Juan Rulfo - encanto, desafio e frustração
Miguel Urbano Rodrigues
O escritor mexicano Juan Rulfo (foto) é quase desconhecido em Portugal. A crítica literária dedicou escassa atenção ao seu romance «Pedro Páramo», editado pela «Cavalo de Ferro».Mas na América Latina e nos Estados Unidos, Rulfo é considerado um génio.
«Carlos Fuentes, Garcia Marquez, Jorge Luis Borges colocaram Pedro Páramo entre as obras-primas da literatura do século XX. Garcia Marquez afirmou que desde a Metamorfose de Kafka livro algum o tinha marcado tanto como aquele; abriu-lhe portas para Cien Años de Soledad.
Para Borges é uma das melhores novelas da literatura mundial. Para a americana Susan Sontag foi um dos livros que mais influenciou o rumo da literatura na segunda metade do século».
Reli pela sexta (ou sétima?) vez Pedro Páramo. Agora numa tradução portuguesa.*
Travo com a novela e o autor um combate antigo. Principiou há mais de quatro décadas no Peru quando Darcy Ribeiro me ofereceu uma edição argentina. Disse-me que era um livro maravilhoso e o autor um génio.
Li muito vagarosamente. Esbarrei desde as primeiras páginas com uma escrita densa, muito bela, diferente de tudo o que conhecia. Registei a qualidade da novela. Mas senti uma enorme dificuldade em acompanhar o filho de Pedro Páramo na sua viagem a Comala.
Procurei opiniões sobre a obra e o autor.
Carlos Fuentes, Garcia Marquez, Jorge Luis Borges colocaram Pedro Páramo entre as obras-primas da literatura do seculo XX. Garcia Marquez afirmou que desde a Metamorfose de Kafka livro algum o tinha marcado tanto como aquele; abriu-lhe portas para Cien Años de Soledad. Para Borges é uma das melhores novelas da literatura mundial. Para a americana Susan Sontag foi um dos livros que mais influenciou o rumo da literatura na segunda metade do século.
Em revisita ao México, no início deste século, reli Pedro Páramo em Jalisco, berço do escritor. E novamente não atravessei a fronteira que me separa de Rulfo e da aldeia fantasmática de Comala.
Acompanho Kafka sem problemas, mergulho com alguma dificuldade no Ulisses de Joyce, mas Pedro Páramo fecha-me o caminho.
UM ESCRITOR DE TRÊS LIVROS
Juan Rulfo (1917/1986) escreveu apenas três livros, duas novelas, Pedro Páramo e El Gallo de Oro, e uma antologia de contos, El LLano en LLamas.
Convidado a explicar o porquê de obra tão curta, apesar do êxito mundial do primeiro livro, respondeu que temia repetir-se.
Recordei que críticos prestigiados sustentam que os grandes romancistas escreveram sempre o mesmo livro.
Rulfo nasceu em Sayula, nas margens de um lago mágico, em Jalisco. Teve uma infância angustiante. Aos 11 anos era órfão de pai e mãe, ambos assassinados, assim como os irmãos. Foi educado num orfanato. Começou a escrever para uma revista quando tinha 17 anos.
Pedro Páramo foi escrito em cinco meses aos 38 anos. O êxito foi imediato e internacional. Nos Estados Unidos teve 23 edições e vendeu 1.143.000 exemplares.
Rulfo, para surpresa dos seus admiradores, renunciou a publicar mais livros. Preferiu dedicar-se à fotografia e escreveu guiões para filmes. El Gallo de Oro, escrito em 1956, somente apareceu publicado em 1980. Foi tema de quatro filmes, um dos quais da iniciativa de Garcia Marquez e Carlos Fuentes.
Rulfo recebeu dezenas de prémios literários, entre eles o Nacional de Literatura do México e o Príncipe das Astúrias de Espanha.
Gostava muito de viajar e percorreu grande parte do mundo, intervindo em Congressos e outras reuniões internacionais, sobretudo de jovens.
UM LIVRO LABIRINTICO
Movimento-me mal no labirinto de Pedro Páramo.
Rulfo foi o criador daquilo a que mais tarde chamaram o realismo mágico, viragem literária cultivada por Garcia Marquez, José Maria Arguidas, Manuel Scorza e outros latino americanos.
Não consigo acompanhar-lhe o projeto, o pensamento, a mensagem.
A novela que o imortalizou principia com a evocação por Juan Preciado da ida a Comala em busca do pai, Pedro Páramo, cumprindo promessa à mãe moribunda.
Logo me perco, desorientado, quando o jovem entra na aldeia.
Sucedem-se ali estranhíssimos diálogos com diferentes personagens e com a mãe, Dolores.
As versões narrativas de Comala, da Meia-lua, das montanhas envolventes são contraditórias, incompatíveis, roçam o absurdo.
Juan, quase logo, percebe que se move entre mortos e que o presente entra ali pelo passado e o passado pelo presente.
Na aldeia espectral, o protagonismo é transferido para Pedro Páramo, morto há anos, o pai, latifundiário cruel, omnipotente, que ama, discursa e odeia como se vivo fosse.
São muitas as estórias intercaladas que atravessam a novela, estórias em que a primeira e a terceira pessoa alternam inesperadamente, desorientando o leitor. Perturbado, voltei sempre atrás a cada página, num esforço dorido para compreender, avançando e recuando, com as vozes dos mortos a ecoar nos meus ouvidos.
À sexta (ou sétima?) leitura apenas uma certeza. Sei que nunca atravessarei a fronteira que me separa de Juan Rulfo, de Pedro Páramo, da aldeia mítica de Comala e dos mortos que a povoam.
*Juan Rulfo, Pedro Páramo, Editora Cavalo de Ferro, 115 páginas, Lisboa 2004.
Serpa, maio de 2016
(Com odiario.info)
Comentários