Quem são os e as refugiadas? De que fogem? Por quê agora? Que faz a UE?
Foto de Freedom House (CC by/2.0/) - Crianças refugiadas Sírias, em 2012 em Atmeh (Síria)
David Lazkanoiturburu
Os sírios são cerca de metade do contingente de refugiados chegados à Europa. Mas não são os únicos. E não é o único lugar de que se fala nestes dias para analisar esta avalanche humana. O que se segue é uma pequena e incompleta fotografia do drama da avalanche de refugiados. Um drama que está a concentrar a atenção do mundo, mas em que não faltam os tópicos.
E é sabido que há uma fina linha desde o tópico à demagogia.
Porquê agora?
Nos campos de refugiados sírios na Turquia, no Líbano e na Jordânia, a ajuda humanitária foi reduzida e as condições de vida deterioraram-se. “O Programa Alimentar Mundial concedia-lhes 27 dólares mensais (por pessoa) até ao ano passado, em julho baixou-o para 19 e atualmente é de 13,5 dólares”, denuncia Dana Suleiman, porta-voz do Alto Comissariado para os Refugiados da ONU (ACNUR). Não se pode esquecer que estes países limítrofes acolhem 10 vezes mais refugiados sírios do que todo o continente europeu.
Além disso, as escassas perspetivas de solução do conflito sírio e a convicção crescente de que nunca poderão voltar à sua pátria força-os a fugir para a Europa. Isto é extensível a boa parte dos conflitos que assolam vastas zonas do mundo.
Têm pressa
A decisão [entretanto alterada] da Alemanha de deixar de devolver os requerentes de asilo sírios aos países de entrada na UE incita os que duvidavam até agora em fazer a viagem, num indubitável efeito chamada. A isso se soma o provável encerramento, e que se prevê proximamente, de algumas rotas de acesso, porque Bruxelas está a pressionar a Grécia e a Itália a que abram centros de retenção e de classificação dos refugiados, depois de acusar ambos os países de “fecharem os olhos” e deixarem passar para os países vizinhos os imigrantes que chegam à sua costa.
Na mesma linha, e no que aponta para um efeito chamada, mas contrário ao que denuncia sempre a direita, o anúncio por parte da Hungria de que ultima a construção de um muro de 4 metros de altura leva muitos a apressarem-se, já que ainda podem atravessar pelas espirais de arame farpado de pouco mais de um metro, na fronteira com Sérvia.
Quantos são?
Mais de 350.000 pessoas atravessaram o Mediterrâneo desde janeiro e certificou-se a morte na travessia – a imensa maioria afogados –, de 2.500, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o ACNUR e a Frontex, a agência da UE para o controle das fronteiras externas. Houve casos recentes de morte por asfixia, como as 71 pessoas falecidas que apareceram dentro de um caminhão numa autoestrada austríaca (foram encontrados 17 bilhetes de identidade sírios, iraquianos e afegãos).
Apesar de tudo, os refugiados que entram pelo sul da Europa são apenas uma parte dos que chegam à UE. A Alemanha espera aceitar 800.000 pedidos de asilo em 2015, face aos 200.000 do ano passado.
De onde vêm?
Segundo dados da Organização Mundial de Migrações e do ACNUR, os sírios representavam em meados de agosto aproximadamente 43% da atual avalanche de refugiados que cruzam o Mediterrâneo. No dia de hoje (6 de setembro) poderão ser metade, mas não a imensa maioria, como repetem insistentemente algumas fontes. Normalmente entram por Grécia, Itália e Hungria a partir da Turquia. Seguem-se os afegãos (12%), eritreus (10%), nigerianos (5%) e somalis (3%).
Os 27% restantes da atual avalanche de refugiados e imigrantes procedem de outros países (Iraque, Paquistão,...) incluindo dos próprios Balcãs (kosovares, albaneses, sérvios, macedónios). Ao ponto de metade dos 185.000 pedidos de asilo registados no primeiro trimestre do ano na União Europeia, terem sido pedidos por sírios, afegãos e… kosovares.
Poucos ou muitos sírios?
Segundo dados do ACNUR, mais de 150.000 dos 350.000 refugiados contabilizados até à data no Mediterrâneo são sírios. Muitos? Evidentemente, mas depende da comparação. A Turquia acolhe atualmente cerca de 2 milhões; o Líbano suporta mais de um milhão, em condições draconianas, e os refugiados na Jordânia são mais de 600.000. Calcula-se que não está a chegar à Europa nem a décima parte dos 4 milhões de refugiados sírios. A eles há que somar os 7 milhões de deslocados internos provocados pela guerra.
