexação da Palestina um fato consumado, via expansão contínua dos assentamentos.

Ou, na melhor das hipóteses, de aceitar um Estado palestino inviável nos territórios restritos que os assentamentos deixariam vagos.

Embora o Hamas não acreditasse que a proposta francesa iria dar certo, o Fatah e a Autoridade Palestina vibraram com ela.

Sob patrocínio do “Quai d´Orsay”, foi marcada para Paris uma reunião preparatória com os ministros do exterior dos EUA e dos países da Europa, representantes da Liga Árabe e o secretário-geral da ONU.

Contava-se que a reunião emitiria uma firme declaração contendo inclusive os parâmetros, já definidos pelo Conselho de Segurança da ONU, para a concretização da “solução dos dois Estados”.

Em vez disso, publicou-se um comunicado chocho, recheado de lugares-comuns, conclamando as partes a evitarem ações que dificultassem as futuras negociações.

Quanto a dar prazo para o acordo final, sob pena de reconhecimento da Palestina independente, desde logo foi posto de lado. Surpresa geral.

Pouco depois, o general al-Arabi, secretário-geral da Liga Árabe, cuja maioria é de países aliados ou sem problemas com os EUA, revelou o que aconteceu.

O comunicado inicialmente proposto seria muito mais forte, com recomendações concretas, indicando as resoluções da ONU em que as negociações futuras de paz deveriam se basear.
Além de estabelecer prazos para a conclusão do acordo.

Mas Kerry entrou em ação. Discutiu palavra por palavra, frase por frase até tudo acabar dando no estéril comunicado que se publicou.

Ou seja, em nada. No dia 6 de junho, a atuação do secretário de Estado foi justificada por Dan Shapiro, embaixador dos EUA em Israel.

Em conversa com um deputado do partido Lar Judeu sobre a proposta francesa para a Palestina, Shapiro disse: “Os EUA se opõem a passos unilaterais e vetaria forçar qualquer solução a Israel”.

Poucos dias depois, coube a Susan Rice, assessora especial de Obama, mostrar que os EUA teriam voltado a amar Israel acima de tudo.

Anunciou que o governo Obama irá dar a maior assistência militar dos EUA a qualquer país do mundo, em qualquer tempo.

Nada menos do que 40 bilhões de dólares em 10 anos. Dez bilhões a mais do que a soma do acordo atual, que está vencendo.

As causas da reviravolta na posição do governo Obama, desistindo de buscar a justiça em vez dos interesses de Israel, podem ser encontradas nas eleições presidenciais. Hillary Clinton, a candidata do Partido Democrata (ao qual Obama pertence), aparece nas pesquisas virtualmente empatada com o candidato republicano, Donald Trump.

Os chefões democratas temem que uma posição de Obama contrária a Israel na discussão da proposta francesa poderia alienar votos dos judeus norte-americanos.

Especialmente preciosos nas eleições de Nova York e Flórida, estados-chave cujos resultados podem decidir quem será eleito.

É de se crer que Obama bem que gostaria de terminar seu mandato encaminhando a solução do problema da Palestina de forma desagradável para Netanyahu.

Com isso, não só levantaria a combalida imagem internacional dos EUA, como também ficaria na história como o presidente que proclamou a independência da política externa do seu país.

Deixaria Netanyahu mordendo tapetes de raiva, daria aos palestinos uma pátria a que têm direito e, at last but not at least, mostraria às associações judaico-americanas quem é que manda no país.

Mas tudo isso não será possível. Apoiando os palestinos contra Israel, Obama assumiria um risco de perder votos judaicos (embora parte deles seja progressista e o aplaudiria).

A opinião pública provavelmente o culparia caso Hillary Clinton perdesse para o bufão Trump.

Aparentemente, Obama não quer carregar a responsabilidade de ter ajudado a colocar na Casa Branca um presidente de opereta.

Há quem acredite que a segunda reunião de discussão da proposta francesa, marcada para antes do fim do ano, pode ter um resultado diferente.

