Wikileaks: Para EUA, envolvimento de papa com ditadura enfraquecia crítica aos Kirchner
Documento sobre o assunto foi elaborado pela embaixada
norte-americana em Buenos Aires em outubro de 2007
O envolvimento do então cardeal Jorge Mario de Bergoglio com os crimes cometidos pela ditadura argentina enfraquecia as suas críticas sobre as decisões políticas e econômicas do governo Kirchner, na opinião da embaixada norte-americana em Buenos Aires. A revelação sobre o novo papa, que escolheu o nome Francisco para usar em seu pontificado, foi feita pelo site Wikileaks em 2011, com base em telegrama original datado de 11 de outubro de 2007.
Poucos meses antes, em maio de 2007, o governo de Nestor Kirchner era muito criticado dentro da Argentina e o presidente não sabia se concorreria à reeleição ou se lançaria sua esposa, a então senadora Cristina Kirchner, como candidata. A ideia era esperar o máximo possível e só anunciar a candidatura em julho daquele ano.
Greves de professores na província de Santa Cruz que causaram a renúncia do governador local em 9 de maio, um escândalo de corrupção envolvendo vários ministros e tensões públicas com a Igreja Católica eram alguns dos desafios dos Kirchner. Segundo telegrama da embaixada dos EUA vazado pelo Wikileaks, uma das vozes mais críticas ao governo era a do cardeal Bergoglio.
As relações entre o governo Kirchner e a Igreja pioraram quando o ex-bispo Joaquín Pina impediu que Carlos Rovira, governador kirchnerista da província de Misiones, conseguisse uma mudança na lei aprovando a reeleição sucessiva. A proposta foi derrotada por mais de 13 pontos percentuais. Kirchner, à época, chegou a declarar que “Deus não tem partido” e, portanto, a igreja não deveria se meter na política.
Bergoglio disse que a Igreja não deveria se envolver com a política de modo oficial, mas apoiou a campanha liderada por Pina. O então cardeal também expressou preocupação com o “enfraquecimento das instituições democráticas argentinas” e com a crescente concentração de poder na mão dos Kirchner. Durante a greve dos professores em Santa Cruz, um bispo agravou ainda mais a crise entre governo e Igreja ao dizer que os Kirchner tratavam como “inimigos” aqueles que pensavam diferente do governo.
Relação com ditadura
Nascido em 1936, Bergoglio tinha 40 anos quando os militares argentinos destituíram à força o governo de Isabel Perón e instauraram uma ditadura militar. O cardeal Bergoglio, assim como muitos religiosos com idade semelhante, é acusado de não ter trabalhado para evitar a morte de mais de 30 mil argentinos – muitos deles, militantes de esquerda – entre os anos de 1976 e 1983.
Bergoglio teria falhado especialmente em não proteger as vidas de dois colegas da Ordem dos Jesuítas que eram opositores da ditadura argentina. Orlando Yorio e Francisco Jalics foram levados para a Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA) em 23 de maio de 1976, onde foram presos e torturados pelos órgãos de repressão do governo Jorge Videla, segundo o livro O silêncio, do jornalista Horacio Verbitsky.
Segundo documentos encontrados por Verbitsky, ao entregar o pedido de renovação do passaporte dos dois colegas, Bergoglio teria comentado com um responsável militar que esses dois colegas jesuítas, ligados à Teologia da Libertação, teriam contato com guerrilheiros de esquerda. Essas informações teriam contribuído para o sequestro e detenção ilegal de Yorio e Jalics. Ambos ficaram cinco meses detidos, entre maio e outubro de 1976.
Outros casos
A colaboração de religiosos com o regime do general Videla não se restringe a Bergoglio. Christian Von Wernich era um capelão da polícia de Buenos Aires – então subordinada às Forças Armadas – e foi condenado à prisão perpétua em 9 de outubro de 2011 pela participação em 7 assassinatos, 31 casos de tortura e 42 sequestros. A Justiça argentina considera que Von Wernich tenha desempenhado papel fundamental no esquema de repressão criado pela ditadura militar vizinha.
Von Wernich é o terceiro ex-militar e a primeira autoridade eclesiástica a ser condenada pela participação em crimes cometidos pela ditadura argentina desde 2005. Isso aconteceu após a Suprema Corte argentina ter declarado que a imunidade trazida aos militares pela lei de anistia era inconstitucional. A sentença contra Von Wernich foi comemorada pelos ativistas de direitos humanos e pelos familiares das vítimas da repressão militar.
Logo após o veredito do caso Von Wernich, a Arquidiocese de Buenos Aires emitiu um comunicado no qual ela pede a Von Wernich que “se arrependesse dos crimes e pedisse perdão publicamente. A arquidiocese se dizia “perturbada pela participação de um dos seus membros em crimes tão graves".
De acordo com a embaixada norte-americana, a Arquidiocese se defendeu dizendo: “Muitos na esquerda alegam que a Igreja Católica é cúmplice dos crimes cometidos pelo Estado e que ela não se pronunciou ou prestou contas dessas ações contra os opositores do regime Videla, mas ela tem se afastado das operações não autorizadas de religiosos dissidentes e criminosos, colaboradores de um regime de exceção”. (Com Opera Mundi)
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