90 anos depois - A atualidade da Coluna Prestes

                                                                                 
A Coluna Prestes revelou a capacidade de luta do povo brasileiro e nisso reside sua atualidade. Nos dias de hoje, transformações terão que apontar para o socialismo – única solução definitiva para os males que afetam os povos do continente latino-americano.

Anita Leocadia Prestes (*)

A 28 de outubro de 2014 completam-se 90 anos dos levantes no Rio Grande do Sul que deram início à Marcha da Coluna Prestes, também conhecida como Coluna Invicta.

Pela primeira vez na História do Brasil, um movimento com participação popular, dirigido contra o poder do Estado, não foi derrotado. Momento culminante do tenentismo, cujo programa de reformas de cunho liberal (voto secreto, representação e justiça, liberdades públicas, etc.) adotara, a Coluna Prestes, durante sua marcha de 25 mil quilômetros, com a duração de 2 anos e 3 meses,  através de 13 estados do Brasil, ao vencer 18 generais governistas e tentar a derrubada do presidente Artur Bernardes, contribuiu significativamente para debilitar o poder das oligarquias agrárias  - o sistema de dominação oligárquico -  então vigente no país.

A Coluna Prestes empolgou a opinião pública brasileira durante a segunda metade dos anos 1920, pois expressou em grande medida os anseios das populações urbanas da época. A Marcha da Coluna abalou as estruturas da Primeira República, abrindo caminho para a vitória do movimento armado de 1930 e a realização de reformas que propiciaram um desenvolvimento capitalista significativo no Brasil.

A Coluna Prestes distinguiu-se por seu caráter popular, pois seu contingente, de aproximadamente 1.500 combatentes, entre os quais havia 50 mulheres, era formado por homens simples do povo – soldados e cabos (jovens trabalhadores de origem rural), civis de diversas profissões, negros, mulatos, brancos e mestiços, em grande medida analfabetos. 

No comando da Coluna havia 10 oficiais (tenentes e capitães) do Exército e 2 oficiais (um major e um tenente) da Força Pública de São Paulo. Também participaram do comando 14 elementos civis, promovidos a postos militares segundo os critérios vigentes durante a Marcha.

Esses traços, juntamente com a adoção da tática da “guerra de movimento”, definiram a especificidade da Coluna Prestes - uma organização militar com características populares, o que a distinguia das demais revoltas tenentistas, assim como de outras experiências guerrilheiras conhecidas na História mundial. 

Um exército guerrilheiro, dirigido por militares profissionais, em que se garantia a iniciativa dos seus participantes - os soldados da Coluna não eram meros cumpridores de ordens superiores, conforme se verifica nos exércitos regulares. 

Organizados em pequenos grupos, de 5 ou 6 combatentes (as “potreadas”),  tinham autonomia para afastar-se do grosso da tropa em busca de informações sobre os movimentos do inimigo e a topografia dos locais por onde passavam, assim como de animais para a montaria e de víveres para o abastecimento da tropa.

Os “potreadores”, movidos pela fidelidade à Coluna e aos seus comandantes sempre se reintegravam à Marcha e continuavam combatendo as forças inimigas, sem receberem qualquer tipo de remuneração.

Em contato com a situação de miséria das populações do interior do país, Luiz Carlos Prestes compreendeu que o liberalismo dos “tenentes” não seria a solução para os graves problemas do nosso povo. Durante a Marcha, a Coluna, sob o seu comando, assumiu a defesa dos despossuídos e oprimidos, vítimas da exploração dos poderosos locais, queimando listas de arrecadação de impostos escorchantes, libertando presos detidos injustamente, aplicando em alguns lugares medidas de reforma agrária, embora tímidas, lutando sempre por justiça e liberdade para os setores populares.

Sob o comando de Prestes, a Coluna tenentista transformou-se num exército popular revolucionário, embora Prestes e seus companheiros de luta não tivessem clareza do caminho a ser trilhado para a conquista de uma sociedade mais justa. 

Mas, a partir da experiência da Marcha, Prestes saltou da revolução ao comunismo, conforme apontado por Florestan Fernandes. A Coluna Invicta gerou a principal liderança da revolução social no Brasil – Luiz Carlos Prestes.

Da mesma forma como Simon Bolivar, José de San Martin, Mariano Moreno, Antônio José de Sucre e outros líderes da luta pela libertação das Américas do jugo colonial espanhol compreenderam, em seu tempo, que, para derrotar um inimigo tão poderoso, era necessário contar com a participação do povo em armas, um século mais tarde, Prestes perceberia que os artífices de um futuro de justiça social e democracia em nosso país seriam os setores populares, organizados, mobilizados e conscientes do seu papel transformador.

Se os “libertadores” do século XIX nas Américas souberam mobilizar as massas populares adotando medidas revolucionárias como a abolição da escravidão negra e da servidão indígena, a reforma agrária, a república e a promulgação de uma Constituição democrática, no Brasil, no século XX, frente às limitações impostas ao movimento revolucionário liderado por Prestes pelo poder das oligarquias agrárias associadas ao imperialismo, a saída seria outra: encerrar a Marcha e trilhar o caminho da revolução socialista, adotado por Luiz Carlos Prestes a partir de então.

A Coluna Prestes revelou a capacidade de luta do povo brasileiro e nisso reside sua atualidade. Mostrou que, no desenrolar das lutas populares, quando surgem lideranças autênticas, capazes de captar os seus anseios, torna-se possível mobilizar, organizar e conduzir os trabalhadores pelo caminho de transformações revolucionárias. Nos dias de hoje, tais transformações terão que apontar para o socialismo – única solução definitiva para os males que afetam os povos do continente latino-americano.

(*) Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes <www.ilcp.org.br>


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