Os excrementos da casa-grande
Carlos Lúcio Gontijo
“Casa-Grande & Senzala” (de Gilberto Freyre) deveria ser livro de leitura obrigatória, para que entendêssemos melhor a nossa sociedade, que carrega o peso de ter sido a última do planeta a pôr fim à escravidão negra: "Ao escravo negro se obrigou aos trabalhos mais imundos na higiene doméstica e pública dos tempos coloniais. Um deles, o de carregar à cabeça, das casas para as praias, os barris de excremento vulgarmente conhecidos por tigres. Barris, que nas casas-grandes das cidades ficavam longos dias dentro de casa, debaixo de escada ou num outro recanto acumulando matéria. Quando o negro os levava é que já não comportavam mais nada".
Basta ler Gilberto Freyre para que compreendamos a falta de higiene que nos conduz à insuperável dificuldade com a dengue ou ao desapreço de nossas autoridades para tudo que diz respeito à cultura e à democratização da educação de qualidade.
Fala-se tanto em violência e desrespeito aos professores em salas de aula, mas a realidade insofismável é que a falta de valorização dos profissionais da educação pelos governantes é tamanha, que sinaliza aos alunos o caminho do desrespeito aos educadores.
Estamos no ambiente cultural e jornalístico desde o ano de 1977, quando editamos nosso primeiro livro e conseguimos emprego em meio de comunicação impressa, que se viu sufocado pela internet precisamente por não ter compromisso com a divulgação mais aprofundada da notícia, optando por competir com a televisão e a comunicação virtual naquilo em que elas são imbatíveis: a imagem.
Assim, os jornais e revistas se encheram de fotos e diminuíram o espaço reservado aos textos, chegando ao disparate de repetir manchetes e informações (sem qualquer análise mais apurada) já divulgadas pelas emissoras de televisão e pela internet.
Dessa forma, os jornais não obtiveram sucesso na atração dos “leitores de figurinhas” e ainda perderam os leitores mais cultos, que não aceitaram o baixo conteúdo. E assim, paulatinamente, fomos assistindo ao fechamento de vários jornais de tradição, que não resistiram à notória fuga do público leitor. Para não irmos longe, citaremos apenas os jornais em que trabalhamos e não mais existem: Diário de Minas, Jornal de Minas, Tribuna de Mariana e Diário da Tarde, um veículo fundado no dia 14 de fevereiro de 1931 e que foi “extinto” em junho de 2007, no qual trabalhamos durante 30 anos.
A elevada desconsideração pela área cultural pode ser dimensionada por pesquisa oficial relativa ao ano de 2014, que nos revela um quadro para lá de draconiano: 92% dos brasileiros não costumam ir a exposições de arte; 91,2% não vão a espetáculos de dança; 88,6% não frequentam o teatro; 80,6% não vão a shows de espécie alguma; 73,7 não vão ao cinema e, ainda mais grave e desanimador, 70,1% da população não leem livro e não estão nem aí para a possibilidade de adquirir cultura, sensibilidade e conhecimento por intermédio da literatura.
É por essas e outras que o povo brasileiro (todos nós) é facilmente manipulado pela mídia partidária e sempre disposta a defender o interesse de grupos hegemônicos ligados às famílias que têm o comando dos meios de comunicação. Não é por razão diferente que os nossos congressistas, que constituem hoje o parlamento mais casa-grande dos últimos tempos, com grande poder de juntar excrementos, expelidos sob o manto da unção democrática (que muitas vezes sufraga representantes autoritários), e colocar o produto fétido sobre os ombros da população, da mesma forma que os senhores de engenho e capital faziam no período colonial da mão de obra escrava.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br
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