Independência e educação
Carlos Lúcio Gontijo
Nada nos incomoda mais que assistir a descaso governamental tão explícito no tocante à educação quanto a esse que ocorre em Minas Gerais, onde os professores estaduais de ensino fundamental e médio estão em greve desde 9 de junho e o governo se recusa a agir como magistrado, optando por atear, com o seu dar de ombros, na base do não estou nem aí, mais fogo na fervura da radicalização.
Não conseguimos absorver tamanho desleixo dos políticos, o silêncio comprometedor dos meios de comunicação mineiros e a letargia das demais autoridades estaduais constituídas, que talvez por não possuírem filhos nem netos em escola pública não se movem no sentido de colocar término ao impasse, agindo como se a educação não tivesse significado algum para a sociedade, que dela necessita como fator decisivo tanto para a construção do país quanto para o sucesso individual e coletivo dos cidadãos.
Reconhecidamente, o Estado deveria ser o promotor de constantes exemplos, em vez de patrocinar, como acontece em Minas Gerais, a ideia de que os professores são profissionais de segunda categoria ou não merecedores da devida valorização salarial, devendo exercer sua função indispensável à sociedade brasileira como se não passassem de uma espécie de missionários franciscanos, predispostos a sobreviverem a pão e água.
Não foi só a internet que tirou dos grandes veículos de comunicação o monopólio da notícia e da formação de opinião, pois houve nos últimos anos a propagação e abertura de vagas no ensino público fundamental e a consequente formação de cidadãos mais conscientes e menos dispostos a servirem de simples massa de manobra de imprensa metida em máscara partidária ou de maus políticos, que aos poucos vão descobrindo que não têm como se apresentar como tutores de trabalhadores ou comunidades, que estão saindo da inércia advinda da ignorância. Estamos prestes, enfim, a contarmos com povo razoavelmente educado, abrindo mão da necessidade de eternos representantes e porta-vozes dos esquecidos, pois brevemente todos os brasileiros, tocados por si mesmos, procurarão se organizar para reivindicar seus direitos, conscientes de que a miséria e a desigualdade não são desígnios de Deus, mas projeto traçado pela ganância excludente dos homens.
Ainda há muito que ser feito em matéria de educação no Brasil, mas a universalização do ensino fundamental, ainda carente de qualidade abrangente, é o primeiro passo. Governar para a próxima geração, mais que nunca, é basicamente investir no processo educacional brasileiro, com reflexos futuros em todos os setores da vida em comunidade, pois um povo consciente acaba conquistando a tão esperada democracia econômica através de melhores salários pagos à mão-de-obra especializada, zelando por sua própria saúde, cuidando de sua higiene e, pela autodeterminação, liberta o país e ungi de asas a democracia social, presa aos grilhões da ignorância, que é a fonte de toda a desigualdade e má distribuição de renda e riquezas.
Vem aí a comemoração do Sete de Setembro, que nos remete à independência do Brasil, que depende cada vez mais do conhecimento e nível educacional ostentado por sua gente. O momento, portanto, é de reflexão, pois podemos afirmar que todo o aperfeiçoamento do processo democrático se acha dependente do incremento de nosso sistema educacional, por intermédio do qual se erguerá no país uma ordem econômico-social em conformidade com os princípios de justiça, conciliando liberdade de iniciativa capitalista com a valorização do trabalho humano, que assim exprimirá com fidelidade o enunciado “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, firmado em todas as nossas constituições desde a de 1822.
Para fecharmos o artigo, em reconhecimento a tudo que devemos aos mestres da educação, principalmente aos do ensino fundamental, deixamos o poema que fizemos, há alguns anos, em homenagem à nossa primeira professora, Clélia Souto, que à época lecionava no Grupo Escolar Waldomiro de Magalhães Pinto, na cidade de Santo Antônio do Monte, Centro-Oeste de Minas Gerais, intitulado “A Professora”: Queria a rara mão protetora/ Da inesquecível primeira professora/ Sobre a minha ignara mão aprendiz/ A vida é feliz e incerto bê-á-bá/ Sempre há algo de novo no horizonte/ Um aprendizado que de nós se esconde/ Fazendo-nos eternas crianças inocentes/ Então, como simples e virtuais sementes/ Imploramos novamente pela mão cultivadora/ De alguma iluminada e gentil professora/ Pois a existência material não passa de quinhão/ Que só se transforma em riqueza espiritual/ À medida que absorvemos a grandeza da lição.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
Comentários