Julgamento do mensalão
Falta alguém no banco dos réus
Jeferson de Andrade (*) em 28/08/2012 na edição 709
Não esperei sete anos para proceder uma análise e, por que não, um julgamento a respeito do mensalão, o escândalo ocorrido dentro do Palácio do Planalto, em Brasília, em 2005, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Recordo-me perfeitamente. Era um sábado. Abri o jornal e lá estava o escândalo. E já na primeira notícia, revelando como principal personagem do escândalo o ministro da Casa Civil, José Dirceu.
Havia votado em Lula. Depois de um governo de Fernando Henrique Cardoso com o escândalo da compra de votos para a aprovação de reeleições presidenciais, não havia alternativa de não se votar no PT oposicionista. Mesmo sabendo que uma de suas cabeças era José Dirceu. E desse eu desconfiava desde muito, pois, companheiro de José Ibrahim, foi trocado pelo embaixador sequestrado e voaram juntos para o exílio. Tive a felicidade de trabalhar com José Ibrahim em São Paulo, que conheceu esse José Dirceu mais a fundo e dele nunca disse boa coisa. O mínimo que Ibrahim me disse era que Dirceu sempre escondia tudo. E hoje sabemos que até a cara da própria mulher.
O Lula foi uma aposta, mesmo sabendo-o aliado desse José Dirceu que manipula o PT desde sempre. Em 2005, depois de farsescas entrevistas de Lula, fingimentos, declarações fantasiosas, pedidos de desculpas e tantas tramoias armadas por marqueteiros de plantão, ou segundo a intuição primitiva do ex-líder sindical, não tive dúvidas: Lula repetia FHC e dois eleitos a partir de São Paulo representavam, sim, a fina flor da política malandra, corrupta. Com Maluf, tudo farinha do mesmo saco, a partir da avenida Paulista.
Engana-me, que eu gosto
Em 2005 mesmo, comecei a escrever um romance, publicado em 2007. Nele, um personagem, às vésperas de completar cem anos, morre e a filha determina que a morte foi por depressão. Depressão causada pelo escândalo do mensalão, já que o personagem era petista. O verdadeiro personagem principal da história sai de Belo Horizonte e vai à sua cidade natal, à beira do lago de Furnas, no Sul de Minas, para o enterro do avô. E a partir daí faz uma viagem pela história do país, retornando ao governo Getúlio Vargas, passando por Jânio Quadros e outros. No governo Jânio Quadros, ele descobre que o próprio pai, janista fanático, talvez tivesse se suicidado, decepcionado com a renúncia do presidente apenas sete meses após eleito. Personagem, filho e neto, expõem então a sua própria decepção com Lula e outros governos. Expõem as dores próprias e de amigos nos tempos da ditadura. Relatam, paralelamente a posições políticas, seus desamores, a falha como marido, amante e também, por fim, como pai.
Escrevi um livro de inúmeras perdas. E enganos, frustrações, fracassos. Como pano de fundo, nossa história de desgovernos, com ditadura de Getúlio Vargas, equívocos de JK, tão endeusado, Jânio, Jango, militares assassinos, democracia com corrupção e escândalos, tipo mensalão de Lula. O título do livro não poderia ser outro: Nunca Seremos Felizes. Editado por uma falida empresa do ramo livreiro de Belo Horizonte, desorganizada e amadora, não só o livro sumiu como também a própria editora. Num antigo endereço, nem sombra há do que antes foi um escritório.
Restam exemplares em oferta de sebos espalhados pelo país. Mas acho que leitores, imprensa, críticos, quem mais se interessa por livro, não desejam saber de uma obra com o título Nunca Seremos Felizes. Pois bem, ocorre-me a expressão popular: engana-me, que eu gosto. Como jornalista e escritor, com 50 anos de atividade, sempre mantive a preocupação de expor a face cruel da nossa realidade. Existe expressão mais usada no jornalismo mundial?
Juristas cochilando
Assim, agora, 2012, agosto, acontece o julgamento de José Dirceu e sua quadrilha, faltando logicamente no banco dos réus, o maior beneficiado pelos crimes, o ex-presidente Lula. Aliás, o advogado de defesa de Roberto Jefferson que denunciou o escândalo, também fez a mesma afirmação.
Qual será o resultado final do julgamento? Aprendi a não confiar no Judiciário do país, certamente um dos lados do poder menos investigado e por isso mesmo com todos os seus escândalos e falsidades ainda engavetados. Há muitos anos escrevo que uma das primeiras reformas a ser realizada no país seria a Reforma do Judiciário. Não há interesse.
O meu livro parece que continuará inédito, mesmo nos sebos. Ninguém gosta de perceber que vivemos num país fracassado, primário, num país com uma história suja, feita nos charcos e pocilgas. Por exemplo, um Congresso vendido criou uma Lei da Anistia e por aí, torturadores e criminosos são perdoados. Ninguém quer revogar o absurdo da Lei votada no fim da ditadura militar.
Meu personagem envelhecido morreu e deixou de herança ao neto a máxima para esse país de leis feitas por “foras da Lei”: nunca seremos felizes. Acreditar em quê? Não me venha com deus, pois sou ateu. Judiciário? Aguardo o fim do julgamento da quadrilha chefiada por José Dirceu. Sentado, para não me cansar. Talvez cochilando, como os nobres juristas do STF em certos períodos do julgamento como já foram fotografados.
(*) Jeferson de Andrade, jornalista e escritor com 13 livros publicados, proprietário e editor do jornal de bairro Folha do Padre Eustáquio, Belo Horizonte]
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