"Comuna que Pariu!" Se o tempo fecha, nosso bloco manifesta
Heitor Cesar (*)
“Olha quem voltou
Quem sempre volta e há dez anos faz a festa
Na fresta do tempo, tempo fechou
Se o tempo fecha, nosso bloco manifesta…”
Assim o Comuna que Pariu abre seu samba de 2019. Celebrando os 10 anos de sua fundação e já deixando o recado de que em tempos difíceis o nosso bloco não se esconde, mas se manifesta. Os 10 anos do Comuna que Pariu são celebrados em meio a um dos piores momentos da história recente do país, certamente o mais difícil momento desde a redemocratização nos anos 1980.
O Comuna que Pariu, Bloco Revolucionário do Proletariado, como se autodenomina, foi fundado pela Juventude Comunista do PCB em 2009 como uma tentativa de organizar mais uma arma da crítica na luta de classes, inspirado e avançando na formulação poética de Paulo Leminski, que dizia que na luta de classes todas as armas são boas, pedras, noites e poemas.
O Comuna acrescenta o samba; na verdade não acrescenta, lembra, pois o samba em nosso país está intimamente ligado à luta do povo trabalhador, dos subúrbios, periferias, morros e favelas. Sob a inspiração de nomes como Paulo da Portela, Silas de Oliveira, Mario Lago, o Comuna surgiu como uma intervenção cultural, um bloco que no carnaval e além dele se apresentaria como uma voz a serviço das lutas, uma voz que falaria sério brincando e brincaria falando sério.
O Comuna assim chega aos seus 10 anos, com um samba forte, compreendendo o momento histórico, de ofensiva do conservadorismo e de retiradas de direitos, de ameaça do fascismo e da tentativa de imposição do medo. Mas, mais uma vez, o Comuna agita seu estandarte, levanta a bateria e dispara seus versos dizendo:
“A gente transforma o luto em
luta” a alerta, “Cuidado,
Jesus Morreu do nosso lado”.
Contra o medo, o preconceito, a retirada de direitos e toda essa “mania de passado”, o Comuna canta a resistência dos trabalhadores e trabalhadoras. “Tire o seu fascismo do caminho, Nem um passo atrás, ô abre alas.
Não vamos voltar pros armários, fogões e senzalas!”. O Comuna também presta uma homenagem a símbolos de nossa luta que permeiam nossa resistência. “Eu sou Comuna, eu sou! Ninguém vai me calar . Sou resistência, sou cultura popular. Somos os campos, centros, guetos e favelas Zumbis, Dandaras, Marielles, Marighellas.”
E, assim, o Comuna chega aos seus 10 anos, falando alto, com repiques, surdos, tamborins, chocalhos, caixas e cuícas como armas e um samba poderoso para organizar a luta nossa de cada dia.
O carnaval vai passar e 2019 promete ser um ano difícil. Uma das nossas várias tarefas esse ano é impedir que a quarta-feira de cinzas se estenda por todo o ano, é impedir que o passado se imponha ao presente e apague a perspectiva do futuro.
O cinza vai encontrar a resistência do vermelho, da classe trabalhadora e, como o próprio samba do Comuna canta, “a gente é foda, parabéns pra todos nós”. Parabéns Comuna… que venham mais 10 anos de sambas, de sonhos e de lutas… Comuna que Pariu, uma verdadeira arma da crítica.
Um pouco da história do Comuna
O Comuna, desde sua fundação, buscou retratar em seus sambas e carnavais importantes lutas do nosso povo, com irreverência, mas sem perder a seriedade que tais temas demandam. Assim o Comuna falou da luta pela Anistia e como a anistia foi capturada anistiando também o torturador; bradou que o Petróleo ainda tinha de ser nosso, protestando contra as privatizações das bacias de petróleo e da própria Petrobras; gritou que éramos todos sem terra e abraçou a luta dos camponeses e trabalhadores rurais pela reforma agrária; lutou contra as remoções, celebrou Oscar Niemeyer e chegou a sua maturidade como bloco, ao constituir sua própria bateria, carinhosamente chamada de A Maluca.
Passou a ser organizado pela Base de Cultura do PCB e apareceu totalmente novo em 2014 cantando e protestando contra as obras da Copa e os desvios da turma do Cabral, falando em alto e bom som: “Taco Pedra, Faço Greve, Levo Bala de Borracha, Chuto Bomba o ano inteiro, mas não tiro o pé da praça, remoção pra tirania, cada baqueta é um fuzil, a Revolução foi a copa que pariu!”, samba que foi cantado nas manifestações durante a Copa da Fifa.
Assim, o Comuna com cinco anos ganhava o imaginário e as ruas do Rio, se tornando mais que um Bloco, uma referência de resistência cultural e de luta por uma sociedade mais justa cantando as aspirações do nosso povo:
“Em vez de estádios quero ter mais hospitais, vandalizado pela miséria e exploração, o povo tem que caminhar lado a lado, pra mudar todo esse estado e melar qualquer tapetão”.
