Livro: Um homem torturado - Nos passos de frei Tito de Alencar

                                                                    
A prisão de Frei Tito de Alencar Lima, jovem dominicano de 24 anos, em São Paulo, na madrugada de 04 novembro de 1969, foi realizada no contexto da violenta repressão que se abateu sobre os religiosos que participavam da resistência à ditadura. 

Os dominicanos do Convento das Perdizes eram próximos da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização de luta armada criada por Carlos Marighella, com a qual colaboravam escondendo perseguidos políticos e organizando a fuga pela fronteira de pessoas procuradas pelos órgãos de segurança. 

Foi o caso de Franklin Martins e de Joaquim Câmara Ferreira, que saíram do Brasil graças à ajuda do jovem Frei Betto, instalado num seminário do Rio Grande do Sul.

Contar a história de Tito é se debruçar sobre o momento histórico da ditadura civil-militar, instalada em plena Guerra Fria, quando a luta contra o comunismo era a principal preocupação do bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos. 

A ditadura, que se instalou com o incrível nome de "revolução”, fechou o Parlamento, governou com os atos institucionais e colocou na prisão os opositores políticos que resistiam com ou sem armas.

Frei Tito foi um dos que não se calaram e preferiram combater a ditadura sem armas, com a força das ideias e dos ideais de justiça social. Na Universidade de São Paulo (USP), onde participava ativamente do movimento estudantil, Tito chegou a ter momentos de dúvida e de incerteza sobre a possibilidade de conciliar Marx e Cristo. Assim como ele, outros frades foram encarcerados: eram considerados "terroristas” por terem feito a "opção preferencial pelos pobres” pregada pelo Concílio Vaticano II.

Incluído a contragosto no grupo de 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço, que havia sido sequestrado por um grupo de guerrilheiros, Tito de Alencar embarcou em janeiro de 1971 para Santiago do Chile. Mas não encontrou a serenidade fora das grades.

Destruído psicologicamente na tortura, banido pela lei de seu país, não pôde recobrar seu equilíbrio. Como o filósofo Jean Améry, codinome do resistente e escritor austríaco Hans Mayer, Tito "não tinha mais seu lugar no mundo”. E como Améry, que se tornou amigo de Primo Lévi em Auschwitz, buscou na morte a liberdade.

Naquele agosto de 1974, o militante político e revolucionário não tinha mais forças para lutar. O jovem poeta e místico, que pensou um dia se tornar eremita, percebeu que não conseguia viver sozinho, em meditação e oração.

Levara do Brasil seus carrascos, que lhe invadiam os sonhos e lhe infernizavam os momentos de vigília. Ele, como seus confrades, sabia que não havia traído nem Jesus nem Marighella. Mas, nos seus pesadelos, os carrascos teimavam em repetir a mesma mentira.

Para seguir os passos de Tito de Alencar Lima desde o dia em que foi preso até o dia de sua morte, aos 28 anos, num dia de verão, na França, foi preciso ouvir o testemunho dos frades e dos militantes que estiveram presos com ele em São Paulo, mas também de alguns dos setenta prisioneiros políticos que saíram no voo para Santiago, trocados pela libertação do embaixador suíço Giovanni Enrico Bücher. 

Os frades que o conheceram no Convento de La Tourette, perto de Lyon, eram apenas cinco, em 2012. Em Paris, muitos dos dominicanos que conviveram com ele no Convento Saint-Jacques ainda estão ativos e também puderam testemunhar de sua incapacidade de continuar a viver.

A bibliografia consultada e os refugiados políticos da diáspora brasileira entrevistados permitiram a reconstituição da vida no exílio dos refugiados políticos de diferentes gerações e origens.

O testemunho da irmã de Tito, Nildes, foi fundamental para a reconstituição da vida e do sofrimento do frade no convento francês Sainte-Marie de laTourette.

O depoimento mais contundente, mais detalhado dos últimos meses de vida de Frei Tito, foi do dominicano Xavier Plassat. O ideal revolucionário, além de uma concepção semelhante do cristianismo, aproximou-os. 

Antes de conhecer Tito, Plassat já possuía um pôster de Marighella na parede de seu quarto de estudante de Ciências Políticas, em Paris. Depois de acompanhar o corpo de Tito a São Paulo e Fortaleza, em 1983, Plassat emigrou no final dos anos 1980 para prosseguir no Brasil seu engajamento político, a partir de então, na Comissão Pastoral contra o trabalho escravo.

O encontro com o psiquiatra e psicanalista Jean-Claude Rolland, dia 18 de junho de 2011, no V Colóquio da Associação Primo Levi, em Paris, cujo tema era "Linguagem e Violência”, foi determinante para a existência deste livro. 

Em sua conferência intitulada "Soigner, témoigner” (Cuidar, testemunhar), Rolland analisou o caso Tito de Alencar. Depois da conferência e da projeção do filme Batismo de sangue, baseado no livro homônimo de Frei Betto, houve um debate com o psicanalista e com o realizador do filme, Helvécio Ratton.

Foi ali que Um homem torturado – Nos passos de Frei Tito de Alencar começou a nascer. O título do livro é inspirado num texto que Jean-Claude Rolland escreveu sobre Tito, publicado na Nouvelle Revue de Psychanalyse, em 1986. Nele, o psicanalista escreveu: "Não há nenhuma dúvida de que Tito de Alencar morreu durante suas torturas”.

Tito, um homem torturado, com um traumatismo à flor da pele e um sofrimento incomensurável, marcou para sempre Jean-Claude Rolland, que não se cansa de participar de colóquios no mundo inteiro para testemunhar como a tortura pode deixar marcas indeléveis.

Com informações de Leneide Duarte-Plon, jornalista (Paris), publicado no Observatório da Imprensa:


Ficha técnica:

Um homem torturado: nos passos de Frei Tito de Alencar, de Leneide Duarte-Plon, Clarisse Meireles, 420 pp., Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2014; lançamento em 17/4, às 19 horas, na Livraria Travessa do Leblon (Rio)  (Com a Adital)

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