O verdadeiro dilema é a falta de jornalismo
Roy Greenslade
Publicada originalmente no jornal The Guardian.
Há onze dias, foi fechado um jornal que servia à pequena comunidade de Laconia, no estado norte-americano de New Hampshire, depois de circular por 90 anos. O jornal, The Citizen, não teve como dar conta dos aumentos de custo da produção. Seu publisher tentou vendê-lo, mas ninguém se interessou em comprá-lo.
O fechamento não foi exatamente uma surpresa, pois a cidade de Laconia, com pouco mais de 15 mil habitantes, era a única servida por dois jornais ao norte de Boston. Portanto, a população ainda poderá se servir do Laconia Daily Sun, distribuído gratuitamente.
Mas o fechamento do Citizen levou o colunista Charlie Arlinghaus, do New Hampshire Union Leader, a “fazer uma avaliação crítica dos mitos em torno dos jornais, das notícias e do engajamento cívico”.
Embora seu curto texto não possa ser comparado a um hino aos prazeres do jornal impresso – e vá ser lido, com certeza, como uma polêmica contrarrevolucionária pelos aficionados do jornalismo digital –, ele levanta questões sobre o futuro do jornalismo que, por nossa conta e risco, preferimos ignorar.
“Ninguém recebe notícias do Twitter”, escreveu Arlinghaus. “Nem mesmo as pessoas que pensam que recebem.” E continuou: “Um dos mitos mais persistentes e irritantes sobre a coleta de informações e a reportagem vem do cara que fica agitando seu celular e dizendo: ‘Eu não leio jornais. Recebo todas as notícias do Twitter.’
Na realidade, o que ele está dizendo é que alguém que ele acompanha no Twitter, ou em qualquer outra mídia social, coloca links para matérias nos quais ele clica. Porém, em última instância, a reportagem não foi feita pelo blog que repercutiu a notícia ou pelo cara que colocou o link ou pela empresa de mídia social. Alguém leu o documento e escreveu a reportagem – ou colheu as informações – que nós voltamos a transmitir ou enviamos pelo Twitter ou por um link.”
Arlinghaus prosseguiu fazendo um pequeno histórico sobre o crescimento dos coletores de notícias com base em jornais naqueles tempos em que o jornal impresso lucrava com sua receita publicitária. Também mostrou como as emissoras de rádio locais dependiam dos jornais locais para sua produção.
“Há cerca de 20 anos, fui convidado para um programa de rádio local numa cidade de New Hampshire. Enquanto esperava que o programa começasse, percebi que estava sentado onde antes estivera o locutor que apresentava o noticiário.
Ele não deixara um roteiro no lugar porque não usava um roteiro. Em vez disso, eu tinha na minha frente a primeira página do jornal local com duas ou três frases de cada uma das quatro ou cinco matérias assinaladas em destaque.
Fiquei ali sentado enquanto ouvia a repetição da fita que haviam usado para a transmissão inicial e acompanhei as palavras em destaque no jornal, uma por uma – sem que qualquer crédito fosse dado aos repórteres ou ao próprio jornal. Os ouvintes não recebiam suas notícias pelo rádio. Em última instância, recebiam as notícias dos repórteres do jornal.”
Uma preocupação legítima
Na opinião de Charlie Arlinghaus, sem os repórteres do jornal “nenhuma das matérias locais teria sido levantada, impressa e retransmitida. Ninguém teria divulgado a matéria no Twitter”. Ninguém teria tido uma matéria para colocar no Facebook.
E aí vem seu principal argumento: “Muito se fala do declínio dos jornais, como se nos preocupássemos com as indústrias de papel e tinta. A verdadeira preocupação é a com a coleta de informações, e não apenas com a indústria que as publica. Pense no noticiário de rádio local.
Não faz muito tempo que muitas das emissoras de rádio locais no estado de New Hampshire tinham operações de coleta de notícias… Mesmo as pequenas emissoras poderia ter dois repórteres que não se limitavam a ler as matérias a partir de jornais ou de agências como a Associated Press, mas iam para a rua e faziam jornalismo por si próprios.”
Hoje, entretanto, as equipes jornalísticas de rádio foram atropeladas, assim como as redações dos jornais. O número decrescente de repórteres “empobrece-nos a todos”, escreve Arlinghaus. E ele conclui: “Mais pessoas fazendo a cobertura de mais assuntos tornam o governo mais responsável… O fechamento do Citizen não é só a troca de um velho método dando lugar a um novo. É uma advertência sobre um menor número de pessoas observando, um menor número de cidadãos ajudando a manter-nos livres.”
Concordo com Charlie Arlinghaus e já escrevi várias vezes sobre isso neste blog. As mídias sociais reagem à notícia, não a encontram. E a queda no número de coletores da notícia é uma preocupação legítima para nossas democracias. Na verdade, ele concorda com minha opinião: “Eu apoio a revolução digital. O que não suporto é a falta de jornalismo.”
(*) Roy Greenslade é professor de Jornalismo e mantém um blog no Guardian
(Com o Observatório da Imprensa)
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