O Comuna em 2015 mostrou que, se alguns achavam que tinha chegado no teto como bloco de esquerda no carnaval, rompia o teto e dava um salto dialético na festa e na luta apresentando o carnaval “Lugar de mulher é onde ela quiser”. O Comuna denunciou que o machismo podia ser a agressão como piada sutil e que devia ser combatido por todos nós e celebrou a memória da luta “Lembra daquele Carnaval no Soviete, Bloco na rua, nossa greve em 17, Tinta vermelha e lilás na nossa cara, Somos Anita, Rosa, Olga e Clara… Satanás e bruxas, abortando o capital, camaradas, nossa luta é Internacional”.
Em 2016 o Comuna apresentou seus instrumentos a serviço da luta contra o racismo, num evento que marcou o carnaval. O samba repleto de homenagens rítmicas à luta dos negros e negras denunciou tanto o racismo mais duro e sem maquiagem presente em nossa sociedade, como o racismo camuflado e disfarçado numa suposta democracia racial. O Comuna se apresentou dizendo “Você notou que esses versos têm cor, a cor do negro trabalhador”, “Nosso samba é na raça, quizomba, arruaça, Catando latinha no canto da praça, Mordendo mordaça, No cativeiro, no porão, No convés, na remoção. Adivinhaí quem chegou, Na praia escravizado, (Advinha quem chegou de 474), Adivinha a carne mais barata do mercado, Diz quem foi o braço desse Estado, E ainda é… resistência popular!”
O samba ainda cantava a memória de Zumbi, Minervino, Claudino, Solano Trindade e Clementina de Jesus e prestava homenagem a Cláudia, mulher morta pela polícia no subúrbio do Rio e a Rafael Braga, preso injustamente pela polícia do Rio.
Em 2017 o Comuna trouxe a luta contra toda forma de opressão e preconceito, cantando a diversidade sexual e a luta contra a LGBTfobia. “As bi, as Gay, as Trans e as sapatão, Tão juntas no Comuna pra fazer revolução”. O Comuna escancarou o debate e sem pudor abriu a polêmica com o conservadorismo e suas visões de mundo.
O samba do Comuna traz bandeiras do movimento LGBT e as conecta com a luta de classes: “Olha aí/ sempre fui parte dessa história …/ Olha, ninguém apaga minha memória/ Sou trabalhadora, sou guerreira (…)/ Quero pra vida, bem além do carnaval/ O direito de existir / quero meu nome social!”. Em 2018 o Comuna trouxe o cotidiano da classe trabalhadora, seus dramas e sua luta, o cotidiano de quem sofre com a intensificação da precarização da vida. Precarização que ganha contornos dramáticos com a retirada de conquistas históricas de nossa classe.
O Comuna então cantou “Chegou o Comuna, bando de trabalhador”, e esse bando de trabalhadores ocupou as ruas do Rio cantando “E agora, Maria? E agora, José? Roubaram teu sonho, venderam tua fé. Futuro, promessa, passaram a mão, Na bunda da população… Vambora Maria, vambora José. Viver pra mudar nossa história, Vermelha vitória, desbanca burguês. Ó nós aqui outra vez” E para quem dizia que em tempos difíceis não devíamos “brincar” o carnaval, o Comuna respondia “Revolução e carnaval É coisa nossa, nossa classe construiu” e bradava para todos escutarem, amigos e adversários, companheiros e inimigos “Além da Dor, também nos une o Amor” e partia para a luta.
Agora em 2019 o Comuna, em seus 10 anos, chama a todos para se manifestarem em tempos sombrios e ocuparem as ruas, fazer a resistência e lutar pelas “coisas da vida que a esquerda disputa”.
Comuna Que Pariu! 2019 Sambamos, amamos, resistimos e lutamos E que venham mais 10 anos! Compositores: Bil-Rait “Buchecha”, Belle Lopes, Luiz Guilherme “LG”, Raquel Fragoso, Carol Soares, Hildebrando Saraiva, Marina Castro, Rian Rodrigues, Valentina Sofia, Filipe Boechat, Bruna Távora, Arthurito e Havana da Chuquinha:
Olha quem voltou
Quem sempre volta e há dez anos faz a festa
Na fresta do tempo, tempo fechou
Se o tempo fecha, nosso bloco manifesta
Os sonhos que costuram a fantasia
De que um dia chegue o dia de tornar realidade
As coisas da vida que a esquerda disputa
A gente transforma o luto em luta
Cuidado, Jesus morreu do nosso lado!
Tire o seu fascismo do caminho,
Nem um passo atrás, ô abre alas
Não vamos voltar pros armários, fogões e senzalas!
Eu sou Comuna, eu sou!
Ninguém vai me calar
Sou resistência, sou cultura popular
Somos os campos, centros, guetos e favelas
Zumbis, Dandaras, Marielles, Marighellas
Seu moço, seu caso é descaso
Por ódio que gera revolta e dor
Seu moço, seu riso é atraso
Meu grito é forjado no amor
Respeita nossa história
Ser comunista é a nossa decisão
Seu circo tá armado, e nós na mão
Na mão um do outro hasta la revolução
Ginga, “Maluca” iá-iá, que o nosso dia chegou
Sinhô vai ter que engolir o som do nosso tambor
Ginga, “Maluca”, encanta e canta numa só voz
A gente é foda, parabéns pra todos nós!
(*) Membro Comitê Central do PCB e um dos fundadores do Comuna que Pariu!
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