Por que os filhos deles podem e os nossos não?
Renato Nucci Jr (*)
A edição de 26 de outubro do diário campineiro Correio Popular trouxe, em sua página 2, uma matéria escrita por três estudantes do ensino médio do colégio Notre Dame, um dos mais caros da cidade. O título do texto, O capitalismo e sua sociedade, busca refletir sobre a contradição intrínseca ao capitalismo entre o trabalho assalariado sob condições cada vez mais precárias e informais, como criador de toda a riqueza, e sua apropriação privada. Pelo lugar social ocupado pelas estudantes que escreveram o texto, o mesmo advoga por uma saída reformista para esse dilema criado pelo capitalismo. Aos trabalhadores deveria ser assegurada sua valorização, superando-se a informalidade e a precarização.
Mas não temos intenção aqui de entrar no mérito do texto. Nosso objetivo é outro. Atualmente, as massas trabalhadoras no Brasil encaram um dos mais agressivos ataques aos seus direitos em toda a sua história. Inserido nesse contexto marcado pela regressão social, a escola pública se torna alvo de um novo tipo de ataque.
A novidade, neste caso, refere-se à tentativa de atacar a grade curricular com o projeto denominado Escola Sem Partido. Alegando existir uma doutrinação política e ideológica nas escolas, principalmente públicas, seus arautos querem impedir por meio de leis que os professores emitam opiniões pessoais ou se valham de sua condição privilegiada em sala de aula, para “fazer a cabeça” dos estudantes.
O projeto aberrante, que os críticos com muita razão chamam de “Lei da Mordaça”, quer aniquilar na escola pública aquilo que por excelência é o seu maior papel: o de propiciar o debate e a formação de uma consciência crítica sobre a realidade social brasileira. Essa compreensão do papel da escola não é opinião corrente apenas entre os educadores, mas está muito impregnada no seio das classes dominadas no Brasil.
Dela resulta a conclusão óbvia, também muito forte entre as massas populares, de que os governantes não investem em educação, pois não querem um povo culto e sabedor dos seus direitos.
Está implícita, aqui, a percepção muito clara sobre o papel da escola. Seria este o de não se limitar a ensinar o bê-á-bá, as quatro operações da matemática ou uma geografia física insossa. Seu papel é o de desvelar os segredos do mundo, de nossa história e de nossa sociedade para que, dotados de conhecimento crítico, formem-se jovens capazes de transformar a nossa realidade histórica.
Mas o que um texto de opinião escrito por três estudantes do ensino médio de uma das escolas privadas mais caras de Campinas tem a ver com o projeto Escola Sem Partido?
Como demonstramos o projeto pretende impedir que a escola pública, onde estudam os filhos da classe trabalhadora, venha a exercer o papel que as classes dominadas justamente mais esperam dela. Por sua vez, em todos os lugares onde o projeto foi apresentado, as escolas particulares foram excluídas dessa terrível mordaça.
Fica claro, assim, que dentre os objetivos do projeto “Escola Sem Partido”, além de empobrecer o conteúdo curricular das escolas públicas, está o de vedar e vetar, aos filhos da classe trabalhadora, o debate crítico e contestador sobre a realidade brasileira, tal como provavelmente fizeram as estudantes do Notre Dame com o seu texto publicado no Correio Popular.
Assim, quer-se impedir à juventude trabalhadora, justamente aquela que mais padece pelas contradições geradas pelo capitalismo dependente e espoliador brasileiro, o debate crítico sobre a nossa realidade e as formas de superá-las. Em suma, enquanto os filhos deles, das elites, poderão discutir tudo, inclusive os meios que a seu ver e de acordo com a sua posição de classe seriam os mais razoáveis para atenuar os nossos sofrimentos, os nossos filhos terão de se contentar com uma escola formadora apenas de força-de-trabalho barato e obediente às ordens do capital.
(*)Renato Nucci Jr. é ativista social.
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(Com o Correio da Cidadania)
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