Refugiados no mundo
Em princípios de 2015, contabilizaram-se 52,9 milhões de refugiados, deslocados internos e apátridas no mundo. É um número recorde e que tem crescido exponencialmente desde 2005, quando foram contabilizados 19,4 milhões (ainda que então não se tenham contabilizado os repatriados depois de um curto período).
Não há dúvida de que sobretudo a guerra na Síria (com um total de 11,7 milhões de deslocados, mais de metade dos seus 23 milhões de habitantes) foi determinante nesta ascensão. Mas não a única. Sem sair do Médio Oriente, aí estão as recentemente agravadas crises no Iraque e no Iémen, ou os oito recentes novos conflitos em África (Costa do Marfim, República Centro-Africana, Líbia, Mali, norte da Nigéria – 2,5 milhões de deslocados –, República Democrática do Congo, Sudão do Sur e, neste ano, Burundi), um na Europa (Ucrânia) e três na Ásia (Quirguistão, vários enclaves da Birmânia e Paquistão).
De que fogem?
Os sírios fogem da guerra e dos excessos da repressão do Governo de Damasco, do Estado Islâmico (EI) e de grupos rebeldes como a Frente al-Nusra (Al-Qaeda). Fugas ao acaso há de todos os tipos, incluindo alguns que fogem dos bombardeamentos dos EUA contra posições do EI e da al-Nusra.
O mesmo se pode dizer dos refugiados que chegam de países como Nigéria, Somália, Paquistão e Afeganistão. No caso afegão reportam-se casos de refugiados que fogem temerosos do inegável avanço dos talibãs (paralelo à retirada militar norte-americana).
No caso da Eritreia, não fogem de uma guerra provocada pelo Ocidente, mas da repressão do regime (conhecido como a Coreia do Norte africana).
Quem são?
Contrariamente a outro dos tópicos em uso, muitos aspirantes a refugiados da atual avalanche não se contam entre os mais pobres (estes não têm dinheiro nem para fugir e ficam nos países de origem ou no máximo refugiam-se nos países vizinhos). Pelo contrário, muitos têm um alto nível cultural. Certo é que os mais ricos não fazem a viagem em barcos ou barcaças (utilizam, certamente, o avião)
O que se passa na Líbia?
Os líbios não estão a fugir em massa do país. O que alguns estão a fazer é lucrar com o negócio de embarcar os refugiados. O linchado líder líbio, Muammar Khadafi, atuava como guarda-fronteira da UE e retinha os imigrantes no deserto. A deriva da Líbia para um Estado falhado ou para um reino de milícias abriu a sua costa à emigração africana.
Enquanto os líbios continuam a cobrar o seu salário ao Estado (tal como instaurou Khadafi com os rendimentos do petróleo), tudo aponta a que continuarão a lutar entre eles numa espécie de guerra de baixa intensidade. Outra coisa é se o dinheiro acabar ou a situação continuar a deteriorar-se.
Para onde vão?
Os três destinos mais ansiados pelos refugiados são, por esta ordem, Alemanha, Suécia e Grã-Bretanha. Mas no primeiro trimestre deste ano, quase metade dos pedidos de asilo tiveram como destinatária a Alemanha (40%), seguida da Hungria (18%), Itália (8%), Estado francês (8%), Suécia (6%), Áustria (5%) e Grã-Bretanha (4%).
Quantas pessoas obtêm o estatuto de refugiado?
Só 162.000 pessoas conseguiram em 2014 o reconhecimento do seu estatuto de refugiadas, de um total de 359.000 pedidos. Também no ano passado, registaram-se um total de 625.000 pedidos de asilo (dos quais 20% solicitados por sírios). A imensa maioria está ainda a ser examinada.
Que se passa com as recusas?
Em teoria, as pessoas devem ser repatriadas para o seu lugar de origem ou para o país em que entraram na UE. Algo impossível na atual situação tanto na Líbia como no Médio Oriente.
Que faz a UE?
Adiar. Com exceção da chanceler alemã, Angela Merkel, o resto dos países continua a tentar ganhar tempo, o que os refugiados não têm. Depois de quase dois meses de crise, convocaram para 14 de setembro uma cimeira de ministros do Interior e da Justiça! [a reunião nada decidiu].
Os países do leste europeu (ex-socialistas) e a Espanha são os mais significativos na recusa, até de quotas mínimas de refugiados. (Com o Diário Liberdade)
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