Desta vez será com a presença dos supremos mandatários dos EUA, de países europeus, da Liga Árabe e da ONU.

A reunião terá de cumprir seu objetivo de traçar as linhas básicas de um acordo final para a “solução dos dois Estados”.

Caso seja realizada depois de 9 de novembro, data das eleições norte-americanas, Obama estaria livre para agir como quisesse.

Teme-se que aí o leite já estará derramado, com o mandato de Obama praticamente no fim.

Será que ele se sentiria em condições de contrariar posições públicas do novo presidente? Tanto a senhora Clinton quanto The Donald são defensores incondicionais de Israel.

Ministro israelense ecoa Netanyahu: Palestina independente, jamais

Durante a recente campanha eleitoral, Bibi Netanyahu foi muito claro: enquanto fosse primeiro-ministro, nunca haveria um Estado palestino. Depois desmentiu, mas essa súbita mudança não pegou. Agora, acompanhando a visita do premier à Rússia, o ministro da Agricultura, Uriel Ariel, proclamou: o mundo deve esquecer a ideia de um Estado palestino.

Justamente num momento em que Netanyahu procura ganhar a boa vontade internacional, falando em aceitar o Plano de Paz da Liga Árabe como base de negociações com os palestinos, Uriel foi sincero. Declarou que o gol de Israel deve ser anexar 60% da Cisjordânia (o West Bank), ou seja, parte da chamada área C, ora sob controle militar direto de Israel.

Inicialmente, ele afirmou que na área C não havia palestino algum. Acabou admitindo que “teríamos de remover uns poucos milhares, o que não constitui um significativo fator numérico”. Uriel os menosprezou: “uns poucos milhares” que seriam removidos de seus lares não lhe parece significativo.

O que é estranho, afinal seria muita gente deportada, sem ter cometido qualquer falta. O problema maior é que esses palestinos habitantes da área C são bem mais do que diz o ministro Uriel. A ONU calculava em 297.500, em 2014.

Mesmo que o programa israelense de limpeza étnica tivesse nesses dois anos funcionado com imensa eficiência, ainda assim, segundo a mais baixa avaliação israelense, ficaram na área C cerca de 55 mil palestinos.

A expulsão forçada de toda esta gente seria certamente um escândalo internacional, que, além de pôr a imagem israelense de joelhos, ainda poderia implicar em sanções contra o país.

Continuando suas sinceras declarações, Uriel, cujo partido, o Lar Judeu, integra a coalizão governante, explicou que a anexação da área C seria apenas o primeiro passo.

Eventualmente, quando houvesse condições políticas, Israel expulsaria todos os palestinos e anexaria o resto da Cisjordânia.

Um passo desta grandeza, representaria a remoção de mais 2 milhões de palestinos para “um lugar qualquer”, como explicou Uriel.

Em outra ocasião, em reunião com o embaixador norte-americano Dan Shapiro, o deputado Moti Yogev continuou na linha de sinceridade do ministro Uriel, conforme contou a repórteres: “eu lhe disse que a ideia dos dois Estados é um bonito slogan, mas ela não traria nem estabilidade, nem segurança à nossa região”.

O novo ministro das Forças Armadas, Avigdor Lieberman, não copiou a franqueza de seus colegas do regime de ultradireita vigente em israel.

Não dá para acreditar nos seus surpreendentes acenos de paz aos chefes palestinos e no entusiasmo com a “solução dos dois Estados”.

Afinal trata-se do mesmo homem que, entre outros rugidos, propôs a execução dos membros árabes do parlamento judeu, o afogamento dos prisioneiros palestinos no Mar Morto, o bombardeio da represa egípcia de Assuan, além de fazer comentários interpretados como favoráveis ao lançamento de um ataque nuclear contra Gaza e à degola dos palestinos cidadãos de Israel.

Não dá para acreditar que um feroz falcão tenha se transformado em pomba depois de velho.


(*) Luiz Eça é jornalista.

(Com o Correio da Cidadania)

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