Greve dos bancários pede reajuste à altura da inflação e critica reforma trabalhista

                                                                        

Raphael Sanz (*) 

Desde o último dia 6 de setembro, os bancários estão em greve em todo o Brasil. Paralisação convocada em meio a uma conjuntura de crise política e econômica que tem capitalizado, entre outras coisas, uma reforma trabalhista muito criticada por movimentos sociais, sindicatos e sociedade civil. Para falar sobre a greve e também comentar questões conjunturais, conversamos com Regis Munhoz, historiador e membro da Secretaria de Formação do Sindicato dos Bancários de São Paulo. “Em SP, temos cerca de 120 mil bancários e conseguimos parar cerca de 40%. Há dias em que conseguimos chegar perto dos 50%. 

As paralisações estão fortes e ainda podem crescer mais. Das principais reivindicações temos o ajuste salarial, que compreende a inflação – acima dos 9,5% - e mais 5% de aumento real”, explicou Munhoz, que em seu trabalho no sindicato elabora e ministra cursos de formação e nesta conversa avaliou as negociações com a patronal como “complicadas”.

“Os banqueiros vêm com o argumento de crise, mas a crise atinge com mais incidência os trabalhadores. Para os banqueiros não tem crise, vide os lucros obtidos nos últimos anos. Se pegarmos os balanços dos maiores bancos brasileiros nos últimos seis meses, o que vemos são lucros cada vez maiores”, criticou o sindicalista, que também comenta a nova proposta de reforma trabalhista formalizada pelo governo Temer por intermédio do Ministério do Trabalho.

Com um mestrado em andamento, que pesquisa a retomada histórica do sindicato dos bancários no final dos anos 70 em São Paulo, Regis Munhoz não poupa críticas à esquerda, especialmente na sua área de atuação. Para ele, houve um abandono do trabalho de base a partir dos anos 90, acentuada após a chegada do PT ao poder em 2003, lacuna que agora tem sido preenchida por movimentos como o MPL, o MTST e os secundaristas.

“O que a esquerda pensa, se é para voltar a Dilma ou se é para ter novas eleições, são propostas. Acho valiosa a diversidade de pensamento, mas o principal é questionar a forma como a política está sendo feita no Brasil. Não adianta nada fazer novas eleições. Que tipo de eleições vamos fazer? No mesmo sistema político para eleger os mesmos caras? Ou falar ‘volta Dilma’? E se ela voltar? O cenário é tentar pensar novas formas de se organizar, disputar os corações e fazer o enfrentamento político contra a elite”, pontuou.

Leia a entrevista a completa a seguir.

Correio da Cidadania: Como se organizou a greve dos bancários e quais são suas principais pautas?

Regis Munhoz: A pauta da campanha salarial é bem extensa, há mais de 250 artigos sobre os quais construímos a reivindicação. O processo de construção da pauta também é complexo. Primeiro, fazemos congressos estaduais com os sindicatos e bases, de onde tiramos as pautas, para depois irmos para um congresso nacional que junta vários sindicatos, a Confederação Nacional dos Bancários, as federações por estado e por região. É nessa conferência nacional que tiramos as reivindicações a serem apresentadas para a FENABAN (Federação Nacional dos Bancos).

Boa parte de tais reivindicações é construída pelas bases. Passamos questionários, conversamos com bancários nas agências para definir quais são as prioridades da campanha e, depois da construção da pauta, entramos no processo de entrega das reivindicações. A greve só estoura quando não há mais possibilidade de acordo na mesa de negociação.

Das principais reivindicações, temos o ajuste salarial, que compreende a inflação – acima de 9,5% - e mais 5% de aumento real. Aí também entram melhorias na PLR (Participação em Lucros e Resultados), Vale Alimentação, Refeição e a 13a cesta de alimentação, um valor equiparado ao que se recebe no 13º salário.

