CRIME E CASTIGO...(Por coincidência estou terminando de relê-lo. Minhas primeiras leituras de Dostoiévski, Ivan Turgueinev, Máximo Gorki, Nicolas Gogol datam quando eu tinha 17 anos. Só os contos de Gogol que vinha lendo com alguma frequência...José Carlos Alexandre)
Resenha de Crime e Castigo, de Dostoiévski
Gilberto Araújo Araújo
Crime e Castigo é um dos maiores romances da história e tem como uma característica o fato de ser um livro que reproduz a angústia psicológica de um personagem que desde o início já sabemos ser um assassino. O estilo de Dostoiévski é inconfundível, já que ele reproduz os pensamentos e as dúvidas mais íntimas dos personagens. O romance começa narrando a história de Raskólnikov, um estudante que vive de aluguel em um pequeno apartamento, no qual ele tem cada vez mais dificuldade em honrar seu compromisso .
Raskólnikov ganha dinheiro fazendo pequenas traduções, no entanto, vive à beira da miséria. Como é um jovem muito neurótico e introspectivo,o estudante ( na verdade ex-estudante) durante seus vários momentos ociosos formula uma tese que pensa ser original: homens como César e Napoleão foram responsáveis por milhares de mortes, entretanto, foram considerados pela história como grandes heróis e conquistadores. Por que Raskólnikov pensa dessa maneira? Porque ele se vê oprimido pela velha- que no livro simboliza o capitalismo devastador que Dostoiévski tanto odiava.
Então Raskólnikov se questiona a respeito de uma ideia que ele teve: se Napoleão matou milhares e foi absolvido pela história, por que ele (o personagem) também não seria se matasse a velha que vivia de juros? Não estaria ele fazendo um bem à humanidade? Essa pergunta reflete o pensamento do próprio Dostoiévski, para quem as ideias moviam os homens, e não os homens realizavam as ideias.
Toda a psicologia e a angústia de Raskólnikov no momento em que se prepara para matar a velha são registradas de maneira magistral por Dostoiévski. O leitor parece que está assistindo à cena. Então o fato acontece, mas esse não é o momento crucial do livro, pois a melhor parte está por vir.
Ninguém sabe que ele matou a usurária. Foi, na verdade, um crime perfeito. Mas aí entra a grande questão: como superar o sentimento de culpa que nunca foi descrito em nenhum livro que ele leu? Matar milhares em nome da humanidade talvez seja mais fácil do que matar um único ser humano, e isso Raskólnikov não previu. Outro aspecto psicológico do assassino entra em cena que é o desejo de ser punido.
Quando a polícia começa a investigar o crime, Raskólnikov não é o primeiro suspeito, mas no momento em que ele vai ser interrogado pelo juiz Porfiri Pietróvitch, todo o romance muda de cena.
Raskólnikov vê-se diante de um opositor formidável, porque aparentemente durante seu interrogatório o juiz parecia desconfiar que ele era o autor do crime. Surge então na mente de Raskólnikov o sentimento de prazer e de grandeza, uma vez que ele se alegra com o duelo de palavras e gestos simulados que trava com o juiz. Ele sente prazer em ser mais esperto do que Porfiri, pelo menos no primeiro instante.
À medida que os interrogatórios vão se multiplicando, Raskólnikov percebe que está perdendo o controle da situação. O juiz Porfiri aparenta ter certeza de que ele é o culpado e tenta fazer um jogo psicológico com Raskólnikov para ver se ele confessa. Os diálogos são perfeitos e até mesmo engraçados.
Mas o personagem encontra uma pessoa que o faz sentir o amor pela primeira vez na vida. Essa é Sônia, uma prostituta miserável. Sônia representa no romance a fé ortodoxa e a possibilidade de redenção. Raskólnikov, que era um niilista, encontra uma luz durante um diálogo com Sônia no qual a faz ler uma passagem do Evangelho. A passagem é do Evangelho de São João que narra a ressurreição de Lázaro.
Parece que a partir desse momento Raskólnikov ressurge do mundo de fantasia, de culpa, de solidão e de niilismo em que habitava. Mais adiante ele confessa para Sônia que foi o autor do crime. Ela diz para ele confessar. Depois de muitos diálogos em que sua psique foi quase reduzida a nada pelo juiz, Raskólnikov confessa o crime. Ele é condenado à prisão de oito anos na Sibéria, onde influenciado pelo amor de Sônia, sua regeneração moral vai ter início.
Raskólnikov pecou por malícia segundo a filosofia Tomista, porque pecou pela eleição do mal. O personagem vivendo em um mundo ocioso e orientado por leituras mal feitas, sem critério e que não buscavam à verdade, se perde aos poucos. O teólogo cristão Orígenes já havia dito que ” não se destrói ou se perde subitamente, mas que necessariamente se decai pouco a pouco e por partes.” Primeiro Raskólnikov se isola; o seu caráter se enfraquece; e, por último, lembrando as palavras do Gênesis, ” o pecado está à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele, tu deves dominar.”
São Tomás esclarece que o pecado da malícia vem de uma disposição corrompida que inclina a pessoa para o mal, de tal modo que esse mal se torna em algo conveniente. Isso pode advir de uma natureza corrompida ou de uma doença do corpo. Ora, o pecado da malícia é muito mais grave que o pecado induzido pela paixão, pois quando se peca pela paixão logo depois a pessoa volta a si e se penitencia. Como o pecado de Raskólnikov é mais grave, o processo de penitência e redenção deverá ser mais longo.
Esse é um romance que envolve muitos temas que vão da psicologia à religião. Raskólnikov não consegue provar sua tese de que se livrando de um ser desprezado pela sociedade, ele estaria se igualando a Napoleão. De certa maneira permanece a questão: matar um é crime, mas trucidar milhares é ser herói. A mentalidade do culpado procurado pela polícia é descrita com grande precisão, se é que podemos dizer assim, já que nunca sentimos isso.
A fé cristã ortodoxa representada por Sônia é um tema recorrente nas obras de Dostoiévski, porque o autor russo era do movimento eslavófilo, que entre outras coisas acreditava na missão da Rússia como a redentora do ocidente laicizado e como responsável por espalhar novamente a mensagem do Evangelho, e também na adoção do antissemitismo, que está presente em Crime e Castigo.
A mensagem da ressurreição espiritual e moral de Raskólnikov a partir de uma passagem do Evangelho e do amor por uma prostituta pobre que não tinha a sua erudição histórica, no entanto possuía a fé em Cristo em sua mente e em seu coração, poderíamos dizer que valerá para todas as épocas que virão.
A mensagem da ressurreição espiritual e moral de Raskólnikov a partir de uma passagem do Evangelho e do amor por uma prostituta pobre que não tinha a sua erudição histórica, no entanto possuía a fé em Cristo em sua mente e em seu coração, poderíamos dizer que valerá para todas as épocas que virão.
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