DÍDIMO PAIVA


                                     

A profissão como paixão

José Cleves (*)

Passos de uma paixão – Dídimo Paiva e a dignidade no jornalismo, de Tião Martins e Alberto Sena, e Um bunker na imprensa, coletânea de artigos organizada por André Rubião, Conceito Editorial
          
Chega esta semana às bancas a segunda edição da obra dupla com o perfil biográfico e uma pequena amostra dos milhares de artigos que o jornalista mineiro Dídimo Paiva publicou ao longo de mais de 60 anos, intitulada Passos de uma paixão – Dídimo Paiva e a dignidade no jornalismo, escrito por Tião Martins e Alberto Sena, e Um bunker na imprensa, uma coletânea de artigos organizada por André Ribião. O selo é da Conceito Editorial.

Não se trata de uma obra qualquer. É o que esse jornalista de 84 anos fez e escreveu durante toda a sua vida com uma independência rara nos dias de hoje. Deu ao fato político-cultural e social do país o que ele merece, com reflexões futuristas e corajosas. Uma contribuição tão grande para o jornalismo crítico e sindical – as questões trabalhistas e o ofício de reportar fatos sempre foram o seu foco – que o considero um visionário de todas as fases da comunicação manuscrita, tipográfica e computadorizada da imprensa brasileira. Seus textos antigos têm a mesma concisão e lucidez dos modernos que são extraídos de ferramentas que na sua mocidade não existiam.

Um fenômeno da comunicação, esse é o termo correto para definir Dídimo Paiva. “Escrevo desde pequeno”, ele justificou ante a minha admiração pelas maravilhas de seus artigos registrados na coletânea. Essa obra-prima deve ser um livro de cabeceira para todos os jornalistas, políticos, estudantes e historiadores interessados em compreender um pouco o que ocorreu no passado na análise deste crítico contumaz que levou a vida catando informações discernidas pelo cérebro privilegiado de quem nunca deixou escapar nada ao seu redor.

“Consciência das massas”

O curioso nos seus artigos, que chegaram à grande imprensa em meados da década de 1940 (falo de seus artigos, e não dos editoriais que escreveu durante mais de 40 anos e que não constam da coletânea porque não eram assinados), é que não há sequer uma citação roubada. Os pensamentos que não lhe pertenciam tinham o crédito do autor, uma forma de bibliografia contextualizada no corpo da matéria escrita sem usurpação de pensamentos. 

Esse cuidado com o tratamento de ideias alheias revela o seu lado ético, o mesmo adjetivo que fez dele um profissional incorruptível e totalmente independente. Analisava os fatos conforme as suas convicções e opinava sem favores. Uso o verbo no passado porque atualmente Dídimo aposentou os dois dedos indicadores que utilizava para datilografar nas antigas máquinas de escrever e nos atuais computadores, com os quais travou uma guerra desigual.

Apenas para ilustrar a riqueza de pensamentos deste meu amigo, cito o artigo que ele publicou no jornal Estado de Minas, onde passou a maior parte de sua carreira de repórter e editorialista, intitulado “Os monstrengos do arbítrio ainda sufocam a liberdade de informação” (junho de 1983, página 195 da coletânea). O Brasil vivia os derradeiros momentos da ditadura militar e falava-se muito em democracia liberal, a que viria no próximo governo civil que tomaria posse em 1985 e que eu acompanhei de perto em Brasília na cobertura diária de seus palácios (Alvorada, Planalto e Buritis).

Sobre o tema, Dídimo cita Álvaro Vieira Pinto e Perseu Abramo que falam sobre o controle da opinião pública e os meios de comunicação de massa – a TV como o mito da informação etc. Nesta leva, cita a televisão como um instrumento de comunicação de massa a serviço do Estado e do capitalismo. O velho jornalista fala em um dos trechos de seu artigo “que numa sociedade regida pelo consumo como a nossa os instrumentos de comunicação são usados para direcionar a consciência das massas e que o povo fica à mercê dos oradores dos partidos oficiais”.

Falsas reportagens

Sobre o consumismo, Dídimo escreveu, no artigo“Ética e a morte da Princesa” (1997, p. 94), a seguinte frase de Mathew Parris (Times), citada por Alberto Dines: “No lugar de jornalismo como processo de elevação cultural, surgiu um bruxo chamado mercado que mascara as vilezas com seu abominável mote – viver é vender.”

Algo tão verdadeiro como atual (o assunto era o baixo jornalismo da mídia impressa para vender mais) porque tudo continua como antes nesta competição de mercado, até mesmo no sistema político brasileiro, tanto nas eleições proporcionais como nas majoritárias, onde a escolha do eleitor fica restrita aos candidatos que lhe são impostos pelas siglas partidárias.

Era assim e continua assim. Os jornais de papel e as revistas, que tiveram uma queda drástica na venda de seus exemplares, estão agora negociando opinião fora do mix publicitário. Ou seja, o produto vem em forma de reportagens – muitas delas pagas com dinheiro do consumidor – para enganar a opinião pública. É uma fraude política, porque por trás desta manobra estão prefeitos, governadores e presidentes – assim como deputados, senadores e vereadores – eleitos conforme escolhas prévias dos partidos, via-propaganda eleitoral extemporânea, pela conveniência de um sistema que dá ao povo o direito de escolha após um processo seletivo no mínimo duvidoso. Aos milhões de eleitores de cidades dos grandes centros metropolitanos, por exemplo, são apresentados dois a três candidatos para serem escolhidos para governá-los.

Princípios básicos

A maioria destes políticos é fabricada pela mídia, que continua enfiando produtos de péssima qualidade goela abaixo do povo. Quando se trata de uma mercadoria sem alma, o consumidor descarta logo e a má fama da marca leva a propaganda à desgraça. Mas políticos não enguiçam à vista do povo. São dissimulados e acobertados pela imprensa bandida que leva o seu e deixa a cria arruinando o país porque o que interessa para os donos dos veículos de comunicação de massa mal intencionados é o enriquecimento a qualquer preço. Foram eles que fabricaram os falsos mitos que fizeram guerras, confiscaram a economia do povo e levaram muitos países à desgraça profunda.

É por essa e outras razões que recomendo a todos essa obra maravilhosa deste baluarte da imprensa brasileira que os donos da imprensa e os políticos nunca enganaram – e ele, especialmente, nunca vendeu gato por lebre a seus leitores pelo simples fato de ser um jornalista nato. Quem almejar ser pelo menos a sombra de Dídimo Paiva, deve seguir à risca os artigos 2º e 5º dos dez princípios adotados pela imprensa da Alemanha pós-Hitler (p.99 da coletânea em epígrafe):

“Preservação da independência, respeito à verdade, informação confiável ao público mediante verificação das fontes de notícia e retificação das publicadas erroneamente.”

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(*) José Cleves é jornalista e escritor, Belo Horizonte, M. (Com o Observatório da Imprensa)

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