Também há questões mais específicas como igualdade de oportunidades e de gênero. As mulheres no sistema financeiro recebem muito menos do que o homem. Principalmente a mulher negra. Ela está na base da pirâmide salarial, é quem recebe menos no sistema financeiro. Portanto, há uma série de reivindicações que fazemos para tentar corrigir tais contradições.

Correio da Cidadania: Que balanço você faz dessa semana de greve?

Regis Munhoz: Começamos na terça-feira, dia 6 de setembro. Ontem, 13 de setembro, tivemos uma rodada de negociações com os patrões, na qual eles propuseram um reajuste de 7%, proposta abaixo da inflação, e um abono de R$3300, que chamamos carinhosamente de “cala a boca”, porque há um problema: a inflação sobe, o salário não acompanha seu crescimento e temos perda salarial com queda do poder de consumo do bancário.

A greve está forte. Na segunda-feira, paralisamos 42 mil bancários e a ideia é continuar com a greve, principalmente nos bancos públicos onde tem bastante espaço para fazer paralisação, mas também nos prédios de bancos privados. É importante aumentar a paralisação.

Aqui em São Paulo, temos cerca de 120 mil bancários, dos quais temos conseguido parar cerca de 40%. Há dias em que conseguimos chegar perto dos 50%. As paralisações estão fortes e ainda podem crescer mais.

As negociações estão bem complicadas. Os banqueiros vêm com o argumento de crise, mas a crise atinge com mais incidência os trabalhadores. Para os banqueiros não há crise, vide os lucros que têm tido nos últimos anos. Se pegarmos os balanços dos maiores bancos brasileiros nos últimos seis meses, vemos lucros cada vez maiores. Se pegarmos a taxa de juros da Selic, que está em 14,25%, nota-se que os bancos investem na dívida pública e recebem com juros. Para eles não tem crise, mas usam esse argumento. Dizem que o lucro deles está diminuindo, mas não vemos dessa forma.

Correio da Cidadania: Pensando na conjuntura de crise, que soluções o Sindicato dos Bancários aponta para o desfecho da greve e que análise faz, de forma mais geral, da crise econômica global?

Regis Munhoz: O jargão da campanha salarial dos bancários é “só a luta te garante”. A conjuntura traz a retirada de direitos, ou seja, a classe trabalhadora sofre a ameaça de perder uma série de direitos duramente conquistados e hoje  consolidados com a CLT, uma conquista dos trabalhadores lá de trás na história. Agora, corremos o risco de perder coisas como a jornada de trabalho de 8 horas e a aposentadoria a partir dos 65 anos. Vamos perder também o fundo de garantia, pois o governo quer que seja atrelado à aposentadoria; corremos o risco de que o 13o salário não seja obrigatório e a empresa pague se achar que tem de pagar, por conta de um suposto comum acordo com o trabalhador. O que vemos é uma conjuntura na qual sem a luta e a tomada de consciência dos trabalhadores não temos para onde correr.

Essa reforma trabalhista é uma derrota que a elite brasileira está tentando impor ao conjunto dos trabalhadores. Existem países, sobretudo na Europa, onde as jornadas de trabalho são muito menores que as nossas, de 6 horas diárias em alguns. E eles vêm com o argumento de que aumentar a jornada de trabalho, ou colocá-la por hora ou produtividade, é aumentar o número de empregos, uma grande mentira. O que aumenta empregos dentro do sistema capitalista é o aumento de produtividade. Se o patrão, o dono da fábrica, do banco ou do comércio tem um empregado que, em vez de 8 horas, vai trabalhar 12 horas, ele tem aumento de produtividade sem precisar contratar outro empregado. É uma conta simples. Querem economizar na mão de obra para aumentar a lucratividade dos empresários.

Na questão do fundo de garantia, quando é atrelado a uma aposentadoria que só sairá aos 65 anos a chance de se aposentar vivo diminui. O que vai acontecer com esse dinheiro retido no fundo de garantia? Provavelmente será usado para pagar dívida pública para banqueiro. Tal tipo de proposta tem um viés político muito claro, que é o viés defendido pela alta elite brasileira.

