Nossa caçada fatal
Carlos Lúcio Gontijo
Tenho medo de não agradar. De não ser a luzidia porta aberta que a pessoa esperava ao ir ao meu encontro. Procuro cobrir falta de abraços, descobrir necessidades. Almejo equilibrar minhas vontades com o anseio de quem me acolhe (ou me escolhe). A vida nos cobra o mesmo gozo do amor: de que me vale sentir prazer sozinho?
Nada quero de inteiramente meu quando se trata de bem material, pois indivisível mesmo apenas o que a minha alma absorve e transforma em enriquecimento ou aprendizado do meu espírito, que é um bem invisível pertencente ao Criador. Afogo-me em descontentamento cada vez que me deparo com quem se coloca em posição maior do que aquela que verdadeiramente ostenta. Todos nós, sob o império do livre-arbítrio, temos a idêntica dimensão do passo de nossas atitudes. Ninguém é grande nem pequeno, pois não passamos de sombra óssea a ser materializada nas planícies do Criador.
Os personagens bíblicos de maior realce se situam nas hostes do abrir mão. São José se doou ao desprendimento de entregar a paternidade de Jesus Cristo ao Divino Espírito Santo; Maria, a Nossa Senhora, abriu mão de plena felicidade maternal em prol da missão que Deus reservou a seu filho Jesus Cristo, que por sua vez abriu mão da vida terrena em benefício da salvação da humanidade; enquanto Deus, o grande arquiteto, abriu mão de seu filho, a fim de marcar, na carne, a sua presença entre nós. Em síntese, a Bíblia não reserva grandes espaços para aqueles que se fizeram guiar pelo egoísmo, pela traição e pelo individualismo fertilizador de discórdias e desigualdades.
Não importa quanto você crê ou descrê, uma vez que Deus não se limita nem depende do que você proclama. Ou seja, Deus é abrigo divino e aberto a todos – inclusive aos que Dele duvidam. Não há ser humano algum, que possa enganar aos que lhe rodeiam com mentiras que jamais sejam descobertas, porque o bem ou o mal que semeamos, ao longo de nossa jornada, um dia floresce e nos revela, com límpida e explícita clareza, derramando em olhos alheios o que realmente somos.
Escapa-me a noção de tempo (e do tempo), mas sei que tudo o que sou é graças a cada uma das pessoas com as quais eu convivi no transcorrer de minha vida. Aqui em Santo Antônio do Monte, cidade à qual retornei depois de 40 anos, por desígnio intimista de quem busca se entregar ao que verdadeiramente é, percorro ruas e lugares com olhar (e olhares) de oração e agradecimento a cada uma das pessoas com as quais tive a oportunidade de conviver e que me deram (e passaram) lições de fraternidade, princípios éticos, moral (moralidade é outra coisa!), lealdade e, principalmente, amor e respeito à família, sem a qual não há a menor chance de agradar a Deus, que por divina sabedoria, optou por dar a Jesus Cristo a experiência de nascer em um LAR humano, talvez o sustentáculo da Igreja e da Fé, pois sem família tudo enseja infelicidade e desesperança – tudo é crucificação!
Ou seja, perdemo-nos no desapreço pela vida, ferimo-nos na violência, menosprezamos a família, deixamos de vislumbrar no outro a nossa própria face e, sem a prática do amor ao próximo, nossos passos se rumam à perda do indispensável repouso ao voo de nossos sonhos e, com os nossos corpos cansados, esquálidos, caminhamos para a extinção, como qualquer outro animal que perseguimos e, insensivelmente, matamos florestas afora, com uma grave diferença: nós que nos elevamos à condição de animais racionais estamos caçando (e eliminando) a nós mesmos!
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
Secretário de Cultura de Santo Antônio do Monte/MG
www.carlosluciogontijo.jor.br
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