Correio da Cidadania: Pensando no atual momento das lutas sociais, o que tem causado a sensação de terra arrasada, com atuações que partem de uma postura defensiva? Você, como formador de quadros, vê um abandono do trabalho de base nas últimas décadas?

Regis Munhoz: Com certeza o trabalho de base é essencial. É importante dizer que historicamente é difícil vermos a esquerda organizada. Sempre esteve desorganizada, teve conflitos internos, mas em alguns momentos notamos que conseguiu se organizar, mesmo com todas as divergências. Se olharmos para anos 70 e 80 no Brasil, vemos um período muito fértil na história da esquerda brasileira. E quando vemos a própria fundação do PT e da CUT, em que praticamente toda a esquerda está presente, também há um forte trabalho de base que funciona a partir de vários movimentos: de saúde, transporte, contra a carestia, pela educação. Uma série de movimentos a partir da base, com muita força das Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs.

A entrada do período neoliberal e o fim da União Soviética trouxeram uma crise para o pensamento de esquerda no mundo todo, especialmente da esquerda clássica, partidária. A esquerda entrou em choque. Vários quadros dentro de vários partidos mudaram seus pontos de vista. Inclusive dentro do PT. A própria conjuntura trouxe a ideia do individualismo e impôs dificuldades às lutas sindicais a partir dos anos 90. Os sindicatos não conseguiam organizar greves, não conseguiam reajustes acima da inflação, o pessoal de banco público era demitido como se fosse um banco privado e assim por diante.

Com a chegada do PT ao poder, foi possível reverter algumas questões, mas o trabalho de base foi abandonado. Foi esquecido principalmente pelo PT que, até então, era o maior partido de esquerda. Vejamos que quando se burocratizam os quadros do movimento ou do partido e não se formam novos, para continuarem o trabalho na base, cria-se um abismo entre a base e a burocracia e aquele movimento se torna uma rede transmissão da burocracia, ou seja, a base praticamente acabou. Tanto que não vemos mais nas periferias movimentos como aqueles dos anos 80.

Temos hoje no transporte o Movimento Passe Livre, que é um baita exemplo, tem o MTST e outros movimentos na questão da moradia. E são movimentos que estão fazendo bem o seu papel, assim como os secundaristas, mas infelizmente vemos que a esquerda está afastada deles, um grande erro. Vejo que há tentativas tímidas de aproximação. Se vai dar certo ou não, vamos ver nos próximos meses e anos. Mas, na minha opinião, o fundamental no momento é restabelecer o diálogo com as periferias, que são as bases de todo o movimento social e sindical.

Correio da Cidadania: Quais as perspectivas para a greve e seu possível fim nos próximos dias?

Regis Munhoz: A greve dos bancários está caminhando para mais uma negociação nesta quinta-feira, 15 de setembro, e a ideia é tentar fechar um bom acordo, mas não temos como prever porque é impossível saber o que se passa na cabeça dos banqueiros.

Correio da Cidadania: E o que imagina para os próximos anos para os trabalhadores?

Regis Munhoz: Pelo menos nos próximos dois anos, teremos muita luta. A CUT está propondo um dia de paralisação em 22 de setembro, em conversa com outras centrais sindicais que vão apoiar. O grande objetivo, difícil de alcançar, é construir uma grande greve geral para barrar as medidas do atual governo.

O que a esquerda pensa, se é para voltar a Dilma ou se é para ter novas eleições, são todas propostas e acho valiosa a diversidade de pensamento, mas o principal é questionar a forma como a política está sendo feita no Brasil. Não adianta nada fazer novas eleições. Que tipo de eleições vamos fazer? No mesmo sistema político para eleger os mesmos caras? Ou falar “volta Dilma”? E se ela voltar? Vai governar do mesmo jeito, com as mesmas pessoas?

Não tem muita perspectiva de mudança. O cenário para a esquerda é tentar pensar novas formas de se organizar, disputar os corações e fazer o enfrentamento político contra a elite.


(*) Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania.

(Com o Correio da Cidadania)

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